“Quem semeia ventos colhe tempestades”, diz o velho ditado português.
O declarado objectivo americano de o julgar, condenar e depois instaurar a paz falhou. Após o seu enforcamento não voltará a paz. Os interesses económicos e as lutas entre as confissões muçulmanas não o permitirão.
Embora S. Hussein tenha na sua consciência mais de 600.000 mortos na guerra contra o Irão e muitas atrocidades contra o próprio povo (massacre aos curdos, etc.) não é justificável a sua condenação à morte.
Condenar à morte, seja a nível individual, familiar ou estatal implica uma atitude de usurpação do poder. Ninguém se deveria arrogar o direito de se declarar senhor da vida. Quem o faz marginaliza o Criador. A dignidade humana deveria ser reconhecida por aqueles que se julgam do lado da justiça. Há um elemento comum entre o réu e o juiz: ambos se tornaram cúmplices quanto à humanidade!
Os Sunitas no Iraque e outros simpatizantes de Sadam Hussein insurgem-se não reconhecendo competência ao “tribunal especial” que o condenou. Acusam-no de parcialidade, de ser um tribunal de vencedores.
Naturalmente que Hussein merece a pena máxima, só que esta não pode ser a morte. Não é moral condenar alguém à morte, seja onde for. A sua execução provocará, além do mais, muitas outras mortes e uma crise no governo do Iraque.
Vae victis! Ai dos vencidos!
Os vencedores têm sempre razão! A sua justiça é cega. Esta é uma constante ao longo da história. Duas perspectivas frágeis mas irreparáveis. Homo homini lúpus!
A vitória não mete na sua conta as próprias barbaridades. Só um exemplo: os bombardeadores e cúmplices de Hiroshima e de Nagasaki não foram julgados.
António Justo
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Bilinguismo
Educação em duas culturas – Uma decisão a tomar o mais cedo possível!
O aumento das famílias biculturais luso-alemãs e dos casamentos mistos entre brasileiros, angolanos, moçambicanos, etc., e alemães (e outras etnias) tornam o tema do bilinguismo um assunto obrigatório a tratar em todas as associações. O mesmo se diga para professores e formadores que se ocupam com estrangeiros e para organismos de estado ao serviço dos portugueses no estrangeiro.
Neste sentido, os brasileiros dão-nos o exemplo ocupando-se deste assunto desde há vários anos. Também eu, ciente deste problema, tenho-lhe dado muita atenção desde 1980, procurando fomentar interesse por ele no meio português e pondo-me à disposição para fazer palestras sobre o assunto. Os portugueses, duma maneira geral, vivem o dia a dia não lhes restando tempo para a reflexão.
Já neste blog, num dos textos em arquivo, fiz um artigo sobre o assunto.
Numa conferência que fiz em Dusseldorf verifiquei muito interesse pelo tema.
Parabéns à Sociedade Brasil-Alemanha e em especial à Dra. Stella-Maris Preisach, à Doutora Andrea Dahme-Zachos e ao senhor Irrgang pela perfeita organização da conferência sobre bilinguismo na Volkshochschule de Dusseldorf.
Junto o convite tal como o fez a Sociedade Brasil – Alemanha e a Volkshochschule para servir de exemplo a outras organizações que tenham interesse em organizar iniciativas do género. Como texto conclusivo apresento o resumo em alemão dos pontos tratados por mim na conferência.
Conferência sobre Bilinguismo
“Esta conferência sobre bilingualidade terá em conta a discussão científica. Outros aspectos a focar serão: a relevância da bilingualidade em relação à sociedade intercultural; o fenómeno das famílias bilingues e duma nova consciência de pertença, isto é, duma nova identidade com as suas vantagens e desvantagens; questões a pôr antes da tomada de decisão pela praxis bilingue; sua aplicação pedagógica na família, na educação bilingue, no ensino bilingue e no ensino da língua de origem (apresentação dum exemplo de experiência própria duma família luso-alemã).
Bilingualidade e aprendizagem intercultural podem fazer parte integrante da formação duma identidade individual na consciência do ser humano global.”
Sehr geehrte Damen und Herren, liebe Freunde!
