Sínodo sobre Casamento, Família e Sexualidade

Amor e Sexo são grandes Garantes de Felicidade e Equilíbrio

António Justo
Cerca de 200 padres sinodais estiveram presentes, durante 15 dias, na assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos reunidos em Roma; esta terminou a 19.10. 2014 com um documento final sobre sexualidade, casamento e família. As discussões continuarão nas comunidades locais até encontrarem concretizações no sínodo de Outubro de 2015.

A primeira semana do sínodo esteve subordinada ao tema “ouvir as realidades das famílias da igreja mundial.” Esta foi uma fase muito enriquecedora e aberta onde os bispos apresentaram diferentes perspectivas culturais, políticas e sociais à maneira de um caleidoscópio da igreja universal.

Na segunda semana a preocupação e o medo dominaram as discussões do sínodo, o que motivou o Papa, na sua declaração final, a referir-se às diferentes tentações.

O Relatório final, por eles elaborado, é um documento de trabalho. Teve aprovação com maioria relativa. Insiste na “união indissolúvel entre o homem e a mulher”. Reconhece aos casamentos civis, divorciados e recasados uma participação “de forma incompleta” na vida da Igreja.

Da votação dos documentos fica-se com a impressão que um terço dos bispos é bastante conservador. O documento dá relevo a soluções a partir da perspectiva pastoral.

No final do sínodo, o Papa falou das tentações observadas na assembleia sinodal e na Igreja em geral, ao tratarem os problemas do casamento, família e sexualidade. As tentações referidas são: a)- a tentação dos «tradicionalistas», e também dos intelectualistas (“dos zelantes, dos escrupulosos, dos cautelosos”), é “a tentação do endurecimento hostil, ou seja, o desejo de se fechar dentro daquilo que está escrito (a letra) sem se deixar surpreender por Deus, pelo Deus das surpresas (o espírito) ”; b)- a tentação dos «bonacheiristas», dos temerosos e também dos chamados «progressistas e liberalistas», que se revela na “tentação da bonacheirice destrutiva, que em nome de uma misericórdia enganadora liga as feridas sem antes as curar e medicar; que trata os sintomas e não as causas nem as raízes”; c)- a tentação do deserto, “tentação de transformar a pedra em pão para interromper um jejum prolongado, pesado e doloroso (cf. Lc 4, 1-4) e também de transformar o pão em pedra e lançá-la contra os pecadores, os frágeis e os doentes (cf. Jo 8, 7), ou seja, de o transformar em «fardos insuportáveis» (Lc 10, 27)”; d)- a “tentação de descer da cruz, para contentar as massas…, de ceder ao espírito mundano”; e)- a “tentação de descuidar o «depositum fidei», considerando-se não guardiões mas proprietários e senhores ou, por outro lado, a tentação de descuidar a realidade, recorrendo a uma terminologia minuciosa e uma linguagem burilada, para falar de muitas coisas sem nada dizer!”
Francisco quer uma “Igreja que não se envergonha do irmão caído nem finge que não o vê”. O Papa chama a atenção dos bispos para não ficarem na atitude passiva de receber os tresmalhados; mais que recebê-los é preciso “ir ao seu encontro”.Para quem desejar pode encontrar na rádio vaticana outras informações sobre o sínodo: http://pt.radiovaticana.va/indice.asp?Redasel=11&CategSel=19

A fidelidade conjugal torna-se, cada vez mais, num desafio

No meu entender a fidelidade matrimonial não é lineal; é um valor alto mas não deve dar-se à custa de um cônjuge; há que reflectir bem, quando, na relação conjugal, se chega a uma atitude antagónica causada por doença psíquica objectivadora e interacções insuportáveis, ou como consequência de diferentes e divergentes desenvolvimentos individuais ao longo do tempo. Em certos casos pode tornar-se tão problemático o divórcio como a continuação da fidelidade conjugal… Uma fidelidade morta (tal como um divórcio superficial) pode impedir o desenvolvimento e o renascimento de pessoas. O matrimónio implica, já na sua etimologia, maternidade (mãe, fonte), pressupondo crescimento e desenvolvimento; o desenvolvimento não se pode limitar à geração de filhos.

É bem verdade que, também na noite brilha a Lua, mas essa luz não é, por vezes, suficiente para se reconhecer/realizar o mistério de Cristo, quando as perspectivas dos olhares são inflexivelmente diferentes… Eu não sou só eu com as minhas limitações, sou também aquilo que o outro permite que eu seja numa relação de mutualidade. A luz da fé ilumina a alma mas o corpo pode encontrar-se, por vezes, gelado sem o sol, devido à tormenta do dia.

A máxima bíblica, “O Amado é meu e eu sou dele” (Cântico dos Cânticos 2,16), pressupõe o encontro de almas num espírito humilde e realizado, que só é possível na união através da oração e da leitura espiritual comum (Um encontro a três!) numa atitude de pessoas livres, responsáveis e adultas. A maioria das pessoas subsiste irreflectidamente, também porque a sociedade a obriga a isso. A maioria vive como a água de um rio que segue o leito já preparado sem chegar à consciência do ser da água.

O plano do Papa continua em aberto

A próxima assembleia geral ordinária do Sínodo dos Bispos será de 4 a 25 de Outubro de 2015, sob o tema “A vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo”. Até lá as comunidades paroquiais e episcopais continuarão a discutir o tema no sentido de ser elaborada uma proposta cristã sobre a família.

