Mística – O Futuro da Religião e da Sociedade

A religiosidade cada vez se autonomiza mais numa necessidade de diferenciação mais individualizada. O mesmo se dá na política. Esta, como a religião, está demasiado preocupada consigo mesma para poder notar as verdadeiras necessidades do povo. O que neste artigo refiro a respeito da religião pode-se aplicar às instituições políticas.

Na Alemanha a percentagem de pessoas que se declaram religiosas corresponde à percentagem de votantes nas eleições para o parlamento; isto não quer dizer que as pessoas que votam são as mesmas que se declaram religiosas. Seria interessante uma investigação nesse sentido.

À secularização segue-se a individualização.
As pessoas manifestam diversas necessidades de salvação a que correspondem diferentes necessidades espirituais implicando diferentes espiritualidades e diferentes práticas..

O acesso ao religioso pode dar-se de forma cognitiva ou experimental. Nas espiritualidades mais que o acto cognitivo religioso predomina o dado experimental, a experiência religiosa, com carácter específico pessoal. No mundo católico conhecem-se várias espiritualidades: salesiana, jesuíta, dominicana, franciscana, beneditina e outras. Estas porém andam ligadas geralmente a ordens e congregações com um público reduzido. As paróquias, duma maneira geral, não estão preparadas para responder a muitas das necessidades espirituais mais individualizadas das pessoas. Limitam-se a oferecer serviços litúrgicos indiferenciados para a generalidade. As instituições estão mais preocupadas com a ocupação de lugares e funções à margem dos destinatários.

De momento observa-se na sociedade uma grande procura de espiritualidades, novas formas de ser e de estar, emancipadas das instituições que até agora possuíam o monopólio da organização e da responsabilidade. A consciência humana pretende dar um passo em frente no seu desenvolvimento. As instituições terão de se humanizar não chegando continuar a justificar-se pelo seu fim em si. Doutro modo carregarão sobre si mesmas a responsabilidade de se tornarem elas mesmas em impedimento do desenvolvimento individual! O anonimato económico, social e estrutural tornou-se de tal modo insuportável que, se as instituições estabelecidas não se preocuparem em dar verdadeiras respostas ao homem todo, no respeito efectivo pela sua dignidade, provocará comportamentos insuportáveis.

Ao non sens da nossa vida civil corresponde maior procura de valores perenes e o surgir de novos indicadores de religiosidade. Não é suficiente o aspecto cognitivo da religião -a abordagem racional, o aspecto da experiência – o aspecto vivencial, manifesta exigências duma religiosidade mais diversificada. Esta expressa-se nuns como um “sentimento da presença de Deus”, noutros como o”sentir um poder sagrado na natureza”, noutros como “o sentimento de que defuntos estão presentes”, noutros ainda como a “vivência da unidade” ou como “uma relação pessoal com Deus”, etc.

Por todo o lado se assiste a uma privatização da religião acompanhada da sua desinstitucionalização. O mesmo processo se dá na política. O teólogo Karl Rahner afirma mesmo:”O devoto de amanhã será um místico.”. A religião é cada vez menos transmitida, menos experimentada directamente e por isso menos presente. A complexidade quer da religião cristã quer da política cada vez se distanciam mais do povo devido à sua incapacidade de ser povo, de ser eu-tu-nós e ao facto do povo não ter hipótese de compreender fenómenos complexos e de cada vez estar mais condicionado pela TV que fomenta a opinião sem noção, uma atitude infantil contra o saber, um subjectivismo analfabeto. Se no século passado terá dominado em alguns meios o aspecto folclórico de Fátima, futebol e fado hoje torna-se cada vez mais digno de salão o espírito plebeu duma Televisão cada vez mais mata tempo e distraccão vulgar.