Hiermit möchten wir an den Vortrag über “Bilingualität” am kommenden Samstag erinnern:
Bilingualität – eine Herausforderung an Gesellschaft und Familie
Wie kann bilinguale Erziehung in der Praxis umgesetzt werden? In der Familie, in der Erziehung, im Unterricht? Was sollte im Vorfeld der Entscheidung beachtet werden? Inwiefern hängen Identität, Herkunftsbewußtsein und Aufwachsen in einer bilingualen Familie zusammen? Welchen Beitrag liefert bilinguale Erziehung in Bezug auf das Zusammenleben in einer interkulturellen Gesellschaft?
Diese und andere Fragen wird António da Cunha Duarte Justo (Dipl.-Theologe und Pädagoge) in seinem Vortrag behandeln. Er reichert seinen wissenschaftlich fundierten Vortrag mit Beispielen aus der eigenen Familie und pädagogischen Praxis als Lehrer im muttersprachlichen Unterricht an.
Der Vortrag wird auf deutsch gehalten. Da Herr Justo Portugiese ist, können Nachfragen und Diskussionsbeiträge sowohl auf deutsch als auch auf portugiesisch erfolgen.
4. November, 17.00 Uhr – 19.00 Uhr
Düsseldorf, “DIE BRÜCKE”, Kasernenstr. 6, Vortragssaal (Raum 312, 3. OG), 3€ Eintritt
Resumo em alemão:
Bilingualität
Stichwörter des Vortrages
Gehalten in der Deutsch – Brasilianischen Gesellschaft am 4.11.06 in Dusseldorf durch António Justo
Einleitung: „Meine Heimat ist meine Sprache“, Fernando Pessoa
Autobiographisches: Zuhause und im muttersprachlichen Unterricht / aperspektivisches Weltbild
Motivation: EU und die Globalisierung / Brasilien – Geschwisterländer / Neues Bewusstsein
Die Bilingualität in der Wissenschaft: keine anerkannte Erstspracherwerbstheorie:
simultaner Bilingualismus und sukzessiver Bilingualismus. Faktoren des Spracherwerbs: Sprachvermögen, Zugang, Antrieb
Leernen durch Nachahmung / Konditionierung
Mehrsprachigkeit als Problemursache: Unvollständiges Erlernen, Überforderung und psychische Folgen. Forschung widerlegt das.
Der Alltag der Sprache: bewusst / spontan
Wann ist jemand bilingual? 1. zwei Sprachen etwa gleich stark oder 2. eine starke und eine schwache Sprache
Rolle der Familie: Sprache wird als Kommunikationsmittel erlebt und nicht als Lerninhalt / Wertschätzung beider Partner
Spracherziehungsmethode beim Bilingualitätserwerb: Funktionale Sprachtrennung: das Prinzip „eine Sprache – eine Person“
Familiensprache – Umgebungssprache: Familiensprache zu Hause und Umgebungssprache draußen
In einer Fremdsprache erziehen? Die zu vermittelnde Sprache soll Herzenssprache sein
Strategien: bei Trennung und längerer Abwesenheit eines Partners
Schwierige Situationen: Wo Dritte anwesend sind
Entwicklung beim Spracherwerb -Lernprozess des Kindes: Lerntypen: Der Analytische und der Ganzheitliche
Einbeziehung von Fachleuten: Kinderärzte und Ohrenärzte und Logopäden / innen
Wie sprechen wir mit den Babys? : Mimik und Sprachmelodie
Ermutigung für die Sprache: Beziehung und der Sprachumgang
Lesen und Schreiben: verzögerte Alphabetisierung
Wie lernt das Kind gut Deutsch? : Wenn kein Deutsch zu Hause gesprochen wird: Spielkameraden, Kinderkrippe, Tagesmütter
Starke und schwache Sprache: „Produktive Mehrsprachige“ und „rezeptive Mehrsprachige“
Die Verweigerung des Sprechens: Kompetenz und Performanz, Konformismus
Sprachmischungen: in einer einsprachigen Gesellschaft als Fehler, als Reparatur
Interferenz: Strukturmuster der anderen Sprache um Lücken zu füllen
Bilanz: Hauptmerkmale: die ethnische Identität und das Sprachprestige, Die Idealistisch-romantisch Sprachauffassung, und Die rationalistische Sprachauffassung. Ab 1960 wurde gezeigt, dass Zweisprachige intelligenter sind als Einsprachige
Kindergarten: Modelle von Kindergärten
Unterricht – Wo und Wann? – Fremdsprachenunterricht und muttersprachlicher Unterricht.
