Crise do Estado Partidário

Foi com grande satisfação que li, na secção “comentários” ao meu artigo-reflexao “O Estado Partidário em Crise”, o texto do Prof. Dr. Luís Miguel Cunha. Obrigado pela clarividente e clara exposição.
Aproveito para salientar um aspecto que aí refere: “O muro de Berlim caiu para o lado de cá com a importação de novas nomenklaturas, que se expressam e assaltam o poder nas empresas e administrações, mas também no lado de lá reinstalando-se com novos instrumentos de opressão capitalista.
O momento hoje é de novo de combate numa encruzilhada que nos atinge ou obriga a escolher entre:
(1)a espada do fundamentalismo;
(2)a cartilha capitalista;
(3)a cidadania individualizada do nihilismo e,
(4) uma festividade que se realiza sem recursos, sem motivos de celebração, sem alegria, apenas orgásmica ou de expressão entrópica…destinada a permitir a libertação de energias ou tensões acumuladas.”
Recomendo a sua leitura a todos.
A crise é a grande oportunidade que temos. O fanatismo, a indiferença são os indicadores fenomenológicos do estado doentio da nossa civilização. Eles são apenas o toque da sirene contra a entropia a nível individual e social.
António Justo

António da Cunha Duarte Justo

Direitos Humanos – Valores Universais

Dia um de Dezembro foi o dia dos direitos humanos! Um dia desapercebido?

Os direitos civis e políticos precisam de ser fomentados em todo o mundo com a mesma intensidade como o são as redes de estradas e auto-estradas na Europa. Estas são um símbolo e um meio de comunicação e de interrelacionamento. Sem a intercomunicação cultural o mundo continuará a repetir o passado.

Guerras, pena de morte, perseguição, tortura, mobilização de crianças soldados, rapto de pessoas, refugiados, tudo são exemplos do desrespeito da dignidade humana, são ataques perpetrados contra os direitos humanos.

O diálogo dos direitos humanos entre as nações e as culturas terá de se tornar um segmento importante duma política que trabalhe para a globalidade.

Os direitos humanos constituem a base do desenvolvimento e da segurança. O reconhecimento da sua validade global ainda se encontra a dar os primeiros passos.

Uma coisa é clara: os direitos humanos são incompatíveis com a discriminação, com o racismo e com a intolerância. Eles deverão tornar-se indivisíveis independentemente das culturas. O direito cultural ou religioso não deve ser exercido à custa do direito individual.

A sua defesa nas relações bilaterais e internacionais deveria tornar-se parte essencial das missões de todos os ministros dos negócios estrangeiros, a exemplo do que parece praticar o ministro dos negócios estrangeiros da Alemanha.

Os valores precisam duma base sólida e alargada para se possibilitar a sua articulação nas sociedades. Para uma maior eficiência e possibilitação dos direitos humanos é óbvia, em cada sociedade, a implementação duma camada social média forte onde os direitos humanos possam fermentar e possibilitar uma consciência social própria. As sociedades bipolares com uma pequena elite exploradora e com o resto dependente são, por sua natureza, contra os direitos humanos. O desenvolvimento da consciência democrática anda ligado a uma burguesia alargada.

A Internet é já um meio que permite a informação universal: Precisam-se as infraestruturas.

A nível mundial, torna-se urgente a criação dum tribunal mundial para defesa dos direitos humanos à semelhança do Tribunal Europeu para os Direitos Humanos. Neste embora com muitas deficiências estão pendentes 80.000 processos o que demonstra a sua importância.

Immanuel Kant na “Grudlegung zur Metaphysik der Sitten” afirma como resumo da mundivisão cristã da dignidade humana: “O homem existe como fim em si mesmo, não apenas como meio para qualquer uso desta ou daquela vontade”. Este valor faz parte da consciência ocidental e dele se deixam deduzir os outros. Os direitos humanos não são concedidos pelo Estado nem podem ser tirados por ele.

Também o combate ao terrorismo, sintoma do estado doentio da humanidade, não pode ser motivo para o domínio do Estado sobre o indivíduo. Já Benjamim Franklin dizia: “Quem cede liberdade para ganhar segurança perde as duas”. Em nome do combate ao terrorismo desrespeitam-se por todo o mundo o ser humano. Estados islâmicos, regimes ateus e Guantanamo têm-se revelado contra os direitos humanos. Os inimigos dos direitos humanos tornam-se os inimigos da humanidade e da paz.

Consequentemente, os exércitos deveriam ser transformados em soldados da paz para que a sua dignidade humana não lhe seja roubada nem os estados abusem deles e passem a ser construtores da paz para toda a humanidade. Para isso será necessário transpor as muralhas das nações e das culturas e restituir à humanidade e ao ser humano a dignidade roubada.

