MULTA POR INSULTO NO FACE BOOK

 

Um turco, na Alemanha, foi condenado a pagar 600 € por ter designado de “Puta” à deputada Dagdelen. Um outro foi condenado a pagar 700 € por ter chamado “Filho da Puta” ao chefe dos Verdes, Özdemir.

 

Um tribunal de Berlim impôs multas a pessoas que insultaram no Face Book dois deputados alemães de origem turca que tinham aprovado no Parlamento uma resolução que qualifica a liquidação dos arménios pelos turcos como holocausto.

A Internet não é um espaço isento de Direito! Por vezes causa tristeza lerem-se tantos insultos contra pessoas que pensam de forma diferente. Em vez de argumentos assiste-se muitas vezes a sentenças proclamadas do alto tribunal da opinião armada em tribunal de última instância!

Este e um assunto que mereceria uma profunda discussão. Há que conciliar os direitos da Liberdade de expressão com o da Dignidade humana! Um outro ponto de discussão a ter-se em conta seria o problema de um Estado que se intromete cada vez mais na esfera que pertenceria ao foro privado.

O RESPEITO pela dignidade humana e o RESPEITO pela liberdade de expressão! Dois valores que actualmente se usam um contra o outro!

António da Cunha Duarte Justo

 

MULTA PARA IMAMES QUE EFECTUEM CASAMENTOS COM CRIANÇAS

O jornal ZEIT informou que, uma iniciativa do Ministério do Interior dirigida ao governo federal alemão e ao Grupo de Trabalho dos estados federados, prevê uma multa a pregadores islâmicos (imames) que realizem casamentos de menores de idade.

Imames não poderão efectuar rituais de casamento de menores de idade, nas mesquitas. A proposta de lei a discutir prevê multas até mil euros.

Na sociedade ainda se encontram muitos costumes de povos e culturas que são colocados acima dos direitos humanos consignados na Constituição. O casamento com menores é um abuso da personalidade humana e dos seus direitos. É estranho que uma sociedade se preocupe tanto com a não discriminação e menosprezo através de palavras, insurgindo-se contra expressões como Zigeunerschnitzel (costeleta cigana) e por outro lado não elabore leis que proíbam em princípio a exploração sexual de crianças tolerando o casamento antes dos 18 anos.

 

O problema agudiza-se pelo facto de nas mesquitas se realizarem casamentos à margem da lei. Muitos realizam o casamento religioso islâmico mas não efectuam o casamento civil alemão para deste modo poderem usufruir de apoios aos estudos ou sociais que veriam reduzidos se vivessem num agregado familiar e não tivessem domicílio independente.

 

António da Cunha Duarte Justo

A IDADE DIGITAL INICIA A ERA PÓS-FÁTICA – O SENTIMENTO É QUEM MAIS ORDENA

Coisas da Democracia: Trump ganha e Democratas queixam-se da Democracia

António Justo

O dia das eleições é aquele em que todos os cidadãos são iguais. No dia seguinte volta-se à divisão dos grupos de interesses do costume, na disputa do terreno público: os que ganharam e os que se sentem com direito a ganhar. Por vezes é custoso aceitar que em democracia quem ganha tem razão, embora nela a verdade seja sistémica, encontrando-se repartida e disseminada por diferentes grupos de interesse.

Uma sociedade de franco-atiradores abandonada a si mesma

O estado da nossa democracia é cada vez mais amedrontador, numa sociedade provocada que provoca também; as pessoas cada vez se sentem mais desamparadas e sem fala, não se sentindo em casa na própria terra. A desilusão é tanta que, como na América, as pessoas, sem alternativas válidas, já chegam a agir segundo o mote: “mal por mal Marquês de Pombal”. Nos EUA o povo elegeu Donald Trump, não por causa das suas expressões sexistas e xenófobas mas porque o sofrimento e a falta de esperança que sente é tal que os levou a elegê-lo apesar disso..

Não chega rejeitar o discurso do medo, do ódio, da intolerância e da cisão; é preciso iniciar-se uma cultura que não se fique pelo discutir das causas que deram razão a Trump mas que provoque a mudança de atitude e de agir da classe política dominante.

Elites arrogantes incapazes de notar os sinais dos tempos

Os comentadores do mundo já não entendem o que se passa; por isso preferem ficar-se pela coutada que os favorece. No discurso público é comum a arrogância dos que, na falta de argumentos, explicam os fenómenos declarando de estúpidos e populistas quem representa interesses que não os seus. Os eleitores de Trump são declarados bobos e parvos como se não soubessem o que fazem e o que querem nem tivessem direito a defender os seus interesses e a Democracia também não lhes pertencesse. Trump mobilizou os sentimentos dos que geralmente se calam porque não têm oportunidade perante os grupos de interesses da arena política; os Mídias usaram a mesma técnica de Trump ao apelarem aos sentimentos negativos das populações contra Trump em vez de analisarem o que estava por trás da sua posição em relação ao globalismo e à responsabilidade mundial a assumir pela Europa. Não souberam ver que Trump é o símbolo de uma nova época que se anuncia e como tal trará consequências positivas e negativas decisivas para a Europa e para um mundo mais complicado e difícil. Assistimos à sabotagem da opinião pública e, de repente, o povo espectador sente-se desenganado por uma realidade não propagada e como tal não esperada.

Chega-se a ter a impressão que os usuários do sistema político e económico europeu, habituados a viver reconfortados, sem grandes perturbações sob o mandato do pensar politicamente correcto da esquerda, se aproveitam de Trump para fomentar os seus preconceitos contra os americanos ou para indirectamente atacarem uma democracia não forjada à sua imagem e semelhança. O mesmo já se viu na discussão sobre o Brexit! Em vez de analisarem as causas do terremoto americano de que enfermam também, as elites europeias, optam por criticar e difamar o eleito e quem o elegeu e com a sua falta de discernimento serrotam o próprio galho em que se encontram. A própria presunção leva-os a difamar, como inimigos da democracia, outros grupos de interesse surgentes que se organizam, como eles, democraticamente. Preferem falar da maléfica atitude de demagogos do que da própria má vida e da corrupção que é o húmus da demagogia. Esquecem que quando apontam um dedo para os outros têm pelo menos três a apontar para si.

Na era digital o sentimento popular é quem mais ordena

O maculado Trump inicia a derrocada do sistema estabelecido e é um aviso à corrupção das elites dos países da União Europeia que nadam em ideologias e em dinheiro e cada vez deixam mais população a nadar no charco.