Uma Igreja em serviço e ao serviço tem de dar erros, atendendo às diferentes situações e perspectivas das comunidades, num globo tão caracterizado pela diferença. ”Quem serve, não traz um colete branco, mas sim um avental. Isto pode ler-se no Evangelho do lava-pés; Jesus usou um avental” dizia o Cardeal Marx. “

É a hora das igrejas locais, das conferências nacionais e dos cristãos discutirem e se pronunciarem na procura de “novos caminhos”. Precisam-se novas discussões no que respeita à fidelidade à Igreja e à abertura aos sinais dos tempos. Não se pode continuar na espectativa, precisam-se respostas concretas; a Igreja não pode ficar fora de jogo em questões de sexualidade, matrimónio e família.

Não adiar o futuro escapando a soluções

A escolha da data da beatificação do Papa Paulo VI, como conclusão do sínodo, recebeu um caracter simbólico especial, deixando em muitos progressistas um sabor amargo, porque Paulo VI é vulgarmente conhecido como o papa da pílula. Foram adiadas conclusões sobre a pastoral familiar. A força dos cardeais conservadores organizados esteve muito activa, já antes do Sínodo, emperravam o desenvolvimento, procurando isolar o papa.

A Igreja continua a ter uma relação conturbada com o sexo. Vai sendo tempo de se admitirem aos sacramentos, pessoas divorciadas, recasadas ou que vivam em coabitação, desde que sejam casos bem fundamentados. Seria de desejar maior celeridade e competência aos bispos na declaração da nulidade de matrimónios.

O ser humano encontra-se em processo de contínuo desenvolvimento pelo que não pode ser reduzido a um teorema intelectual, nem tão-pouco, a sua espiritualidade pessoal ser condicionada à abstenção sexual. Também a espiritualidade dos “eunucos pelo reino de Deus” não seria desvalorizada com a abolição do celibato para os padres seculares. Doutro modo, seria, por um lado, pôr a cultura/espiritualidade em contradição com a natura e, por outro, um acto de irreverência perante a natureza, ao obrigar-se o pároco a não casar, em nome da espiritualidade.

Embora seja verdade que, também devido à disciplina sexual cristã, a posição individual e social da mulher ocidental se desenvolveu e enriqueceu muito, em comparação com o papel da mulher da sociedade muçulmana ou asiática, isto não justifica a superregulamentação da vida sexual de indivíduos e casais. Sem cair na arbitrariedade nem no relativismo, a função da Igreja não é culpabilizar mas desculpabilizar. Seria irresponsável exigir-se uma pessoa qualquer  o seguimento de uma moral superior sem que esta tenha uma infraestrutura consciencial que a suporte. (Um grande problema da Igreja católica hodierna, está no facto de ter uma exigência moral bastante elevada, ao contrário de outras religiões, ou espiritualidades à la carte). Se queremos Homens temos que formar Homens e não apenas seres humanos! Pessoas que se separam merecem um trato mais respeitoso; muito embora a situação matrimonial seja da responsabilidade dos cônjuges, esta, terá que comportar a possibilidade de inocência, pelo menos, de um deles. Seria anacronismo continuar a fixar-se em leis que carecem de “adaptação à nova realidade social” no que respeita à vivência da sexualidade, tal como reconheceu o Vaticano II.

As relações sexuais e interpessoais são de tal ordem complicadas (únicas) que não podem ser resumidas ou encaixilhadas em normas rígidas; a pastoral teria aqui uma palavra competente e privilegiada a dizer… Por vezes, na vida conjugal, surgem situações tão doentias e imutáveis que, a serem mantidas, levariam à negação de um dos parceiros (extremos casos de bipolaridade, de borderline, etc.). O Cristianismo quer liberdade, autonomia e responsabilidade do Homem livre, não podendo exigir de ninguém que se torne num “Cristo”; Ele quer ver o ser humano livre de qualquer cabresto para se tornar capaz da comunidade profunda, baseada naquela liberdade e relação que fez de Jesus o Cristo. Uma fixação teimosa na impossibilidade do divórcio pode, em alguns casos, levar pessoas a terem de passar uma vida a viver ao lado de outras, sem possibilidade de realizarem comunhão.

O códice de conduta não se pode limitar a pequenos retoques cosméticos, se a Igreja quiser continuar a ser uma voz importante no mundo e a constituir orientação também para meios menos afectos à religião. O propósito e o proposto não são fáceis, atendendo ao facto de, mundialmente, pessoas e culturas se encontrarem em diferentes estádios e com díspares velocidades. Atendendo à maioria dos católicos não viver em países europeus nem na América do Norte e, considerando que religiões retrógradas e simplicistas como o Islão entusiasmam espíritos confundidos (simples), não será fácil aos padres sinodais encontrar respostas consensuais para um universo de culturas divergentes.

Temos um ideal que é o resumo de toda a escritura, como refere também Paulo (Rom 13,8-10): o amor a Deus e ao próximo. O cristianismo (e com ele a Igreja) é testemunho e garante do desenvolvimento universal, tal como o foi para a civilização ocidental nos últimos 2.000 anos. O próximo não tem confissão nem parâmetros culturais definidos; esta é a grande inovação do cristianismo.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e pedagogo
www.antonio-justo.eu

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Publicado por

António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

Um comentário em “Sínodo sobre Casamento, Família e Sexualidade”

  1. António bom dia .
    Gostei muito do artigo que escreveu sobre o papel da igreja relativamente ao casamento dos padres e da família .
    A Igreja tem nesta altura um Papa que é a luz do mundo , mas que não é acompanhado por muitos …….
    Até breve, Com amizade Dul

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