De crianças binacionais a crianças biculturais / inter-culturais
António Justo
Muitas vezes, as crianças filhas de imigrantes são intituladas e definidas na subcategoria de “Estrangeiros”. São, assim, colocadas numa situação discriminatória e coerciva entre os outros, a maioria.
Esta situação pode fomentar sintomas de fobia e irregularidades na vivência do dia a dia. Na minha actividade profissional com crianças bilingues conheço casos de recusa e até de mutismo. Referir-me-ei mais a casos relativos ao Português e Alemão, dado ser este o meu campo de acção (professor de crianças bilingues de origem portuguesa, brasileira ou angolana).
A heterogeneidade demográfica da Alemanha, onde aproximadamente 9% da população é estrangeira, deve ser tida mais em conta no processo educativo.
É muito importante a criação de espaços, de lugares naturais da língua portuguesa.
Casamentos mistos
A frequência do Ensino do Português é essencial para o alargamento e complementação cultural especialmente para filhos de casamentos mistos. Os dois pólos culturais deverão ser apreendidos pela criança numa atmosfera do respeito da relação bicultural entre os parceiros. As duas culturas devem tornar-se nas duas traves mestras, nas duas colunas que suportam o projecto educativo bicultural. Uma cultura tem características específicas (valores) que a outra não tem.
Se uma cultura não for bem tratada e bem considerada, a criança poderá mancar pela vida fora e envergonhar-se duma parte do seu ser de cidadã. Por isso se encontram cientistas que problematizam a biculturalidade como um conflito a acrescentar no desenvolvimento da criança. Estes defendem que a criança deve ser iniciada apenas numa língua materna base para poder adquirir um desenvolvimento máximo da sua personalidade e das suas capacidades linguísticas e cognitivas. Estes adversários afirmam que a aprendizagem de duas línguas constitui uma exigência demasiada para a criança e conduz a um atraso no desenvolvimento de cada uma das línguas. Na realidade o desenvolvimento da língua é individualmente muito variável. Facto é que os bilingues se movimentam dentro do âmbito da norma. Esta visão está já ultrapassada e refutada por uma investigação mais séria, a não ser que as duas línguas faladas em casa o sejam sem nível nem estrutura.
Na literatura sobre bilinguismo domina a opinião de que a aprendizagem simultânea de duas línguas não prejudica a aprendizagem nem a socialização da criança, pelo contrário. As pesquisas mostram que há vários ritmos de aprendizagem dependendo eles de criança para criança, independentemente do bilingue ou monolingue. As deficiências linguísticas inerentes à aprendizagem recuperam-se no ensino Básico.
Experiência e Estratégias
Em casa a minha esposa fala sempre alemão com os filhos e eu falo português… Assim a criança já se orienta automaticamente: uma pessoa uma língua. Até à entrada no jardim-de-infância a criança responde automaticamente em português ao pai e em alemão à mãe.
A partir da entrada da criança para o Jardim-de-infância são necessárias estratégias especiais para que a fala não sofra porque a língua dominante tende a excluir a outra. Neste caso pode recorrer-se à funcionalidade, escolhendo a frequência de determinados meios onde ela se fale e estratégias específicas em casa. No caso de pais estrangeiros, seria normal que, em casa, se falasse a própria língua ou planear encontros regulares gratificantes onde se fale a língua paterna. É relevante falar-se uma língua com bom nível e com vocabulário rico. O nível do ambiente frequentado também é relevante para a consciência da importância da língua.
O areal cerebral da língua materna e paterna
É importantíssimo que a criança oiça e fale as duas línguas até aos três anos porque até aí o cérebro elabora um espaço específico onde localiza a língua materna, possibilitando uma diferenciação e a não interferência das línguas. Este sector cerebral da(s) língua(s) materna(s) começa-se a fechar a partir dos três anos.
A Kernspintomographie funcional mostra que a partir dos três anos já entram outras partes do cérebro para gravar e gerar língua. A confrontação das crianças com as duas línguas constitui um treino fisiológico do cérebro: capacidade da identificação da diferenciada fonética, etc. No primeiro ano de vida o bebé é muito sensível à melodia e muito receptivo à variedade de sons registando-os na malha cerebral onde os sons se registam. A dificuldade que muitas pessoas têm na exactidão da fonética deve-se a ter ouvido esses sons mais tarde.
Também é possível a aprendizagem duma terceira língua, importante é que o falante seja original que fale língua materna, ou a língua do coração.
As crianças bilingues são mais inteligentes
O problema da opção por uma língua materna, como ponto de partida desvantajoso para a aprendizagem, carece de base científica atendendo a que há muitos outros factores que fogem às investigações científicas ou melhor, que não são integrados nelas. Muitas crianças crescem em meios deficitários a nível de língua e cultura: emigração muitas vezes falando dialecto…Isto condiciona o resultado das investigações.
Em comparação com monolingues, os bilingues chegam a apresentar maior nível de competência social e emocional-cognitiva. As capacidades empáticas e a abertura ao novo tornam-se normalidade.
A actividade cerebral da criança bilingue foi já cedo confrontada com processos mais complexos na sua aprendizagem.