Trump é realmente um fenómeno, até qui inédito em democracias consideradas adultas, dado ele ser expressão da nova idade digital que inicia a era pós-fática. Nesta era, como podemos verificar nos resultados das eleições e na opinião pública europeia, o sentimento é quem mais ordena! O sinal de que há uma desfasamento e até contradição entre os interesses ideológicos e económicos  estabelecidos e os do sentir do tempo popular, deduz-se também do facto das empresas das novas tecnologias terem apoiado a campanha de Clinton com 35 milhões de Dólares e a de Trump com 300 mil Dólares!… A mesma contradição parece haver numa política até aqui considerada racional afirmada contra as razões de uma política também sentimental..

A discussão pública parece querer ignorar que vivemos numa sociedade em luta e repartida entre os diferentes grupos de interesses, vivemos numa sociedade formada de grupos de interesse a viver uns dos outros e de uns contra os outros; até agora temos vivido em democracias de pensamento bem penteado mas bem divididas entre os que vivem ao sol e os que vivem na sombra: os lá de cima e os cá de baixo. No meio de tanta poeira no ar os beneficiados do sistema nem notam que a democracia já legitima as barbaridades (ordenados horrendos de banqueiros, futebolistas, benefícios vitalícios de políticos, etc., se comparados com os salários mínimos e depois vêm falar ao povo de moral, de justiça e de decência) que condena em regimes autocráticos e antidemocráticos. Desta vez o povo perdedor do sistema, ao ir às urnas, demonstrou que o que se sente também faz parte da realidade. Os sentimentos criaram um facto: Trump como presidente, um homem que pensa através do corpo e da nação e como tal não tão puro como o quereriam formatadores elitistas que só conhecem a realidade filtrada pelos interesses do seu pensamento, que não parece comportar o conhecimento da dinâmica de causas e efeitos; querem tudo menos reformar o próprio sistema; tocar nele significaria autenticidade e a própria renúncia a privilégios, que se tornaram em verdadeiros atentados à democracia e ao bem-comum (em nada inferiores aos das elites do passado e que têm a descaramento de criticar).

Actores sem remorsos produzidos por uma elite sem vergonha

Trump ergueu-se, da parte sombria, num horizonte dominado por raios e coriscos, e confessou querer defender os interesses dos USA, os interesses dos conservadores, os interesses individuais, os interesses de grupos a viver na precaridade. Usou de uma retórica agressiva e discriminadora, mostrou, sobretudo a sua face narcisista imprevisível e deste modo dividiu emocionalmente uma nação politicamente já dividida. Trump não sentia remorsos de consciência ao revelar-se como discriminador de grupos porque se sabe num regime que discrimina mas se branqueia e legitima atrás da maioria. Como pessoa entendida em questões de poder afirmou querer defender os interesses da América e nesse sentido querer domar a globalização e analisar os acordos internacionais para ver em que medida servem a América. Conseguiu juntar a si o grupo dos perdedores de uma globalização que não respeita a pessoa, a cultura nem a nação. Tocou o nervo da maioria da população insatisfeita do mundo ocidental. Tem duas coisas que o não ajudarão: o seu caracter impetuoso e o partido republicano dividido em dois. (Se não se acautela ainda o matam antes de tomar posse como presidente. Tanto é o medo de ideologias e economias que se sentem ameaçadas com o pouco que disse de relevância política).

O descontentamento brada aos céus num firmamento nublado

Os mantedores do sistema dominante encontram-se desapontados. Parecem ignorar que na luta não se limpam armas e menos ainda na era digital e que depois da luta tudo vai ao duche e se apresenta asseado. Trump usou na sua retórica os princípio que parecem orientar grande parte da política estabelecida: os fins justificam os meios; na luta vale tudo, só depois vêm os argumentos! Desta vez a maioria silenciosa teve uma efusão de alegria perturbadora das minorias detentoras do sistema. No dicionário da classe estabelecida só parece haver lugar para a linguagem erudita, sem lugar para a linguagem sentimental do calão ou da linguagem considerada populista. Trump, soube verbalizar o descontentamento de muitos que com a globalização se sentem expropriados embora na América só haja cinco milhões de desempregados, o que não é nada em comparação com o desemprego na Europa.

Independentemente dos defeitos de Trump, ele tornou-se no contestador da corrupção do regime político que nos governa. Depois de uma campanha dolorosa fez-se sentir a voz da maioria silenciosa e daquela parte da população que também na Europa não se atreve a manifestar a opinião para não se expor e não ser tachada de populista ou para não ser prejudicada na carreira. A arrogância do pensamento das elites europeias parece não deixar espaço para poderem compreender o aviso americano ao quererem reduzi-lo a uma questão de populismo, a uma onda de emoções que passam e se expressam num homem desvairado. Esta arrogância cega de representantes do sistema não deixa sentir os novos ventos que correm e, por isso, persistem em querer manter o espírito na sua garrafa, e também o monopólio da interpretação que não ouve o clamor interno nem o medo dos pequenos cidadãos; estão mais preocupados nos deslizes de Trump do que nos motivos dos suspensos do sistema que o elegeram. Corrijam-se os erros do sistema para pessoas como Trump se tornarem supérfluas. Em Trump, um homem que vem das elites, assistimos a uma verdadeira revolução contra o rígido Estabelecimento das elites e as ideologias que representam. O desespero ganhou largas: todos falam dele mas dizem que não o conhecem. Depois das eleições Trump já disse: “Agiremos de forma justa com todos”; a justiça depende porém da mão dos mais fortes.

Porque é que a Europa tem medo de Donald Trump

A europa encontra-se preocupada com a Eleição de Trump porque este não é fruto dos quadros da política; porque terá fraquezas de caracter usando palavras sexistas, xenófobas e reage à crítica com agressividade; porque quer travar o globalismo no sentido do nacionalismo, quer permitir métodos de tortura contra terroristas e querer expulsar 11 milhões de imigrantes ilegais, e não reconhecer os problemas das mudanças do clima. O anunciado proteccionismo da economia americana é uma questionação radical ao globalismo. A sua intenção de rever no sentido dos EUA os acordos de livre comércio implica para já um não às negociações TTIP. Não quer continuar a exportar democracia. Não quer pagar os soldados americanos que defendem a Europa. Quer apoiar o presidente Sírio como o legítimo detentor do poder; é contra o aborto. A China confia na nova administração apesar de Trump ter dito que quer uma política comercial menos liberal. O melhorar as relações com Putin embaraça a política da EU que tinha adoptado alguns caminhos impróprios. Com Trump a Nato será reestruturada e a EU obrigada a organizar e assumir a defesa dos próprios interesses estratégicos o que implicará para a EU o assumir de relações amistosas com a Rússia e responsabilizar-se pela organização caríssima do aparelho militar. A maior regulamentação e intervenção nacional no processo da globalização terá consequências muito graves para a economia alemã. Numa altura em que a EU se preocupa por unir e responsabilizar mais os seus membros, o facto de Trump e com ele a América querer mais patriotismo e menos globalismo obriga a um novo baralhar das cartas da política. Com a nova América Putin ganhou e a esquerda perdeu.