António Justo

António da Cunha Duarte Justo

Cristianismo – O grupo religioso mais perseguido no mundo!

Sob a capa da religião comete-se muita violência e escondem-se muitos conflitos e mazelas…

200 milhões de cristãos são actualmente discriminados ou perseguidos em 50 dos 200 Estados do mundo. Segundo estatísticas sérias a perseguição religiosa aumenta cada vez mais. 80% dos perseguidos ou discriminados são cristãos, partindo-se ultimamente mesmo de 90%. (Nesta exposição refiro-me aos cristãos por serem os mais perseguidos).

A perseguição é mais dura em estados muçulmanos, porque esta religião aspira à hegemonia universal, e em estados ateístas ou comunistas como é o caso da Coreia do Norte e da China que consideram o cristianismo como perigo para o Estado. Estes estados de cunho marxista não aceitam a soberania autónoma do indivíduo, reduzem o indivíduo a súbdito, a mero instrumento da colectividade de que o Estado é o senhor absoluto e pode dispor. O socialismo marxista sempre considerou o cristianismo como o seu inimigo figadal atendendo a que este considera a pessoa como intocável na sua dignidade humana enquanto que o socialismo põe a tónica no colectivo vendo o indivíduo como objecto em função do colectivo. Na China muitos são obrigados a viver escondidos na ilegalidade das igrejas caseiras.

Na ditadura ateia da Coreia do Norte, nos últimos quatro anos desapareceram, sem deixar rasto mais de 2.000 comunidades cristãs com 300.000 cristãos (segundo o que informou a Deputada Erika Steinbach, no seu relatório no Parlamento alemão). Tem-se informação de excussões nesse regime de terror e da existência de campos de concentração para educação forçada onde cristãos são aprisionados. Os cristãos são vistos como risco de segurança para o estado, vendo-se muitos obrigados a abandonar a religião ou a fugir.

A Declaração dos Direitos Humanos da Organização da Conferência Islâmica do Cairo questiona os direitos religiosos subjugando-os à scharia (Lei islâmica). Esta, além da discriminação para com outras religiões, determina a pena de morte para quem abjure do Islão…

A situação dos cristãos e dos alevitas na Turquia é dramática. Nos últimos 90 anos a percentagem dos cristãos reduziu-se, através de perseguição e do genocídio, de 30% para 0,2% da população turca. Mesmo onde há leis que proíbem a perseguição, a discriminação continua através dum ambiente totalmente intolerante. Em Fevereiro passado foi aí assassinado o padre católico Andrea Santoro. O problema é que nem sequer o Papa pode levantar a voz na defesa dos cristãos porque automaticamente estes seriam expostos a maiores perseguições.

Também os hindus na Índia perseguem os cristãos violando freiras mesmo em grupo e matando padres. O que é mais estranho baseiam a sua atitude em Gandhi que era contra a missionação dizendo que os missionários deviam deixar a Índia. Ele não podia aceitar que os hindus que se convertiam ao cristianismo deixassem de ser vegetarianos e vestissem à moda europeia até com chapéu.

No século XX houve mais cristãos mártires do que nos primeiros dois mil anos da sua existência. As perseguições muçulmanas e dos ateus marxistas contra os cristãos foram extremas. Em muitas nações continua a ser dramática a sua situação sem que haja solidariedade para com eles, mesmo da parte dos países ocidentais. O Ocidente interessado apenas na exploração e expansão económica cala ou põe à disposição a própria cultura. Tudo o que não é mercadoria estorva. Por outro lado o terceiro mundo considera o ocidente cristão, identificando a sua exploração com o Cristianismo. Uma situação complicada!…

A liberdade religiosa é um direito humano individual que se baseia na dignidade humana. Nas relações diplomáticas e comerciais os direitos humanos não têm feito parte das convenções bilaterais. Prefere-se dar asilo a perseguidos e assim manter a influência nos grupos estabelecidos nesses países, do que pressionar uma relação humana de justiça entre eles.
Ainda há pouco no Afeganistão foi condenado à morte Abdul Rahman pelo facto de se ter convertido ao cristianismo. A Itália concedeu-lhe porém asilo.