A vivência religiosa através da experiência é diferente do sentimento religioso através da reflexão cognitiva. No futuro será mais importante a experiência da religiosidade. Aqui está mais presente a experiência do que o acto cognitivo. Naturalmente que na experiência religiosa não faltará o elemento objectivador da reflexão. Este porém não se pode identificar com a experiência mística. A reflexão manca sempre atrás da experiência mística. O aspecto cognitivo a que a pessoa religiosa se encosta, o tipo de espiritualidade, pode constituir uma espécie de crivo. No âmbito cristão diria mesmo que aí a experiência mística ganha um chão possibilitador da individualidade e do nós, tal como na fórmula trinitária cristã.

Neste sentido, as congregações e ordens religiosas terão de fazer um esforço por tornar mais transparente e imediata uma espiritualidade que, através da sua forma de vida conventual conduz lentamente à experiência mística. Hoje essas jóias escondidas nas ordens terão que ser manufacturadas de tal forma a serem apreciadas por um tipo de ser humano apressado e que não suporta muito tempo de preparação, de ascética ou catarsis, dado querer chegar logo ao essencial, à vivência fundamental. Naturalmente que os iniciados no religioso e no numinoso não poderão correr o perigo de, para democratizar tudo, arranjarem atalhos que poderiam levar a identificar uma experiência sentimental com a experiência mística. Esta implica que a pessoa passe pelo cadinho do grande deserto místico e não seja confundida com uma espécie de orgasmos duma mera experiência sentimental, ou dum acto cognitivo. Diria que a experiência mística se realiza para lá de todos os limites, tal como o númeno que o espírito concebe para lá do fenómeno, não o podendo expressar nem através do entendimento nem através da experiência.

Também a vivência mística é inexprimível, fica na evidência da própria experiência. O busílis da questão para os mais responsáveis estará em ter uma antena para as diferentes necessidades e consequentes espiritualidades e em criar ambientes na paróquia onde as diferentes necessidades se possam formar e tomar expressão em diferentes espiritualidades. A tarefa não será fácil dado que muitas pessoas conseguem compreender o religioso cognitivamente mas não o relacionam com uma experiência religiosa e vice-versa.

Hoje já não é a igreja a única transmissora de valores e de auxílio para a vida. Os meios de comunicação social assumem cada vez mais esta função. Dado que a nossa sociedade é dominada pela mentalidade utilitarista não é de esperar para ela muitos impulsos da Igreja ao contrário do que acontecia no passado. Hoje a sociedade deixa-se distrair com a excitação cíclica que os Media oferecem, assumindo eles ao mesmo tempo a função de cano de escape. O resultado será a escuta e a nova criatividade que se pressuporá para o novo tipo de instituição.

Da ordem dialéctica para a ordem mística
A Igreja terá de se preocupar mais com a sociedade e menos consigo mesma. Doutra forma cada vez dará menos impulsos à sociedade perdendo assim a sua relevância. A pessoa terá de deixar de ser considerada objecto para se tornar sujeito. O cristianismo iniciou a era do sujeito mas informando-a na ordem dialética platónico-aristotélica. Esta foi por assim dizer a era de Jesus. A nova era do cristianismo, o novo Natal, será menos religiosa mas mais cristã, nela se iniciará a ordem mística, a era do Cristo. Aqui o ser religioso realizará o encontro do Cristo no Jesus, o encontro do divino no humano. Os tempos já estão maduros para tal. Doutro modo a Igreja continuará a ocupar-se mais com a pedagogia do que com a Verdade, mais com o cognitivo do que com a experiência à semelhança dos professores que de tão preocupados com a pedagogia se esquecem dos conteúdos a transmitir. Ao persistirem em continuarem assim, transmitem a impressão aos externos de que religião é algo importante até um certo grau do desenvolvimento.

Hoje é visível e latente uma nova religiosidade que terá de ter resposta com novas iniciativas. Estas devem ser dirigidas especialmente à mulher. De facto a mulher está mais perto do integral, do global e por isso mesmo da mística. Como penso que neste novo século a mística ganhará maior espaço social, nele será muitíssimo importante a integração da feminidade. De facto, no século XXI a mulher porá o pé na porta da história não podendo esta fazer-se sem ela. Naturalmente que o novo espírito, já não dialético não se realizará na afirmação dos contrários, isto é a afirmacao do homem não pode acontecer à custa da mulher nem vice-versa. Já é tempo da Igreja Católica alargar a ordem do diaconato à mulher e o sacerdócio a pessoas casadas. Não se trata aqui de seguir o espírito do tempo mas de reconhecer os sinais dos tempos através dos quais o espírito fala..