Quando a América espirra a Europa adoece

Tudo isto não será tão mau como parece. Os USA têm sistemas constitucionais que se controlam mutuamente e o Congresso tem muitos representantes republicanos que não seguem a linha de Trump (partido dividido em duas facções) e o aparelho do governo tem milhares de cargos e estes têm muito a dizer. A Europa já ridicularizou Ronald Reagan, por ser um actor e ele conseguiu um acordo de desarmamento com a União Soviética, exultou Obama como um messias e na sua administração houve mais guerras no mundo do que noutras anteriores. Trump provoca uma mudança no ideário internacional mas terá de seguir a perícia e a inteligência da administração.

Ângela Merkel já puxou as orelhas a Trump dizendo que quer colaborar com quem respeite os tradicionais valores ocidentais. A europa quer ver na Nato uma comunidade de valores mas isso não é tão lineal como parece porque, em política e economia, na base dos valores estão os interesses. Na Europa há muitos Estados que têm uma relação estreita com os USA e isso implicará um contrapeso a Bruxelas: Trump está para o mundo como o Reino Unido para a EU. A Europa terá de organizar uma estratégica própria em colaboração com a Rússia e não na confrontação se não se quiser esgotar economicamente na militarização da sociedade, além do mais tem de reconhecer os erros que obrigaram o Reino Unido ao Brexit.

Moral da história: a classe política europeia deveria reconhecer a base dos seus valores na sua cultura e não ir vivendo do improviso de valores abstractos fabricados ao sabor de ideologias ou dos tempos. Quem quer a globalização deve ter os pés na terra e reconhecer os interesses da própria cultura, aquela que lhe dará sustentabilidade. O progresso e a inovação são muito necessários mas não poderá ir além do comprimento das pernas que temos.

O povo é que paga as favas: paga-as quando alimenta as classes privilegiadas demasiado gordas e paga-as quando estas se queixam de que ele é estúpido. A democracia não se adequa a ter donos, sejam eles partidos ou autocratas. Com a tecnologia digital iniciou-se a era pós-fática em que o sentimento é quem mais ordena!

Resta-nos ficar com a atitude de esperança do Vaticano em relação a Trump: a promessa de rezar por ele e a jaculatória “Que Deus o ilumine” !

António da Cunha Duarte Justo

Reflexão incómoda

ÉTICA REPUBLICANA PORTUGUESA – REFLEXÃO

 

Republicanismo português embrulhado na moral dos interesses corporativos

Por António Justo

Ética é uma filosofia aplicada, uma tentativa de dar resposta ao bem, ao belo, à verdade, à justiça e ao sentido do ser e do estar do Homem, uma tentativa de teorizar e generalizar a moral de cunho cultural. Platão, o grande filósofo da política, equacionava a ética no âmbito do verdadeiro, do belo e do bem. Aristóteles, por sua vez, no seguimento de Platão e de Sócrates acentuava o princípio da virtude colocando-a no seguimento do meio-termo; o cristianismo centra-a no caracter relacional individual e comunitário na atitude interior (matriz trinitária) regulada pela consciência (finalidade salvação da alma e criar felicidade) e o modernismo na sua expressão republicana focaliza a ética no interesse do grupo e no balance dos interesses grupais de forma pragmática na procura do útil para a polis (acentuação da ética de responsabilidade – da ponderação de interesses, sobre a ética de convicção- ponderação da verdade). 

A República portuguesa animada por uma moral secular ad hoc leva o Estado ao fracasso

A ética/moral, ao contrário da filosofia, é sempre contextual (localizada) e como tal fruto da disputa entre experiência (limitada) e teoria (universal) (1), entre o bem individual e o bem da colectividade (bem espiritual e bem material).

Cada cultura, cada grupo social procura um tecto metafísico, um fundamento religioso/ filosófico em que expressa a sua identidade e enquadra o seu comportamento moral. Cada sistema religioso-filosófico-ético tem sido o resultado e o produtor de diferentes expressões culturais; entre outras criou a civilização cristã, a civilização hinduísta, a civilização budista, a civilização árabe muçulmana, todas elas com diferentes formas de organização social e legitimadoras do poder, tais como: repúblicas, monarquias, democracias e ditaduras.

Na sociedade ocidental coexistem várias maneiras de estar na vida (morais), muitas vezes externamente indiferenciáveis na sua expressão popular, embora possam ter diferentes referências e fundamentos.

Os Estados, à semelhança das religiões, criaram as suas Constituições e estatutos de organização política com o correspondente fundamento da proveniência do poder, da ética e dos princípios por que se regula. Enquanto a monarquia fundamenta o seu poder e a sua moral em Deus (presente em cada pessoa), a república pretende, fundamentá-los no povo e na ideologia. Consequentemente, como o povo é heterogéneo e com crenças diferenciadas, a república secular não poderia ter uma crença determinada nem o Estado deveria ter uma ideologia exclusivista. O Estado, porém, teria de respeitar o ideário e os factores de identidade da nação. Doutro modo torna-se no administrador dos interesses anónimos e dos grupos mais fortes, reduzindo-se ao campo de batalha entre os mesmos (ao monopolizar o ensino favorece a versão correspondente à ideologia dos grupos mais fortes). A soma dos interesses congregados em diferentes corporações e reunidas no Estado não são suficientes para dar sustentabilidade à engrenagem de um país; falta-lhe a alma, o óleo de um ideal comum e de uma missão comum.