Na Nigéria, no sul do país vivem sobretudo cristãos que se dedicam à agricultura. Os muçulmanos vivem do comércio e da criação de gado, o que lhes possibilita melhor vida do que aos cristãos. As tenções entre muçulmanos e cristãos acentuaram-se pelo facto da agricultura ter piorado devido à falta de água para a cultura intensiva e devido ao facto dos bens de consumo que os muçulmanos vendem se terem tornado muitíssimo caros. Além disso emigraram muitos nigerianos muçulmanos do norte para o sul do país. O Estado não resolve os conflitos surgidos e os políticos de um e outro grupo aproveitam-se da situação para agitar os grupos atribuindo cada um a culpa à outra religião. Mais de 1.000 pessoas perderam a vida sendo incendiadas igrejas e mesquitas. Entretanto entraram em diálogo chegando à conclusao que o problema não era religioso e chegaram a compromissos. Este é um exemplo de como os conflitos surgem e de como a religião é aproveitada para os explicar!

O direito à liberdade de religião é fundamental porque toca e informa muitos outros valores como a vida, o sentido, protecção, arte e cultura. Uma religião que estreite os horizontes, coacte, que meta medo, que fomente a violência e conduza à guerra não merece esse nome!

As religiões são parte essencial das culturas pelo que foram e são envolvidas na guerra. Dá-se um uso abusivo de Deus. O Deus dos cristãos ao ser o Deus criador de todo o género humano não permite o abuso de qualquer ser humano atendendo a que este é todo irmão, filho do mesmo pai independentemente de crença ou não crença. Os que vivem da guerra e os Estados não querem limites ao seu poder sobre o ser humano. Não o querem soberano, querem-no súbdito, querem-no inteiro. Para melhor o dominarem servem-se e abusam da religião porque sabem que esta mexe com todo o ser. Reduzir a religião ao mutismo ou instrumentalizá-la é a alternativa que escolhem.

A razão de tanta perseguição ao cristianismo tem a ver com uma força inerente a todo o regime absolutista, com a dialéctica entre os regimes mais baseados no respeito pelos direitos individuais e a forma de estado colectivista que pela sua essência não suporta nem a pessoa soberana nem Deus, o rival!

Na Europa, devido ao socialismo marxista militante contra o cristianismo e à influência maçónica nos governos não há solidariedade para com os cristãos perseguidos. A política, nas suas relações bilaterais não toma em conta o aspecto cultural religioso, nem o equilíbrio nestas relações, o que explica a expansão das mesquitas islâmicas na Europa e a proibição de construção de igrejas em estados de população islâmica como é o caso da Turquia. A indiferença dos conservadores neste sector e o fanatismo secularista contra a religião cristã na Europa têm tirado bons dividendos na sua estratégia do “divide et impera”! Assim se compreende que não haja solidariedade com os cristãos perseguidos, sendo ignorada a sua situacao na opinião pública. Os judeus foram muito perseguidos e os cristãos são-no também por serem portadores duma vida exigente que questiona o satus quo, sendo, por isso tidos como uma ameaça!
António Justo

António da Cunha Duarte Justo

Natal também para os animais

Dignidade Partilhada

O Natal e a Páscoa são mais que rituais religiosos; eles remetem-nos para o fundamento da nossa noção de valores, para os critérios base da nossa cultura.

Natal é o tempo da dignidade partilhada. Nele se juntam a divindade, a humanidade e os animais para celebrar a Vida. Na precária gruta de Belém, lá se juntam todos, os representantes das culturas nos reis magos e os representantes dos animais na vaca e no burro: Dignidade Partilhada!

Os animais testemunham, com a sua presença, a sua saudade da eternidade, põem-se também eles na fila salvante. Aqui afirmam que o seu desejo de eternidade não se realiza apenas na procriação. Também eles querem participar no acto da redenção; também eles querem participar activamente no processo libertador. Querem recordar o processo da evolução e da vida, o espírito comum nela presente. Como o ser humano, também eles se sentem processo e não mero produto acabado.

A vaca suplica, não quer viver em eterna prisão! No seu triste olhar revela os gritos sufocados, até agora não ouvidos de todos os irmãos. Também ela aspira por uma vida que a não reduza a vaca leiteira ou a bocado de carne mal comida! A sua presença é silenciosa, é a expressão dos sem voz! Do desenvolvimento do homem, da sua evolução consciente está dependente também a libertação animal.