Lentamente nota-se a necessidade de se reconhecer a dialéctica apenas como processo de abordar a realidade e não como a realidade em si. Trata-se de integrar a lei positiva e a lei natural. Já vai sendo tempo de se transcender a mentalidade polar, masculina não para o outro extremo polar da feminidade mas para a sua síntese num novo processo histórico e humano de realização e afirmação que seria o processo místico integral.

A reespiritualização da sociedade embora com um cunho feminino terá de ser na bipolaridade integrada, tornando-se mais feminina (consciente da sua bipolaridade masculina e feminina equilibradas) no que ela tem de intuição mística.

Os administradores externos do religioso em certos lugares já se esfregam as mãos ao verificarem que hoje as necessidades religiosas se tornam mais visíveis na sociedade, mesmo através de expressões laicas das mesmas. Isto é porém a reacção ao processo erosivo e mesmo ao descarrilamento em que se encontra a sociedade ocidental. A religião embora apática e desajustadamente reage contra a entropia.

A sociedade, tal como as instituições, continua a viver dos rendimentos, na inércia. A procura de religiosidade manifesta por muita gente é uma reacção de pessoas mais sensíveis aos sinais dos tempos que não pode ser mal-interpretada; ela é também contestação do status quo, é a afirmação da necessidade de metanóia das instituições e do processo de pensar. A nostalgia pela tradição, pelo testemunho são uma reacção, são primeiramente uma contestação ao mundo fútil, que humilha o ser humano reduzido-o a material utilizável.

De facto a consciência humana não aceita viver muito tempo na contingência do acaso. Este exagero provoca uma procura instintiva de Deus atendendo a que a essência da pessoa está condicionada à procura do sentido. O eterno problema: de donde vimos e para onde vamos? A marca indelével da chamada à presenciacao do espírito acompanha sempre a pessoa na propulsão do espírito contra o niilismo redutor. As paróquias não poderão esperar uma revitalização da religiosidade popular. O aspecto folclórico é importante, mas a nova consciência humana latente na ciência e na religião exigem um salto qualitativo nas mentalidades e no comportamento e actuações das instituições; é urgente uma nova mentalidade. Esta não suportará a criação dum tipo de padres caixeiros viajantes a correr de paróquia para paróquia. Não se pode permitir que padres se reduzam a bombeiros. Nesse activismo despersonalizar-se-iam e despersonalizariam as comunidades reduzindo-as a entidades formais e não viveiros de vida. O ser humano do novo século, do novo milénio merece mais. Precisam-se menos funcionários – coveiros. Há falta é de parteiras.

A nova exigência corresponde a uma nova espiritualidade, a uma espiritualidade cristã, mais mística e menos grega. O espírito grego, assumido com a igreja de Constantino já chegou ao extremo na sua polaridade. Agora espera-se o advento da igreja mística. Deus não se encontra só na bíblia ou na religião; ele manifesta-se em tudo e em todos.
António Justo
Teólogo

António da Cunha Duarte Justo
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Feminidade – o outro pólo da mesma realidade

Mulheres em Posições de Relevo

No teatro grego era proibido o acesso de mulheres ao palco. Os papéis de mulheres eram representados por homens mascarados. As mulheres não eram ouvidas e tinham de se tornar invisíveis. Esta realidade pode-se verificar ainda hoje, mesmo fisicamente, nas mulheres muçulmanas. A sociedade patriarcal (macho) não as deixava aparecer na arena pública. Sem direitos individuais eram excluídas do papel activo na liturgia. Uma injustiça, um débito que Cristo saldou. Na igreja primitiva as mulheres não ocupavam papéis secundários. A maneira como Ele convivia com elas era escandalosa para o espírito do tempo. Segundo Ele a religião, as instituições estão para o ser humano e não o ser humano para as instituições. E a dignidade do ser humano, também na qualidade de filhos de Deus, não está condicionada à feminidade ou masculinidade.