A necessidade cria o órgão mas nunca o conjunto das concorrentes necessidades conduzem a um corpo orgânico; podem quando muito assumir actividades funcionalistas sempre na provisoriedade. Uma sociedade regulada e motivada apenas por relações de interesses desumaniza-se perdendo-se em morais ad hoc que na sua dinâmica concorrente criam a impressão de sentido mas são incapazes de legitimar a sua sustentabilidade como nação. A força e o poder, congregados no aparelho do Estado, para controlar e ordenar os interesses corporativos, não tem legitimidade suficiente de vínculo ético, devido ao seu caracter mecanicista ad hoc, sem sentido nem meta. Este Estado, sem missão teleológica esgota-se em dar forma à circunstância e ao tempo toma expressão de caracter absolutista (2). Ao monopólio monárquico de uma ética de cunho cristão segue-se o monopólio da ética maçónica como substrato invisível da República.

O factor Deus relativizava o poder monárquico; o Senhor e César têm o seu devido lugar mas no respeito a Deus que também é povo. O perigo do absolutismo na monarquia é continuado na república através dos grupos fortes e das redes secretas subjacentes.

Um povo, com os seus diversificados interesses, não é fundamento suficiente para legitimar um sistema ético; a ética universal só será fundamentável na ipseidade que realiza a tensão entre o relativo (o objecto) e o absoluto (sujeito). Antoine de Saint-Exupéry especifica: “Se não houver nada acima de ti, não tens nada a receber. A não ser de ti próprio. Mas que hás-de tu ir buscar a um espelho vazio?”. Saint-Exupéry pressupunha a existência de um ser absoluto pessoal. Se a pessoa não estiver acima dos interesses grupais será irremediavelmente transformada num objecto dependente dos interesses dos mais fortes.

Uma República comprometida com o bem-comum e empenhada na defesa da felicidade dos cidadãos teria de considerar as diferentes ideologias e agremiações como factor de integração e elevação social; consequentemente teria o dever de integrá-las e deixá-las desenvolver-se sob um tecto livre e aberto – só a liberdade responsável pode ser factor de felicidade e, como tal, não reduzível a um caminho religioso estreito nem a uma via secular racionalista ou materialista. Nem o ideário religioso do Islão e nem o ideário maçónico arraigado à república (sistemas de interesses grupais) podem arrogar-se como linhas directivas de imagem na civilização ocidental que assenta na dignidade da pessoa e na divisão de poderes (ao Estado o que pertence ao Estado e a Deus o que é de Deus). Uma ética universal (multifacetada) pressupõe a pessoa como sua infraestrutura e em relação com o outro; pressupõe uma relação entre sujeitos, não reduzível a uma relação entre objectos (interesses).

Tanto o sistema republicano como o sistema monárquico tem os seus quês; tudo depende dos grupos de interesse que se apoderam deles. Os grupos de interesses que se servem da democracia para se imporem, vivem bem da ilusão transmitida ao povo de que é livre e soberano.

Mau testemunho das elites republicanas: cinismo e falta de vergonha

O bem-comum obriga a direitos e a deveres que implicam relações éticas. Embora o Estado e a administração estejam ao serviço da coisa pública, uma concepção baseada em interesses, não integral de Homem e sociedade, estimula muitos dos seus representantes a abusarem do serviço público e a usarem a posição que ocupam em próprio benefício ou em benefício das suas organizações; este comportamento vai contra o ideal republicano do bem-comum por corresponder a uma privatização indevida do bem-comum; mas o ideal republicano não é congruente porque se baseia na defesa de interesses e estes assentam na rivalidade dos grupos e na defesa do ego. Consequentemente, as estruturas partidárias e organizações ideológicas dão cobertura à corrupção.

Assim temos um Estado com políticos mas sem país dado a inteligência portuguesa, fragmentada nos diferentes partidos ser colocada em função dos interesses dos grupos e não do todo (povo). A nossa matriz de Estado beneficia as corporações instaladas contra a população. Pelo que observo da História, principalmente a partir de Marquês de Pombal, o nosso Estado tem tudo menos povo; falta-lhe a inteligência colectiva, que foi privatizada. A nossa República é individualista, surgiu da luta de grupos de interesses ideológicos e de interesses de privilegiados e não do interesse nacional: A inteligência portuguesa aprendeu muito lá fora mas tornou-se estrangeirada e deste modo envergonha-se do povo que a sustenta; tornou-se numa alma sem corpo e num corpo sem alma: a nossa República é de todos mas não é nossa e o povo adora um país cm um Estado que despreza. A grelha em que assenta a república e os partidos não é nossa; o problema é de mentalidade (em parte de influência oriental e árabe) e mais recentemente alimenta-se da dependência cultural e económica, principalmente a partir do séc. XVIII; tornámo-nos dependentes da França e da Inglaterra deixando de ser europeus (agora servimos servindo-nos de uma Alemanha simbólica que repudiamos).

A república portuguesa tem sido uma história de fracassos porque fraccionada em grupos de interesses de afirmação de uns contra os outros em que a dinâmica inerente à sua ética parece ser a luta e o ser contra; por outro lado, à maneira da cultura árabe, uma condição negativa – o factor inimigo -, é transformada em causa de união dos grupos de interesses (3)!

Numa sociedade orientada por princípios éticos, a vergonha é o rosto da moral que pressupõe a dignidade como suporte (4).

O senso do estado, na república que temos, mais que servir o bem-comum é servir indivíduos e grupos perfilados em constelações de interesses (corporações), o resto são efeitos colaterais. Num ambiente assim é cínico falar de ética republicana porque não passa de uma moral local ad hoc própria de um republicanismo português sempre na dependência, sempre falhado (na primeira república falido e na terceira hipotecado). Nos finais dos anos vinte foi preciso Salazar para salvar Portugal do caos e da bancarrota da I República e no actual regime republicano vivemos de mãos estendidas suportando a canga dos outros (5).

A nossa república não pretende a criação de relações humanas, pretende relações de interesses reguladas por leis; a relação humana reserva-a, quando muito, para a loja ou para os íntimos do partido ou do clube, cultivada à sombra do interesse e do oportuno. Trata-se de redes de ligações de interesses determinadas por obediências por vezes contrárias à soberania da consciência individual e social. Condenam, e com razão, o uso do instrumento do medo em sociedades religiosas mas consideram o uso do medo na polis como instrumente essencial da sua ética. Muitos republicanos reportam-se de bom grado a Thomas Hobbes que vê no medo e no susto perante o poder central (monopólio do poder e da violência) a garantia da paz civil (no “Leviathan”): o medo é considerado instrumento para evitar a guerra civil.