Schulformen besonders geeignet für Bilinguale: 1. Internationale Schulen (International School); 2. Europäische Schulen; 3. Europaschulen und Schulversuche an staatl. Schulen
Fazit: das latente sprachliche Potential spielerisch zu fördern, Ausgangssituation und eine emanzipatorische Erfahrung, aperspektivisches Weltbild
António Justo
Natal – A simbologia dum outro humanismo
Um humanismo para lá do religioso e do político
As representações mais antigas do nascimento de Jesus apresentam-no numa gruta, numa caverna. Os povos da Palestina costumavam usar as grutas para guarida dos animais. Maria deu à luz o filho numa gruta colocando-o na manjedoura dos animais, refere Lucas (2, 7). A tradição de representar o nascimento num curral começou só mais tarde, na época de Francisco de Assis, altura em que o pensar naturalista se estendeu à iconografia (1). A igreja oriental permaneceu com o motivo da gruta, da caverna. Este está recheado de sentido simbólico. A realidade divina com o natal torna-se história humana e vice-versa.
A gruta, ou caverna quer lembrar a racha ou fenda da terra que recorda também o seio feminino. O nascimento de Jesus na gruta simboliza a união do Céu com a terra sendo esta por aquele fecundada. A gruta é o lugar do acontecimento sagrado onde se realiza a fecundação da terra pelo céu.
Com o nascimento de Jesus na gruta foi quebrada a dura crusta do mundo e assim se torna livre o caminho para Deus e se abre o caminho do ser humano para si mesmo. Da caverna sai a luz. No seu desenvolvimento, o ser humano terá que entrar na gruta (na caverna) do coração; também ele terá de transpor a crusta do seu corpo para penetrar no seu coração onde se encontra o gene divino. Na caverna do coração repousa a luz, o gene divino à espera de poder perpassar o caos. O lugar de “refúgio”, a gruta é o lugar do encontro, do renascimento, da regeneração.
Os arquétipos Jesus, Gruta, Maria e a comunidade que nasce da gruta tornam-se visíveis evidenciando-se a sua realidade simbólica no acontecimento da incarnação (Natal). O símbolo, mais que um sinal duma realidade, é a manifestação da verdadeira realidade na esfera espacio – temporal. É a realidade total (divina) que se presencializa. Ao lado de Jesus encontram-se também o burro e a vaca, símbolos das forças da luz e das trevas. Os dois bafejam-no e num acto de submissão entregam-lhe essas forças.
No Natal vive-se o tempo do coração, a gruta onde se encontra a sabedoria à espera de ser abordada e concretizada. Também a mística do coração de Jesus tem a ver com a gruta nas imagens arquétipo.
Quem quer renascer terá de entrar na gruta, no coração da terra, no coração do ser humano, em si mesmo. A regeneração dá-se no coração de Cristo, no próprio coração, que é a gruta do nascimento do verdadeiro Homem e da Comunidade. Na gruta, no coração se encontrará o pai do ser. Aí se gera o novo ser donde nascerá uma consciência nova integral. Nos albergues não há lugar para o renascimento atendendo a que o novo não pode surgir sob a influência do velho. O novo homem terá que nascer longe da esfera das forças dominantes.
Na simbologia natalícia sobressai também a virgindade, a imagem duma mulher que se encontra em relação com Deus sem intervenção do homem nem de instituição humana. Aqui surge uma nova criação da humanidade que se expressa em Jesus Cristo, o ser soberano, o novo Homem, nós. Em mim se gera a realidade humano-divina Jesus Cristo.
Com a incarnação passa-se a uma correlação humano – divina; a matéria possui o gene divino. Com a nova Eva o ser humano não se define apenas pelo parentesco, não se explica pelo acto sexual, nem tão-pouco por um acto evolutivo mas pela relação directa com Deus. A simbologia cria uma ligação com a realidade da vida do homem e de toda a natureza. Ela abre um novo mundo em que é possível a existência do homem livre e libertador, salvador. O homem é libertado das suas relações ambientais, do ter, da família e das autoridades. Surge uma nova consciência humana, para lá das morais. Na sua saudade vital ele participa da redenção e continua-a; realiza o que em Cristo se pode ver já na antecipação, no processo histórico do desenvolvimento.