Não é legítimo que hábitos próprios duma cultura sejam sistematizados e assumidos definitivamente pelo cristianismo, que é universal e transcultural, o que não quer dizer renunciar à necessidade de processualmente se aculturar.

Naturalmente que a ideia de gerência, direcção não aparece no NT. Além disso quando a havia implicava um conceito diferente do de hoje. Nas comunidades da Igreja primitiva havia muitas comunidades dirigidas por mulheres. As epístolas de Paulo e os Actos dos Apóstolos fazem referência a muitas. Assim Paulo refere (Rom 16,1-16) 29 pessoas entre as quais se encontram 9 mulheres que exercem uma função apostólica e anunciam o evangelho, tal como os homens. Paulo começa a narração com Febe que era “diaconisa da Igreja de Cêncreas” nomeando outras que dirigiam comunidades ou se encontravam no trabalho missionário na qualidade de colaboradoras, colegas de Paulo. Também Júnia terá sido uma mulher e não um homem; além disso muitas vezes a palavra original diaconisa aparece traduzida por servidora.

É verdadeiramente triste que a mentalidade machista ultrapassada por Jesus tenha sido posteriormente reintroduzida no sentido masculino grego embora Paulo também a tivesse já superado. Apesar de passados 2.000 anos a igreja petrina encontra-se em débito para com a mulher.

Reino de Deus a mensagem de Jesus liberta o ser humano, mulher e homem das pressões sociais e de tabus. Ele chamou-as a segui-lo Mt 27,55;Mc15,40; Lc 8,13 e revelou-se a elas como Messias (Jo 4,1 26). A primeira testemunha da ressurreicao é uma mulher a quem Jesus aparece (Mc 16; ); ela foi comunicar a “notícia aos seus companheiros, que a não acreditaram”.

As mulheres sentiam-se muito bem na comunidade de Jesus atendendo a que na comunidade judaica não podiam assumir funções cúlticas. Assim assumem as funções de direcção nas novas comunidades fundadas. Paulo afirma neste espírito “já não há judeus nem gregos, já não há escravos e livre, já não há homens e mulheres, todos são um em Cristo”(Gal 3,28).

Elas são anunciadoras e apóstolas do Evangelho. Pertencem com Paulo aos que “combatem” pelo Evangelho aqueles que “se dão muito trabalho”. Eram chamadas de apóstolos, de “enviadas” tal como os seus colegas masculinos. Marcos, Mateus e Paulo designam de apóstolos os que viveram com Jesus ou tiveram uma experiência mística de encontro com Jesus depois da sua ressurreição.

O serviço do anúncio da Palavra era uma actividade missionária. Priscila e Aquila aparecem em diferentes comunidades

Havia mulheres na direcção das comunidades. Muitas vezes eram comunidades que se reuniam na casa duma para realizar o serviço litúrgico. Delas fazia parte a diácona Febe. A palavra diácono era usada na altura, fora da bíblia, para designar aqueles que desempenhavam funções responsáveis nas comunidades e entidades.

Febe já tinha a função duma directora de comunidade; Paulo chama-a “prostatis” que é uma matrona com função jurídica de protecção e intercessão. Entre outras que presidiam a comunidade era Lidia em Filipos (Act 16,14.40) e Ninfas em Laodiceia (Col 4,15) e outras como Maria (Act 12,12), Cloe (1cor 1,10) e Apia (Fil 1,2). Elas estavam no centro da liturgia. O contexto cultural e social das comunidades de então e de hoje naturalmente que são muito diferentes bem como a sua forma de organização.

Com a progressiva romanização e helenização das estruturas da Igreja foi restaurada a discriminação ministerial da mulher.