A dor paciente dos animais ofendidos olha, através do olhar do burro, o mal dos outros suportado, é um leve queixume da compaixão ausente. No olhar fixo asinino está presente a miséria da vida animal alienada. Aquela presença meditativa, aquele olhar mais não é que o apelo ao homem para que se lembre das barbaridades que faz contra os animais e do que há de comum entre estes e o ser humano. A humilhação, o sofrimento por este praticada é incomensurável e só poderá por ele ser remida, quando acordar para a consciência do seu verdadeiro ser. Como o menino do presépio está para a libertação da humanidade e da natureza, assim o ser humano deve estar para a libertação dos animais… Porque não começar por evitar a dor evitável? A compaixão é sofrimento, é identificação com todo o ser. A sua dor é demasiado cara para ser desbaratada como é. A dor dos irmãos animais não é tida em conta, ainda não faz parte do nosso consciente… Natal é o tempo de recordar para presencializar a vida pacífica e fraterna já vivida no paraíso terreal. No novo paraíso não se poderá viver com a recordação dos animais maltratados se já no terreal vivíamos com eles em harmonia!

Francisco de Assis, consciente, lembrou-se disso e tomou os animais no coração falando com eles a linguagem da religião, a linguagem da irmandade dos seres… Ele dava graças com o irmão sol com a irmã lua, com a irmã vaca… Este louvor não partia dum sentimento meramente romântico, ele era sim o testemunho duma consciência já muito desenvolvida que tinha percebido, a realidade, o cristianismo na sua essência.

Contra todas as perspectivas Jesus veio nascer numa guarida de animais, num curral. Ele, a divindade quebra com todas as convenções, com todas as certezas humanas; ele quer mais que uma visão uma vivência aperspectivista da realidade. Com o seu nascimento na gruta onde os animais viviam ele vem alargar a perspectiva humana para a dignidade dos outros seres, a dignidade dos animais e das plantas. Ele vem acabar com as dicotomias para acentuar o seu carácter polar complementar. Vem demonstrar o impossível, a unidade da matéria e do espírito: ele mesmo se tornou a expressão do aparentemente impossível sendo ao mesmo tempo a dimensão material do mundo e a espiritual, num só ser, num mesmo processo. Esta realidade é depois materializada no dogma da trindade que é ao mesmo tempo a realidade e fórmula do processo polar reconciliado e dinâmico do existir, que também a Física na teoria da relatividade e dos quanta ajuda a compreender, experimentar.

Na vida de fora tudo é analogia, metáfora. O sol ilumina e dá vida ao sistema solar, o cérebro dá vida e ilumina o nosso ser, e o Espírito informa o universo sendo dele o seu respirar, o seu oxigénio. A vida torna-se símbolo e processo, nela ressoa o antes e o depois, é acontecer. A minha imaginação, o meu sonhar e aspirar são as sombras duma outra realidade. Duma outra realidade não, da mesma realidade vista duma outra perspectiva, que em mim ressoa e o mundo anima.

Sonho ou realidade, tudo é um processo, um acordar para uma nova consciência nas estufas do desenvolvimento da “realidade”…

Pegadas do Espírito irreconhecidas
No “tempo” do paraíso o Homem era o protector da terra irmanada pelo mesmo respirar de Deus. O seu respirar é o animar divino, sustentador da vida. Depois de Cristo essa respiração divina que informa o homem e a natureza é chamada Espírito Santo. “O que fizestes ao mais pequeno a mim o fizestes”. Também neles está o gene divino, também os animais têm a saudade do Espírito, tal como já dizia Tomás de Aquino. Toda a natureza espera pela salvação, lembra-nos Paulo no Novo Testamento.

Com o advento cristão, o avanço qualitativo da consciência humana, acabam-se os sacrifícios de animais no templo ritual: “Vós fazeis da casa de meu pai um covil de ladroes assassinos”. Também já na velha aliança se começou a desdenhar o correr do sangue. Hoje só conhecemos o cão e o gato, o resto é bife, é chouriço, pegadas do espírito tornadas irreconhecíveis… Os antigos pediam desculpa ao espírito do animal antes de o matarem e de o comerem, hoje como lhe podemos pedir desculpa se o não reconhecemos?

No animal porém jorra também o amor, o hálito da vida, já mais reconhecível. Chega que nos tornemos culpados na sua morte evitando ser banais que não reconhecem o destino comum neste reino de Deus. A obra redentora parece ainda não ter chegado aos animais!…

Inocente, a irmã vaca venerada no presépio testemunha a vida por esses prados fora. Os animais testemunham o nascimento mas não a morte porque desta não se tinham tornado cúmplices…Eles serão remidos por cada um de nós acompanhando-nos. No respeito por eles e na coexistência pacífica não precisamos de viver na rivalidade. O respeito pela vida comum abrir-nos-á os olhos para as fábricas da morte, matadouros onde jorra o sangue económico do mau trato animal. O desrespeito pela dignidade da vida, o desrespeito pelo espírito. Muitos de nós, mais brutos que os inocentes animais, só temos a percepção da realidade materializada, faltando-nos os tentáculos sensitivos da diferenciação entre espírito e suas diferentes materializações da realidade. A experiência milenária da Índia, de que só o vegetarismo consegue dar mais pão para mais bocas, levou-a instintivamente a considerar a vaca como animal sagrado. Esse conhecimento conduziu a um preceito religioso mais perto da vida.