A aprendizagem das duas línguas traz muitas vantagens. Até aos três anos de idade o cérebro da criança é como uma esponja, muitíssimo receptivo. A aprendizagem da língua transmite não só informações, mas sentimentos, cultura e outros conteúdos não verbais. Importante é que quem fala a língua não fale uma língua estrangeira mas uma língua do coração.
A ciência regista uma relação positiva entre inteligência e bilinguismo. Bilingues misturam por vezes os idiomas mas logo que se encontram num ambiente monolingue já não misturam. Eu mesmo pude observar esse fenómeno na escola. Problemática é a situação daquelas crianças que crescem num meio onde se fala uma mistura espontânea de duas línguas. As crianças correm então o perigo de semilinguismo, não falando nenhuma língua bem, passando a interferência linguística a ser regra durante bastante tempo.
Investigadores provaram que bilingues aprendem mais facilmente o inglês. Na parte cerebral que elabora a língua também se encontra o areal cerebral para a memória do trabalho e o areal para a solução de problemas. Com o treino das línguas estes areais também são treinados. Uma outra vantagem, segundo investigações científicas, é o facto de bilingues reagirem em menos tempo. É muito importante que as crianças aprendam as línguas brincando e com afectividade positiva.
Necessita-se por isso da criação de espaços protegidos para a criança onde esta possa experimentar a mais valia da sua situação. Não se trata de aprendermos a ser portugueses, brasileiros ou alemães, mas de aprendermos a tornar-nos seres humanos abertos.
A criança e as suas culturas precisam de ser defendidas e positivamente apreciadas pelo ambiente, pormenor a que os educadores deverão prestar atenção especial.
É também relevante a posição dos pais no que respeita às vantagens ou desvantagens da educação bicultural. Se um parceiro é do parecer que a aprendizagem de duas línguas é prejudicial à criança, esse facto torna-se por ele mesmo um factor negativo da aprendizagem.
O processo educativo é um processo de integração da criança a vários níveis e perspectivas.
Na Alemanha, uma grande percentagem das crianças estrangeiras, depois do 9° e 10° ano, não se encontram preparadas para ingressar numa formação profissional, segundo os resultados PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos). Principalmente as crianças turcas que vivem em Gueto são as vítimas da vida familiar, cultural e política vivendo num isolamento, em grande parte querido, o que fomenta a existência de sociedades paralelas. O fanatismo religioso e nacionalista cria muita criança vítima e deadaptada.
Com os portugueses observa-se o fenómeno contrário. Assimilam-se sem deixar rasto, o que também não é bom.
O Português embora consciente de si tem uma tendência a considerar o que é estrangeiro melhor que o nacional. Isto tem a ver com a experiência inter-cultural e com a tradição migratória de povo sempre obrigado a emigrar. Nesse sentido seria interessante fazer-se um estudo relativamente a maneiras de dizer portuguesas que manifestam um certo antagonismo entre admiração e menosprezo pelo nacional, e uma consciência internacional, como se pode ver em: “Ver-se grego”, “isto é chinês”, “trabalhar como um mouro”, “isso é uma americanice”, “é como o espanhol” mexe no que não deve, “é para inglês ver”, “vive à grande e à francesa”, no regatear “é pior que os marroquinos”…E se a coisa corre mal, então “é à portuguesa”.
Na Alemanha observa-se contudo grande interesse pela frequência da língua materna portuguesa, ao contrário do que acontece na França. As próprias crianças portuguesas comentam a triste figura que as crianças filhas de portugueses residentes na França fazem nas férias em Portugal não podendo comunicar na língua de seus pais.
Na observação da minha actividade com os meus alunos posso dizer que aqueles em cujo meio os pais falam o alemão em casa ou uma mistura espontânea sem método, esses alunos têm muita dificuldade em aprender o português e exprimem-se como se tratasse duma língua estrangeira. Alguns têm dificuldades também na disciplina de alemão.
Observei uma constante. Geralmente os pais falam consequentemente o português em casa enquanto que muitas mães, a partir do momento em que o filho entra no jardim infantil ou na escola procuram falar alemão com os filhos ou mistura. Talvez na tentativa de aperfeiçoarem o seu alemão ou até de serem corrigidas. Isto é muito problemático. É natural que a criança que entra na escola ofereça resistência e queira falar o alemão em casa porque não nota a sua relevância no meio em que vive.
Há crianças que se negam a falar a língua materna, até ao mutismo. Se a criança recusa falar o português não a devemos forçar. Pai e mãe deveriam falar com ela só português.
A sociedade deveria fomentar os recursos que os bilingues trazem.
A existência de associações portuguesas como pontos de referência, onde se proporcione o encontro de crianças e jovens portugueses é uma riqueza a promover. Também a promoção de associações bilingues e grupos pré-escolares onde se promova o intercâmbio intercultural. A precariedade financeira de iniciativas e projectos deveria ser compensada também pelo estado português e pelos departamentos de cultura, conselhos de estrangeiros, etc. Neste sentido deveriam os ministérios elaborar um projecto de política cooperativa com as associações, também no sentido do ensino de português.