A organização como expressão social do tempo não deveria interferir tão massivamente no papel da mulher. O espírito grego era radicalmente depreciador da mulher e conseguiu-se infiltrar indevidamente em alguns sectores da estrutura eclesiástica. Naturalmente que o ser humano raramente consegue transpor o espírito do tempo encontrando-se, por vezes, subjugado a ele. Que a Igreja lhe tenha muitas vezes cedido torna-se compreensível. O que já ultrapassa a compreensão é o facto de hoje ainda haver tão pouca abertura para se começar a corrigir algumas carências do tempo. Naturalmente que um passo neste sentido significaria para Roma criar um buraco maior entre católicos e ortodoxos. Razões tácticas históricas condicionam demasiadamente o espírito a circunstâncias limitadas por aspectos culturais específicos.

Uma comunidade que fixe de antemão o papel das mulheres obriga a mulher a questionar-se sobre a comunidade. A pessoa não pode ser atada a um papel. Os tempos que correm oferecem a oportunidade à Igreja de proceder a um correctivo no sentido da igreja primitiva, no seguimento do espírito de Jesus. Jesus não se orientava pela feminidade ou masculinidade do ser humano. Este como ser completo comporta as duas. O homem para ser completo deve tentar integrar em si a a feminidade e a mulher para ser completa a masculinidade, sem perderem o seu específico. Ousemos presencializar também o futuro!

António Justo
Teólogo

António da Cunha Duarte Justo
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À descoberta da feminidade…

Nas paróquias as mulheres podem organizar liturgias específicas para elas. Esta possibilidade é porém pouco praticada. A oferta de liturgias para mulheres é uma necessidade evidente, tal como para outros grupos.

As comunidades locais não dão resposta aferida às necessidades e às expectativas duma comunidade cada vez mais diferenciada.

A Comissão episcopal alemã, através da investigação Sinus-Milieu-Studie, constatou com inquietação que as paróquias apenas dão resposta a 4 dos 10 milieux existentes na sociedade, definidos pela sociologia.

Também muitas expectativas na liturgia não são correspondidas nem se encontram aferidas às necessidades hodiernas. Para isso pessoas e grupos terão que anunciar as suas necessidades nos locais que frequentam. Se as comunidades não perder a relevância social e humana que tinham em séculos passados, terão de dar resposta às necessidades hodiernas do ser humano a caminho, transformando-se em albergues do espírito, tal como os albergues surgidos para as necessidades corporais nos tempos medievais.

Hoje muitos grupos procuram sossego, estabilidade e confiança na religião esperando uma espiritualidade da experiência interior e o sentimento de pertença. Também as mulheres querem interferir e ser tomadas a sério como mulheres em situações concretas, querem o acesso feminino a Deus. Querem participar da missão de salvação da igreja na sociedade não só duma maneira subsidiária. Seria miopia criar entraves ao carisma feminino, à mulher.

Em muitas paróquias os párocos têm ainda uma linguagem e um agir demasiado masculinos não considerando a realidade feminina nas liturgias dominicais. Um argumento tipicamente macho poderá rezar: elas vão à igreja para rezar, para se encontrarem com Deus e não para seguir o padre; Deus está para lá do masculino e do feminino. Geralmente segue-se a inércia da rotina; o pároco preocupa-se apenas com a preparação, quando muito, da homilia e o conselho paroquial com as festas e aquisições.

Liturgia de mulheres para mulheres
As mulheres estão mais viradas para a troca de experiências sobre a sua vida religiosa, e a espiritualidade.

O Concílio do Vaticano II tentou com a sua exigência “partipatio actuosa” colocar uma perspectiva nova na liturgia da comunidade. Sugere uma celebração comunitária na multiplicidade de papéis litúrgicos.

O movimento da teologia feminina levou muitas mulheres a criar uma liturgia feminina. Esta está ligada a uma compreensão de teologia feminina (RadfordRuether e Elisabeth Schüssler Fiorenza, Mary Hunt e Diann Neu) baseada na libertação da mulher e na emancipação de mecanismos de submissão. Há a necessidade de se libertarem da dominância masculina e oficial.