Na incarnação a esfera divina interpenetra-se com a esfera humana, com Maria, a mãe terra, sem intervenção natural. Na realidade natalícia o céu e a terra manifestam-se assim numa relação bipolar, sem antagonismos. (O antagonismo e a dialéctica pertencem ao mundo da realidade superficialmente perceptível, à fenomenologia). Com a incarnação a divindade materializa-se em Jesus e espiritualiza-se pela ressurreição no Cristo, unificando-se em Jesus Cristo o protótipo da realidade, o protótipo do ser humano, da relação bipolar humano – divina. Neste processo a abertura é o pressuposto do acto criador e da maternidade. A maternidade torna-se também ela o processo gerador contínuo da nova realidade, uma relação bipolar mãe – filho, matéria – espírito.
Há uma correlação entre o nascimento na gruta e o parto virginal. A terra e a mãe dão à luz… Com o Natal irrompe no tempo a criatividade e a inspiração.
Somos terra, terra a tornar-nos mãe. Neste processo acontece natal… dá-se à luz: para isso não é preciso ser-se religioso nem ateu, é-se Homem.
Não se trata aqui de cair num espiritualismo ingénuo dado que a componente terra está bem presente na simbologia da cruz. O lugar do ser humano não é o da fantasia mas o da história com as suas realidades. Este pressupõe porém uma nova consciência, um novo modo de pensar, sentir e agir. Tudo em correlação dum diálogo recíproco do mundo da experiência humana. Esta é a mensagem a ser compreendida por religião, política, economia e sociedade. Doutro modo continuaremos a viver e a agir na pré-história do espírito – matéria.
A realidade do Natal com a sua simbologia vem dar luz sobre as ambivalências da vida e abrir-lhes novas perspectivas a nível social, religioso, político e pessoal. Trata-se portanto de, nos nossos actos paternais, maternais, filiais (fraternais, maritais e humanos), concretizarmos o humano – divino, de presencializarmos o Natal (a incarnação).
António da Cunha Duarte Justo
In “ Pegadas do Tempo”
(1) Desejo notar aqui, para aqueles que sigam mais o pensar linear, o pensar lógico, que há várias maneiras de abordar a realidade e que o pensar lógico é diferente do pensar simbólico, por imagens. De facto há uma correlação entra a verdade mítica e a verdade histórica. A histórica é apenas a leitura perspectivista espacio-temporal da realidade enquanto que a simbólica mítica é aperspectivista, integral, englobando também a primeira, sendo pluridimensional. A realidade mítica inclui também a realidade natural e histórica. Trata-se duma interpretação integral coração – razão e não apenas duma interpretação lógica, mental. Coração e razão unem-se na tentativa de percepção da Realidade.
A Turquia e a União Europeia – Um beco sem saída!
A Turquia aposta no jogo do gato e do rato com a União Europeia. Neste jogo os papéis revezam-se.
Ontem, o Relatório da Comissão sobre a Turquia não podia ser positivo apesar da benevolência europeia em aceitar não querer ver tudo. A lista dos reparos é grande: Cípre, opressão dos cristãos, não reconhecimento de direitos a minorias, falta de liberdade de opinião, o parágrafo 301 do direito penal turco que proíbe a ofensa da alma turca (Povo – Estado), infracções contra os direitos humanos, os militares, etc. Economicamente a Turquia tem-se disciplinado contando-se com um crescimento económico de 6% neste e no próximo ano.
A Turquia não quer cumprir as exigências colocadas pela Europa. Bruxelas sabe que ela não cumprirá e apesar disso dá continuação à encenação ritual recorrendo a esforços diplomáticos que mais não são que sinais da própria fraqueza, desacreditando-se. A Turquia quer apenas tirar as castanhas do borralho e por isso não implementa as reformas exigidas pela UE.
O alargamento da UE à Turquia é tão questionável como as conversações. A UE tem demasiados problemas em mão. Não pode, de momento, receber mais candidatos. A consequência lógica seria a congelação do início das conversações. Hoje já nem sequer os antigos defensores da entrada da Turquia na UE ousam publicamente tomar partido em sua defesa.