Uma forma de Estado (República) construída na base de uma auto-imagem ateia ou contra a Igreja que conferiu a identidade à nação deslegitima-se porque incapaz de exercer auto-moderação. Como o cidadão é considerado objecto e não sujeito, a lei deve substituir a consciência do indivíduo. Chega um certo dogmatismo de opinião que confunde razão com lógica e confere à opinião ideológica foros de argumentação objectiva.

A elite da República portuguesa, nos trilhos do Marquês de Pombal, é altiva e dissonante repelindo o sentir da alma popular que despreza e olha com desdém não suportando a sua expressão religiosa e cultural popular (símbolos de inimigos a desprezar: fátima, futebol e fado). Arvora-se em dona da República, e em intérprete da cultura querendo para si o monopólio da influência (interpretação), o que a leva a definir-se contra o outo e não com o outro. Deste modo não poderá haver um crescimento normal do indivíduo nem de grupo.

A ética republicana portuguesa baseia-se na defesa de interesses e de grupos e expressa-se na afirmação dos interesses corporativos. A ética de cariz cristão baseia-se na relação pessoal e parte da pessoa como soberana investida de competência interior, que lhe vem da dignidade de filha de Deus que tudo irmana e se expressa na consciência individual que é soberana. A ética de cariz republicano é de caracter mais funcional, vincula por motivações externas ou por interesses de grupos (obediência à lei, à confissão ou partido (6).

A lei tal como a ética de responsabilidade assumem um caracter exterior de interesses, sem vínculo pessoal interior e, como tal, negociável, independentemente do processo ser ou não corrupto. Também por isso muitos dos detentores do poder público se aproveitam da sua posição e conhecimento para beneficiar amigos e companheiros. (Li sobre a existência de estatutos maçónicos que defendem o perjuro até em tribunal desde que em defesa de um irmão; a mesma norma se encontra no Corão que solicita o crente a mentir desde que em proveito do Islão (Norma da etakia). No caso uma relação ética republicana exigiria a mera relação objectiva mas o interesse privatiza a norma ética que perde assim o seu caracter universal, refugiando-se numa moral de situação.

De tábuas com caruncho não se faz bom soalho. A lei, mesmo a constitucional, vem de fora, não é interior, por isso não vincula necessariamente a consciência humana, dado só o sujeito poder ser responsável; este não age por obediência mas em sintonia inter-relacional. Não são as leis que baseiam os costumes mas os costumes que baseiam as leis, numa dialética de experiência e teoria, de ética de responsabilidade e de ética de convicção. A moral de tez republicana também tem bons objectivos mas nunca pode ser universalizada, também por não reconhecer a soberania da consciência humana em relação ao Estado. Reduz o valor cívico à actividade legal intelectual identificando a cidadania adulta com uma intelectualidade de lógica materialista, deixando o cidadão no adro da confusão ou no arraial da anarquia (7).

Sem o empenho activo dos leigos católicos na política cria-se a impressão pública de que a razão está do lado dos activistas republicanos anticatólicos, numa sociedade com uma igreja fraca e para os fracos. Em Portugal, onde a maçonaria se tornou no sustentáculo da República, domina publicamente o espírito anticlerical jacobino e a má gerência do Estado, ao contrário da república Alemã onde os partidos de timbre cristão determinam o desenvolvimento da República.

Para complicar a situação portuguesa, também os intelectuais portugueses abdicaram da sua responsabilidade de intervenção pública cedendo, em grande parte, o palco da nação aos políticos interesseiros ou interessados numa ética ad hoc, pragmática e utilitarista, concebida em termos de períodos alternativos de legislaturas governativas.

A ética republicana anda de braço dado com as ideias revolucionárias marxistas e vê no trabalho o fundamento da condição de ser sujeito e o factor de sociabilidade na troca de serviços. É fraca uma sociedade ou ideologia que reduza a moralidade a relações de trabalho ou de mercadoria. O filósofo Karl Popper, defensor da sociedade aberta, desmascara o profetismo marxista como seu inimigo.

Para o cristianismo a pessoa é sujeito soberano e realiza-se em comunidade, reconhecendo o trabalho como um direito da pessoa humana e considerando o capital em função da pessoa e da comunidade (encíclicas sociais) enquanto o marxismo embora também dê relevância ao indivíduo em relação ao capital, acaba por diluir a sua personalidade na massa: o valor do cidadão vem da sua função em relação à construção da utópica ditadura do proletariado, perde-se no emaranhado dos interesses. Para o cristianismo, na economia, não é o produto humano que está em primeiro plano mas sim o processo da produção que deve expressar a relação humana entre sujeitos (8).

A ideologia dominante republicana tem sido imposta e conduzida por grupos de influência (neoburgueses entre eles os homens do avental – impondo-se, como rescrito de vida, o racionalismo e o materialismo). Substituiu-se a velha ideologia monárquica pela dominante burguesa (e novos ricos) agora expressa na opinião do politicamente correcto de expressão socialista e capitalista.

Uma ética de caracter universal não pode ser baseada numa utopia histórica (uma sociedade de iguais), com uma classe única, como quer o marxismo através de um proletariado pioneiro na conquista do poder político pela revolução.

Enfim andamos no e com o tempo; quem vai no comboio tem a sensação de que quem anda é a paisagem e não o comboio; não se torna consciente da própria realidade nem do seu contexto, projectando-a fora, nos outros; o analfabetismo mental de hoje não será menor que o da Idade Média.

Conclusão

Diria que a república portuguesa tem sido a ilusão de muitos em proveito de poucos, para parafrasear Ale Xander Pope que dizia: “O partido é a loucura de muitos em proveito de poucos”.

Uma filosofia universal não pode instalar-se em nenhuma casa política (Este foi o erro cometido pelos filósofos Sartre que apoiava o totalitarismo soviético e Heidegger que apoiou o nazismo): uma filosofia de tecto universal tem que ter lugar para todos e viver com todos, apostando na dignidade da pessoa humana e não numa matriz exterior (supraestrutura capitalista ou marxista). Uma ética universal integral tem um caracter católico a realizar-se num processo de aculturação e inculturação, e que embora de forma limitada e imperfeita, procura dar forma ao futuro.

Uma ética laicista equivoca-se ao querer construir um tecto universal sem metafísica no sentido de uma transformação socialista da sociedade. A sua visão de Homem é materialista-racionalista e como tal reduzida a um pequeno grupo social. O homem não pode ser reduzido a uma mera expressão de contexto histórico como quer o marxismo.

A III república, muito embora de cunho marxista, protege os seus melhores privilégios tal como fazia a classe social da sociedade burguesa, que Marx condenava.