A melhor altura para a aprendizagem automática da língua e cultura é o período de vida que vai até ao sexto ano de escolaridade. Deve para isso criar-se espaços onde se aprenda a língua portuguesa por imersão.
Problema de motivação da criança. Neste caso os grupos conscientes consumidores de cultura deveriam iniciar esforços no sentido de criarem espaços da língua portuguesa integrados por participantes dos países de língua portuguesa. Importante porém é a possibilitação da criança se tornar ela mesma. O incentivo terá que ter em conta a vontade da criança. Se o ambiente é natural não haverá problemas.
Em Berlim e em Frankfurt Munique há iniciativas (associações de brasileiros, portugueses e alemães) no sentido de fomentarem uma educação bilingue a nível pré-escolar. Entre mães mais novas e conscientes – nas zonas onde lecciono – observo que estas criam iniciativas onde se joga, canta e dança à portuguesa. Isto é muito importante…
Resumido
Uma educação adaptada às crianças em situação bicultural terá que ter em conta uma preocupação especial dos progenitores já antes do nascimento da crianca.
Assim, no caso de casamentos mistos:
Pai e mãe devem falar, desde o primeiro momento, os dois idiomas segundo o princípio: “Uma pessoa – uma língua”.
É importante não obrigar a criança a falar mas recorrer a processos indirectos de a interessar, não desistindo de falar a língua mesmo que a criança se negue a usá-la.
Importantíssimo o aspecto emocional dos representantes das línguas no seu dia a dia entre si e com a criança.
A língua falada, diferente da língua ambiental geral deve ter espaços próprios onde a língua falada seja também experimentada em ambiente de maioria com as características culturais próprias com o jogo, danças, músicas, futebol, filmes, e outras referências culturais.
O prestígio da língua, da cultura é determinante para o processo da sua aprendizagem. Aqui tornam-se muito importantes os testemunhos da mesma: o papel dos pais e dos educadores. O carácter e relação dos multiplicadores ir-se-á projectar na maneira como a criança valorizará ou desvalorizará inconscientemente a determinada língua ou cultura. Uma criança que só visite pessoas e situações carentes não poderá receber nem boa impressão da sua cultura nem motivação para a seguir.
A reacção apropriada à renúncia duma criança por um determinado idioma deve ser uma atitude compreensiva e uma maior dedicação afectiva à criança.
Mesmo no caso de divórcio a criança não deve ser privada dos seus vínculos culturais e afectivos.
A oferta de duas línguas à criança desde o princípio são factores muito positivos parta o desenvolvimento psicológico e escolar como têm provado as investigações científicas dos últimos anos.
Deve evitar-se um falar mistura das duas línguas. Isto conduz ao semilinguismo.
©António da Cunha Duarte Justo
“Pegadas do Tempo”
BILINGUISMO
A título de curiosidade apresento o que consta publicamente:
O cariz internacionalista do povo português é inegável.
Senão vejamos:
– Quando um português tem um grande problema pela frente costuma dizer que…se vê grego;
– Se uma coisa é extremamente difícil de compreender, ele afirma que… isso é chinês;
– Quem trabalha de manhã à noite…é um mouro de trabalho;
– Uma invenção moderna e mais ou menos inútil…é uma americanice;
– Quem mexe em alguma coisa que não queira que mexa…é como o espanhol;
– Quem vive com luxo e ostentação…vive à grande e à francesa;
– Se se faz algo para causar boa impressão aos outros…é só para inglês
ver;
– Se tentas “regatear” o preço de alguma coisa…és pior que os marroquinos;
Mas quando alguém faz m*r* d* ou alguma coisa corre mal… diz-se que é à portuguesa!
Vale a pena continuar a reflectir sobre:
• Definição de crianças Bilingues
• Processos especiais de ensino
• Vantagens das crianças Bilingues
• Desvantagens dos Bilingues
• Educação da criança bilingue
• Que língua devem falar os pais com a criança
• Processos de inserção social destas crianças
• Sucesso e de insucesso escolar destas crianças
Olá, me chamo Isabela e estou fazendo uma pesquisa sobre o bilinguismo precoce e gostaria de saber quais as suas visões sobre o assunto. Obrigada.
Prezada Isabela,
Neste blog tenho algu8ns artigos sobre o assunto. Quanto ao assunto do bilinguismo precoce, tal como j´´a refiro nalgum artigo, deve ser praticado o mais cedo poss´´ivel. Isto duma maneira geral.
Um abraço e obrigado pela visita.
Antonio Justo
Olá Antonio!
Sou estudante de Letras com habilitação em Língua Inglesa e estou fazendo minha monografia sobre Bilinguismo Infantil. Gostaria de saber se você teria alguns autores ou obras sobre o assunto para me passar como referência.
Desde já, agradeço.
Parabéns pelo blog!
Ediméria
indo para as desvantagens de um monolingue ele nao tem como se expressar no meio ondesta um bilinguismo por mais de saber as dois idiomas.
Monolingue nao se expressa perante um bilinguismo
Entre outros artigos: http://antonio-justo.blogspot.com/2008/06/