Seria prematuro alargar as fronteiras da UE até ao Iraque e ao Irão. Além disso a UE também se encontra emperrada devido à questão da Constituição. Nem o candidato está maduro para entrar nem a UE está preparada para o receber. O preço a pagar pela Europa seria demasiado caro. A pressa na integração da Turquia na Europa apenas por razões estratégicas não é sustentável. Estas, somadas aos interesses económicos de algumas das potências europeias não compensariam os problemas políticos – sociais que daí adviriam podendo uma integração apressada dar azo a um cavalo troiano no seu meio. Por outro lado, os interesses das grandes nações Europeias na Turquia afirmar-se-iam à custa dos países pequenos. O nacionalismo crescente na EU receberia com isso um grande impulso. Na UE já há demasiados conflitos não se podendo passar à ordem do dia sem os resolver primeiro. Um deles é o conflito Polaco – Alemão.
De facto, a entrada da Turquia na UE significaria uma deslocação da importância política para leste, o que não deveria estar nos interesses das tradicionais potências europeias.
A cimeira da UE só conseguirá resultados que a prejudicam.
A Turquia tem interesses muito próprios a defender. Descaradamente não reconhece os direitos da UE encerrando os seus portos aos barcos do Cípre europeu. A Turquia quer é indirectamente ver reconhecida, de facto, a sua invasão do norte da ilha do Cípre, que se deu contra o direito internacional.
A Turquia quer continuar a discriminar os cristãos, a impedir a liberdade de opinião, quer continuar a não reconhecer o genocídio que cometeu contra os arménios. Um estado muçulmano, com um ministério para a religião e que paga aos seus funcionários religiosos, não renunciará ao seu instrumentário para impor a hegemonia religiosa e turca no seu meio.
A cimeira a realizar pela UE a 15 de Dezembro decidirá então a favor ou contra o início das conversações.
A Turquia sabe que pode ter um folgo comprido atendendo a que para uma tal medida a UE exige decisão por unanimidade. Deste modo a Europa tropeça nela mesma.
O ESTADO PARTIDÁRIO EM CRISE
O Ressurgir duma Nova Consciência Burguesa (1)
O vulcão da religião estremece por todo o lado podendo vir a criar grandes convulsões no mundo. ADe momento, aEuropa acorda e Deus levanta o dedo!
Com a queda do muro de Berlim em 1989 a secularização recebe um grande abalo e as ideologias marxistas perdem o seu encanto. Com a bancarrota do sistema soviético o mundo modifica-se. A política e as elites desacreditam-se. O fanatismo religioso e ateu acentuam-se. Por um lado assiste-se a uma fé infantil cordial e por outro a uma crença arrogante ateísta racionalista. Uns vivem da fé “Deus criou o homem” outros da crença “o Homem criou Deus”.
Os tempos que correm são propícios para fanatismos. A crise e o medo fomentam o sentimento de pertença. O movimento de Fátima parece ganhar razão.
A Europa que no século XIX tinha processado Deus (Marx, Nitzsche, etc), no século XX executou-o, colocando no seu lugar a deusa Liberdade.
As sementes lançadas no século XIX e a proclamada morte de Deus transformam o século XX no mais sangrento de todos os tempos que culminou na “segunda guerra mundial, atiçada por ateístas radicais” ,( Wolfram Weimer, in “Credo”).
Com a experiência das guerras a política consegue triunfos a nível material e mais desilusão a nível humano. A classe política parece ter chegado aos seus limites tornando-se cada vez se menos credível. Desiludidos de Deus e da burguesia, os políticos já não têm convicções, são frios. A convicção e a paixão cada vez se encontram mais da parte do povo, duma camada média, a burguesia maltratada que parecia já ter perdido o espírito.
Hoje, essa “burguesia”, da qual sempre dependeu o desenvolvimento cultural das sociedades, começa a redescobrir-se e a afirmar-se religiosa. Isto tem muito que se lhe diga porque ela é que arrasta a carroça social, e é determinante no seu meio, intervindo e assumindo sempre responsabilidade histórica no desenvolvimento. O resto segue ou aproveita-se mais ou menos inconscientemente da caravana, vivendo de filosofias coniventes com as próprias carências, à medida das necessidades do dia a dia. As elites começam a acordar da Bela Adormecida. Da nova burguesia surgirão os caudilhos de amanhã que porão o mundo na sua ordem.