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo (português e história)

Pegadas do Espírito no Tempo,

  • Entre o saber adquirido através do método indutivo e o saber resultante do método dedutivo e da consequente interpretação filosófica. A prova dos nove da moral é tirada sempre pela experiência (processo indutivo) virada para o concreto, para a ortopraxia; a ortodoxia é mais abstracta, mais geral e como tal de perspectivas universais. No dia-a-dia o que importa é a praxis, a orto-praxia como se realizava no protótipo JC.
  • A sociedade é formada por pessoas de diferentes caracteres, mentalidades e interesses. Há pessoas com uma matriz de caracter mais introvertido e outras de caracter mais extrovertido, mais espiritual ou mais material, mais orgânico ou mais mecanicista; umas de caracter mais racional e outras de caracter mais intuitivo e emocional (Em termos de folclore poderíamos dizer que umas se expressam melhor no flamengo e outras no fado). A diferentes caracteres, correspondem também diferentes maneiras de estar e a consequente a afirmação de diferentes necessidades e interesses (concorrência!) que se organizam e formulam na sociedade.
  • Neste contexto tenha-se presente o caso das PPPs e da crise dos Bancos; a corrupção é facto mas as castas que as cometem estão ilibadas, cf. file:///C:/Users/Antonio/AppData/Local/Microsoft/Windows/INetCache/Content.Outlook/RKW633O7/Eu_Politicos_Final.pdf . O Estado português subvenciona Ideologias no Seio dos seus Funcionários: https://antonio-justo.eu/?p=3448
  • Onde se encontram, no regime de Abril, os políticos, os banqueiros e outros beneficiados da república com vergonha? (Falo do regime de Abril porque estamos na III República e esta se anunciou com elevada reivindicação da qualidade moral; a corrupção vigente não é tema de Estado e faz lembrar a I República a que se seguiu o golpe de estado que levou à II). Quem sobressai na nossa sociedade? Com o 25 de abril, começou também a era da libertinagem. A palavra virtude passou a não ser moderna nem favorecedora dos progressistas, de modo que desapareceu do foro público; quase se torna impossível expressá-la e a paleta das virtudes foi resumida nas palavras tolerância, abertura e liberdade.
  • Portugal entre a Censura da PIDE e o Tráfico de Influências de ABRIL https://antonio-justo.eu/?p=3556 A ELITE DE ABRIL ATRAIÇOOU O IDEÁRIO UNIVERSAL PORTUGUÊS EM NOME DA LIBERDADE E DO PROGRESSO: https://antonio-justo.eu/?p=3544 HUMBERTO DELGADO UM DIPLOMATA QUE ESCREVIA “RREPÚBLICA” COM DOIS R: https://antonio-justo.eu/?p=3499
  • (6) Muitos filiados como não têm conhecimento de base em relação à filosofia do seu grémio, sem conhecimento programático, encostam-se à autoridade do seu líder: isto fomenta no grupo o espírito de oportunismo e de subserviência em relação ao clube que deste modo não se desenvolve – temos pessoas em vez de programas e estratégias; temos um comportamento social sem exigências porque sem fundamento ético).
  • Uma arrogância jacobina observável em certos republicanos deve-se à sua história de vitórias agressivas perante um catolicismo demasiado reservado ao âmbito individual, incompatível com a liderança de movimentos extremistas pró ou anti-republicanos (esta atitude tem a sua lógica por apostar no desenvolvimento da pessoa humana e não nos interesses de organizações (respeitando os âmbitos do empenho secular e do espiritual). Não seria legítimo usurpar o conhecimento e nele amarrar o pensamento, para perspectivar e objectivar a capacidade de pensar e melhor subjugar ou fazer dele instrumento de subjugação através da lógica dos grupos de influência. A inteligência humana não pode ser reduzida à lógica, nem uma ética, uma filosofia pode ser minorada a uma vontade política, a uma ideologia, nem ser condicionada a uma só capacidade humana (a razão). Um tal intento comporta a utilização da corrupção ou do suborno como métodos de auto- afirmação, dado ser selectiva e não inclusiva.
  • Por isso, na idade média a Igreja era contra o capital ganho sem o suor do próprio rosto e proibia o levantamento de juros por empréstimos, o que deu oportunidade aos judeus de suprirem o vácuo criado da necessidade de empréstimo de capital na passagem da sociedade da suserania medieval para a sociedade burguesa). O marxismo também não quer ver o indivíduo reduzido a mercadoria no mundo da produção capitalista mas reduz o valor do indivíduo à massa, como acontece na filosofia budista onde a pessoa não passa de uma gota que desaparece no oceano ou no islão onde o indivíduo só tem arbítrio de existência subjugado ao grupo (daí o problema dos direitos humanos em sociedades islâmicas). Tornam o capitalismo como responsável pelas diferenças sociais como se o ser humano a nível individual ou a nível social fosse reduzível ao homo economicus, ao homo faber.

ÉTICA ENTRE CONVICÇÃO E RESPONSABILIDADE – DO COMPROMISSO ÉTICO ENTRE IDEALISMO E REALISMO

Civilização ocidental em implosão e Civilização islâmica em explosão

Por António Justo

A chanceler alemã, na sua política de refugiados, é acusada de seguir uma ética de convicção (cristã) em prejuízo da ética de responsabilidade na qualidade de pessoa pública que deveria representar os interesses da sociedade alemã e da civilização ocidental.

Numa humanidade em desenvolvimento deparamo-nos, individual e socialmente, em confronto com duas forças e interesses complementares: o humano e o divino, o material e o espiritual, o individual e o político. Os evangelhos resolvem o dilema entre empenho subjectivo individual e empenho social, entre religião e política recomendando: «Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.» (Mateus 22:21). Daqui surge um certo conflito entre uma atitude baseada na consciência e uma atitude baseada nos interesses da polis.

A ética da responsabilidade é uma ética de grupo, aquela parte que corresponde ao ensinamento “a César o que é de César”- adequada à acção política, ao circunstancial e relativo, ao útil para a comunidade; a ética da convicção corresponde à segunda parte da frase “a Deus o que é de Deus”- é o reino dos absolutos, do útil para o desenvolvimento da alma humana.