Só a dignidade partilhada oferece garantias de futuro.
O antropocentrismo de toda a criação defendido pela cristandade foi um grande factor na defesa dos direitos humanos; não poupou porém certos exageros no desrespeito para com os animais. Neste ponto a cristandade terá de aprender do Hinduísmo e do Budismo a relação com os animais e reatar a consciência à espiritualidade Franciscana na realidade do presépio. A dignidade humana não deve ofuscar o resto da natureza. Todos deverão viver na solidariedade da dignidade partilhada. Para isso o rei da criação terá que dar grandes passos no desenvolvimento da sua consciência. Também o desenvolvimento da ciência não pode continuar a justificar uma experimentação desumana como é praticada.

A ressurreição de Cristo encontra-se em processo em toda a natureza no palco do tempo. Toda a criação geme as dores do parto e toda ela se encontra em processo de salvação a caminho da realização do corpo místico, de tudo em todos (em linguagem teológica: natureza em processo de ressurreição).

O antropocentrismo cristão ainda não conseguiu respeitar e alargar a dignidade humana a toda a humanidade, mais lhe falta ainda para conseguir a coexistência pacífica e dialógica entre o Homem, os animais e as plantas. Sim, também a planta, o animal tem uma dignidade divina a respeitar. Os seres vivos chegaram à individuação do espírito comum no Homem: este encontra-se num processo aberto e progressivo de consciência. Esta culminará na consciência da experiência do Cristo, da divindade em nós. Quando chegarmos à consciência trinitária restituiremos a dignidade a todo o ser, seja ele átomo, planta, animal ou ser humano e experimentar-nos-emos na unidade do ser trinitário na comunhão do Espírito.
António Justo
Teólogo

António da Cunha Duarte Justo

Natal – As dores do parto universal em nós!

Quem viu a luz crê na realidade do bem!

Nas pegadas da luz queremos ousar um mundo melhor! Um mundo com lugar digno para todos, para lá dos credos e dos domínios! Conscientes de que cada nascimento, como tudo no reino do ser, do estar espacio-temporal, conduz à transitoriedade, realizamos o Natal, como crentes da vida no seguimento da luz.

O Advento é o tempo da gravidez, a noite à espera da luz, da luz que na dor irrompe em nós.
Natal é o esforço contra a entropia, uma vontade resistente à treva. Na gruta do nosso coração brilha a luz do novo dia. A crusta do hábito e o nevoeiro cerrado do instinto encobrem-na, daí o esforço subjacente.

Natal acontece no dia a dia, é dar à luz o novo, a luz, o bem. Para isso pressupõe-se o estado de gravidez. Na abertura do encontro, ao sermos tocados pelo gene divino, pelo outro, surge a luz, a luz duma nova ideia, duma nova intuição, dum encontro com o outro, duma nova vida, dum novo ser. Daí o desejo de que algo nasça em nós, de que algo se modifique. Então tornar-nos-emos a mãe de nós próprios. O processo natalício consta em tornar-se mãe de si mesmo/a.

A noite da comercialização de todos os sectores da vida torna o Natal mais difícil ou mesmo impossível, afastando-nos da vivência de nós mesmos, dos outros, do abismo do solo da nossa alma onde o sol do espírito brilha, para lá das nuvens dos nossos sentimentos e afectos, para lá do dia a dia de todos nós.

Para lá das nuvens encontram-se as forças vivas que se regeneram na frieza invernal para surgirem renovadas no sol da primavera que mais não é do que a esperança, o anúncio do mesmo espírito que corre na natureza e que circula em nós. Como nós, também a natureza sonha e vive a esperança do sol do meio-dia.

Na natureza, em nós, por todo o lado, no meio do nevoeiro serrado da vida, tudo olha para uma luz distante mas cintilante.

Tudo quer geral algo, tudo se encontra nas dores do parto espacio-temporal.

Terra, corpo, natal, primavera, luz, a noite, o dia, tudo são metáforas da mesma realidade: a natureza, o ser a caminho, a matéria, a morte, a treva, a dor e a noite em diálogo a dar à luz.

Tudo canta, soa com a sua voz em tom maior ou bemol na mesma sinfonia do concerto universal.

Natal é também convite a entraremos na ressonância do canto universal em que tudo tem sentido no natal gerador: natal individual no natal universal!

António da Cunha Duarte Justo