Se é verdade que o pão é que mata a fome, não se pode desprezar o facto de que o ser humano traz consigo a fome do espírito, a fome da transcendência, que reconhece como sua coluna vertebral. A necessidade é determinada pela camada média da sociedade, pelos que já têm o suficiente para estarem disponíveis a poder pensar.
As orgias intelectuais ideológicas contra a burguesia e seus valores já não entusiasmam nem convencem, desqualificando-se e auto-marginalizando-se. Até à década de 90 viveu-se um tempo de adolescência interessante. Só que os adolescentes de então, os socialistas de ontem ocupam hoje as chefias da banca, das administrações públicas, do jornalismo e mesmo de muitos lugares da indústria.
O processo decadente que se deu no sistema comunista soviético repete-se na sociedade ocidental nos seus representantes institucionais. Nos sistemas socialistas há sempre uma pesada administração totalmente controlada por uma pequena nomenclatura ideológica todo-poderosa. Nos tempos que correm e que são de miséria ideológica e social, é utópico e míope querer reduzir-se a política a administração, tal como naquele sistema. Os socialistas do lado de cá, do post real-socialismo, e os superficiais conservadores sem espírito têm-lhe seguido as pegadas, acreditando todos numa sociedade planificável o que os têm levado a fomentar o poder das administrações e da burocracia. Ainda não notaram que o muro de Berlim já caiu. Ele caiu historicamente mas ainda não caiu nas cabeças de muitos políticos e intelectuais. Isto emperra o andar da história, tornando-se muitos dos progressistas, nos seus empecilhos. Sócrates luta contra este demónio bem instalado mas falta-lhe a água benta e o testemunho.
Falta a reflexão e a empatia. A política empírica instalada dá lugar a uma espécie de nepotismo ideológico à maneira de establishment formal. Na política repete-se o que muitas vezes acontece no casamento. Uma pessoa enamora-se e, sem preparação, casa-se. Depois arranja-se e, finalmente, divorcia-se, deixando atrás de si um montão de cacos.
O pensamento que está por trás da política a partir dos anos 60 partiu dum falso pressuposto: destruir o espaço religioso e os valores da burguesia para criar um espaço livre da política onde o cidadão indivíduo se possa desenvolver sem entraves nem responsabilidades. Como se observa pela crise cultural e de valores em que vivemos, essa ideologia deu barraca mas o infantilismo continua. A política, ao arrogar-se para si o sentido, perdeu o sentido do político. Ao açambarcar para si o espaço da liberdade destrói a Liberdade, o último sentido da política. Como a acção política se reduz a administrar renuncia-se à argumentação política. Equivocou-se ao transformar o (Estado) espaço livre de actuação dos cidadãos numa instância paternalista em que se vinculam uns conglomerados de cidadãos proletários, de prosélitos e se distribuem benesses a clientelas. Pela crise vê-se que isto não chega para fazer política. O século XX cometeu um grande erro: desconhecer o conceito de cidadão desonrando-o ao transformá-lo em cliente em proletário do Estado, à disposição dos partidos, que se apoderaram do Estado. Já os regimes socialistas o tinham reduzido a proletário. Assiste-se quer no sistema marxista quer no sistema ocidental à instrumentalização, politização total do ser humano. A liberdade começa onde a lei acaba. A política tinha-se esquecido de Platão e do Catolicismo que recordam: quem suprime Deus e a Verdade acaba com a política e destroi o Homem!
Toda a cultura é filha da religião e a nossa cultura é filha da religião judaico-cristã depois de muitos anos de ruminação e integração doutras culturas em especial a greco-romana. Quem, com responsabilidade política e cultural não reconhecer essa realidade, como o ser da sua forma de estar, descarrila-se e não chega a lugar nenhum. A crença religiosa e a crença ateísta se querem tornar-se responsáveis terão de se dar as mãos. As duas são filhas do mesmo pai, o cristianismo. Trata-se de ssumir juntos a responsabilidade do futuro para o realizar e possibilitar. Com a queda da civilização cristã o mundo ficaria às escuras. Trata-se de a aperfeiçoar, sublimar e pôr ao serviço da humanidade e do Homem em sintonia e sinergia de esforços.
António da Cunha Duarte Justo
In “ Pegadas do Tempo”
(1) Primeira parte