A ética de responsabilidade “tem em conta a fraqueza”, não a preocupa a humanidade nem a perfeição, o que importa é o interesse do grupo, o útil numa perspectiva do circunstancial imediato. O motivo do agir não se fundamenta em nome da moral mas do interesse. As boas intenções de Merkel não justificam os problemas que criam porque embora humanas poem em perigo gerações futuras. Numa tal ética transportada para a polis, o crime e o fracasso tornar-se-iam desculpáveis. Assim uma atitude moral para Merkel pode tornar-se numa atitude imoral se prejudica os interesses do país e da civilização.

Não chega a boa intenção, como orientação moral, é preciso sabê-la situada na psicologia humana e na comunidade. O idealismo humanitário orientador da ética de convicção tem de ser aferido à realidade social que pressupõe uma atitude ética de responsabilidade que necessariamente condiciona o idealismo que possa estar por trás de uma moral de convicção. A confusão de ética de convicção com ética de responsabilidade é a causa de parte da moralitis do discurso político e social.

Ao contrário de Maquiavel que defendia que a missão da salvação da cidade era superior à da salvação da alma (fins justificam os meios), Max Weber procurou conciliar as duas posições distinguindo entre ética de convicção (na qualidade de sujeito – consciência individual orientada por valores absolutos e que obedece aos sentimentos sem ter em conta as consequências) e ética de responsabilidade (na qualidade de objecto de funções públicas avalia a decisão pelas consequências que provoca); Weber reconhece o dilema entre os determinantes consciência e interesses. Assim, o político encontra-se dividido entre uma ética livre pessoal de convicção e a ética de responsabilidade determinada pela ponderação no balance de interesses condicionantes; a decisão política a tomar impossibilita, muitas vezes, um juízo de valor pessoal, dado a política ser normalmente determinada por circunstâncias. Isto não deveria porém isentar a decisão política do reconhecimento de valores universais fundamentais como a defesa do valor da vida e da dignidade humana (inerentes à ética de consciência individual).

Ética contra a moral?

A política alemã na sequência de uma ética de convicção, que justifica a entrada descontrolada de refugiados de uma cultura rival e antagónica, pode ser contrariada pela moral de responsabilidade social que implica a defesa da própria identidade e cultura a longo prazo. Não chega a boa intenção, é necessário fazer uma boa balance das consequências sociais que tal atitude acarreta. Vários parceiros europeus, cientes da sua responsabilidade para com os seus cidadãos (ética de responsabilidade) obrigaram a Chanceler a arrepiar caminho. A realidade dos factos do fenómeno muçulmano, que se revela sem vontade e incapacidade de integração, põe em perigo os interesses de uma sociedade maioritária aberta (civilização ocidental) através de uma imigração descontrolada, de uma cultura hermética e encerrada em si mesma (civilização árabe caracterizada por não se integrar e só assimilar).

Uma sociedade aberta, como a europeia, para não ser posta em perigo por uma sociedade fechada terá de estar atenta às forças sociológicas de integração e assimilação para poder possibilitar nela um crescimento orgânico. Um crescimento orgânico pressupõe a abertura e a permeabilidade das duas partes. Realiza-se numa tensão saudável de uma dinâmica de complementaridade e inclusão da ética de convicção e de ética de responsabilidade: os dois polos da mesma realidade na polis.

Ética de afirmação dos interesses minoritários contra os maioritários?

Uma ética da responsabilidade  tem sempre em conta a defesa dos interesses das minorias numa sociedade coerente e consonante.

Dado, nas relações multiculturais e entre Estados, dominar uma ética de interesses, num processo de luta entre grupos orientados pelo princípio selectivo da afirmação do mais forte, não se pode aqui confundir uma ética pessoal de consciência moral relacional com a ética subjacente a grupos de interesses em que o determinante é a força do grupo ou do interesse e não o humanismo.

Uma atitude política movida apenas pela ética de convicção (consciência) ao pretender tornar-se critério de orientação para regular as interacções interculturais (politica) torna-se inadequada e infringe a ética de responsabilidade. O diálogo, a luta torna-se desigual porque confunde o objectivo (circunstancial) com o subjectivo (de caracter pessoal mas de valores universais), confunde o âmbito pessoal com o público. O palco em que se realiza é objectivo e como tal de relação de interesses já não entre sujeitos humanos mas entre objectos, de meros interesses de grupos (daqui surgiria a premissa da necessidade de uma negociação de interesses em termos bilaterais).

 Neste sentido, uma atitude baseada na consciência (que Ângela Merkel parece seguir) implementaria o grupo que segue a ética dos interesses e na realidade seria instrumentalizada (inconscientemente) para servir os interesses dos mais fortes (a lei da selva) neste caso os interesses minoritários à custa dos maioritários (de legitimação imprópria porque não aferida).

Dado a cultura islâmica ter em si um rescrito motivador da autoafirmação pela força e pela assimilação, sem o movimento de integração (não permite o processo orgânico de aculturação-inculturação só possibilitando o movimento unilateral assimilativo de auto afirmação na desconsideração do outro). Neste contexto, a sociedade ocidental tornar-se-ia fraca, a longo prazo, e vítima da própria ilusão humanitária e deixaria de ser um factor de promoção do humanismo no mundo. A sociedade ocidental encontra-se num momento muito problemático da história do seu desenvolvimento dado não estar consciente dos elementos constitutivos de identidade que lhe deram sustentabilidade e desenvolvimento; coloca-os à disposição em troca da afirmação económica que não pode, por sua vez, ser sustentável sem uma política de natalidade responsável e sem uma reflexão profunda do que lhe deu o ser, do que é, e do que pretende (precisa de orientação e sentido).

Sem a consciência da necessidade de afirmação dos factores de identidade, a Europa atraiçoa-se a si mesma ao pretender tapar o buraco demográfico abrindo incondicionalmente as portas à imigração islâmica que na prática se afirma, de uma maneira geral, contra a integração e beneficia também do factor da proliferação demográfica (Tenha-se em conta o exemplo europeu do Kosovo, Albânia, etc., que antigamente eram regiões de cultura heterogénea e transformadas, com o evoluir dos tempos, em monoculturas islâmicas; na Europa, as mulheres muçulmanas são motivadas a manterem os seus papéis patriarcais e a não se integrarem no mercado de trabalho, continuando, em grande parte, a exercer só a profissão de mães (abono de família na Alemanha 200 € por filho). Uma visão rápida sobre a história do desenvolvimento muçulmano testemunha o facto de as regiões onde este se implanta e se torna maioritário, com o tempo, essas regiões são transformadas em monoculturas islâmicas.

Onde falta a luz o caminho torna-se difícil e a meta impossível

Não apadrinho posições que defendem a enclaustração dos povos e culturas em si mesmas; é mais que claro que o desenvolvimento humano se deve à interligação e interacção orgânica entre indivíduos, espécies e culturas (factores osmose-integração-assimilação); o gueto pode tornar-se em cancro num corpo orgânico. O que está em via na Europa é porém um movimento de autodestruição da própria cultura (trauma do nazismo e do estalinismo fortalece o niilismo e as forças que fomentam a queda da civilização ocidental numa atitude mórbida de tanatofilia).

A civilização islâmica, ao seguir uma ética de interesses não orgânicos mas sistémicos e estratégicos está mais perto da lei natural da selecção e como tal mais preparada para ganhar a luta dentro de uma sociedade em processo de implosão.

A civilização ocidental não se encontra adaptada aos desafios do mundo de hoje e os princípios éticos que a engrandeceram deixaram de ser categorias políticas; segue apenas estratégias ditadas pela macroeconomia liberalista (subvenciona Estados para comprar as suas elites, com o dinheiro que volta a ela); a Europa encontra-se consequentemente em processo de implosão enquanto a civilização islâmica, centrada em si mesma, se encontra em processo de explosão. Nesta situação, uma e outra não podem assegurar garantias de futuro para a humanidade. A civilização islâmica definhará por julgar que a fronteira do mundo é a sua cultura (o desenvolvimento do mundo fruto da variedade e da diferença é reduzido à igualdade e monotonia do biótopo muçulmano) e a civilização ocidental deixará de ser ela por viver da ilusão que pode haver abertura sem limites num mundo que de facto é feito todo ele de biótopos culturais que para o serem têm de reconhecer as leis e forças que constituíram o seu habitat sem negar os princípios e forças da definição e identificação dos diferentes biótopos culturais no todo.

A cultura ocidental, que no passado foi o grande motor da história da humanidade, corre o perigo de atraiçoar definitivamente os ideais da sua filosofia de cunho cristão e com eles a sua identidade e a sua alma.

A Europa, ao seguir, a nível político e social o materialismo e o racionalismo niilista abdica de qualquer missão e de qualquer factor de esperança. Sem noção do sentido e sem uma meta teleológica não tem ideia do caminho a fazer e que só é possível à luz reflectida sob um tecto metafísico. Ao pôr-do-sol já falta a energia e o humor necessário e passa-se a procurar o agasalho no luar da noite!… Sem a construção de um solo comum não se pode andar em conjunto…

Deste modo a Europa, transformada em estrela em estado de implosão e que é ainda vista como modelo de desenvolvimento de outras sociedades, transforma-se em perigo também para estas, ao perder o que lhe dava a liderança espiritual. (Além disso, em política perdeu a visão global e em vez de colaborar com a Rússia na crise dos refugiados muçulmanos, fecha-se na sua arrogância e presunção colaborando só com a Turquia rival).

Encontra-se numa situação paradoxa: em política de imigração segue uma ética da convicção individual abrindo o flanco aos outros e pecando contra uma ética de interesses culturais próprios que se vêem reduzidos aos interesses económicos liberais e a uma liberdade abstracta já fora do contexto cultural. A irresponsabilidade política no que respeita à defesa dos interesses culturais do povo fomenta a agressão e a xenofobia no mesmo.

A civilização ocidental não pode, para defender os interesses dos países ricos, em nome da consciência que a fundamenta, pôr em causa os valores da própria identidade, para solucionar uma situação de interesses económicos em perigo por uma diminuta natalidade que se pretende compensada pela imigração de refugiados. O relativismo ético ocidental revela-se como o melhor instrumento de legitimação da política neoliberal e anti cultural em curso e, por outro lado, dá razão às forças hegemónicas que não toleram nada a seu lado (Neste contexto o relativismo cultural europeu serve as forças dogmáticas e hegemónicas que ameaçam a nossa sociedade). O relativismo contradiz-se a si mesmo porque, ao afirmar que tudo é relativo, transforma-se num absoluto. Sem verdade (ideal) não há ética sustentável porque então a matéria (materialismo) seria o único factor de validade.

Com o desenvolvimento de um liberalismo acervado, a ética da polis tenta emancipar-se da religião e, deste modo, do povo. A ética tende assim a abandonar o foro privado para ser reduzida a uma moral de interesses no campo económico (liberalismo) e político (democracia partidária) com a consequente atitude política alienada do povo subordinado à económica (capital); consequentemente, o produto do trabalho humano deixa de ter relação com o que o produz para se justificar em si mesmo no lucro tornando-se assim desumano e anti ético. O capital emancipou-se dos mecanismos de produção para se tornar senhor absoluto sem relacionamento; perdeu a alma e deste modo a capacidade de dar resposta. Em nome da economia e da tecnologia que paulatinamente substituem o Homem, o Ocidente vai-se tornando substituível e supérfluo.

O político cínico não se responsabiliza porque, ao arquivar a própria consciência em nome dos interesses do grupo que serve, não reconhece a culpa e deste modo não assume pessoalmente a responsabilidade; e isto porque baseia o seu juízo de valor apenas em termos de informações recebidas tomando assim decisões que considera objectivas e como tal intangíveis a nível de ética pessoal; o que lhe interessa é apenas a análise dos factos no momento e o acto de decisão não pode ser avaliado porque fruto da circunstância furtuita e coberta pelo povo anónimo. Num tal pragmatismo, onde o idealismo não tem lugar, a culpa, o arrependimento e o perdão são considerados fraquezas (veja-se a situação do Estado em Portugal!). Uma tal ética cultural tem os dias contados e só lhe resta abdicar.

Política do Postfacto

A Chanceler alemã responde aos ataques que a acusam de não considerar suficientemente a ética política (ética de responsabilidade baseada em interesses) dizendo: “Vivemos em tempos do post facto. As pessoas já não se interessam pelos factos mas seguem apenas os sentimentos”.

A questão é ambivalente: precisamos de uma política de atitude ética que responda não só aos factos mas também aos sentimentos. De facto os sentimentos também são reais e os factos podem ter um fundamento irracional. Para isso precisamos de Homens retos e com coluna dorsal, precisamos de pessoas dispostas a repensar a sociedade em termos do que dizia Paulo aos Gálatas: “Não há judeu nem grego, escravo ou livre, homem ou mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”. E o JC encontra-se mais ou menos escondido em cada pessoa humana.

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo (História e Português)

Pegadas do Espírito no Tempo