A liturgia feminina obedece mais a critérios de partilha de autoridade e de divisão de tarefas. No seu agir não está só em vista o produto, o fim, mas ao mesmo tempo o processo, a caminhada. Há um equilíbrio e relação intrínseca entre processo e produto. Além disso, nessa liturgia está também presente a experiência da opressão como motivadora para a mudança e criação de estruturas mais justas na sociedade e na igreja.

Uma liturgia feminina é um serviço litúrgico de mulheres, com mulheres para mulheres.
Nela se tornam visíveis as fases e situações da vida da mulher. Aí experimentam Deus a partir da sua personalidade e experiência própria.

Tais liturgias partem do seu mundo: da vida aqui e agora. Elas querem viver afinadas com a vida na unidade de pensar, sentir e agir. O homem é mais dicotómico, mais dialéctico, normalmente chega-lhe o “orgasmo” intelectual ou parcial em qualquer outro sector da vida fora da visão do todo. Elas falam da experiência. Querem uma espiritualidade não só do espírito mas também do corpo.

A sua prontidão para participar activamente e o consequente empenho possibilita-lhes, através da vivência processual, o assumir a direcção da liturgia, mesmo para aquelas que parecem mais meditativas ou retraídas.

Tais celebrações só podem ser celebradas como liturgia da palavra atendendo que a ordenação ainda se continuar a limitar à parte masculina do ser humano. Elas realizam as liturgias por força da sua espiritualidade.

A existência de liturgias femininas não quer dizer concorrência com as outras celebrações litúrgicas. A experiência da vida e a sua espiritualidade certamente colaborarão para a renovação de muitas celebrações domingueiras demasiado formais.

A comunidade local terá que dispor dum grande leque de ofertas para poder dar resposta adequada à pluralidade de necessidades e de dons. Terá que haver espaço também para o secular especialmente no âmbito da arte e de expressões específicas. A comunidade paroquial terá que se tornar expressão da realidade humana no seu todo e no seu específico. Doutro modo desintegrar-se-á da vida deixando de dar impulsos à sociedade.

No encalço da feminidade, a grande chance de futuro
Uma nova consciência implicará a descoberta dos carismas femininos. Os seus carismas têm estado na reserva, debaixo do alqueire. A visão integral terá de incluir na realidade, a perspectiva feminina superando a visão unilateral polar masculina que até hoje domina intolerante. Não se trata de traduzir apenas o vocabulário masculino para o feminino, isso seria hipócrita. A nossa sociedade é de cima a baixo masculina. Talvez os transsexuais sejam um protesto, o sinal da necessidade da mudança, da integração da feminidade a nossa vida e nas estruturas sociais e de pensamento.

Então a linguagem de Deus terá uma expressão mais feminina na paróquia e a competência social aumentará. Os serviços litúrgicos institucionalizados tornar-se-ão mais vivos, mais vida e menos desobriga. Vai sendo tempo da instituição acordar do sono da Bela Adormecida. A maternidade de Deus ainda soa estranha para uma mentalidade que abusa e padece do abuso do pólo masculino.

A necessidade da reestruturação da Igreja é evidente: a necessidade cria o órgão! …

António Justo
Teólogo
“Pegadas do tempo”

António da Cunha Duarte Justo
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Espiritualidade Feminina

A espiritualidade tem um rosto humano com diferentes concretizações e expressões dependendo estas do sexo, da idade e do carácter de cada um. Na época em que vivemos já não há uma experiência religiosa familiar comum o que torna mais difícil a frequência duma liturgia dominical comum. Duma maneira geral também não há a oferta de celebrações específicas para mulheres. As comunidades que, além das celebrações dominicais para a generalidade não oferecem liturgias da palavra específicas às várias espiritualidades da região nde estão implantadas perdem a oportunidade de dar resposta às novas necessidades das pessoas e de possibilitar futuro à comunidade. As destinatárias femininas não têm sido consideradas. Não se trata aqui de reactivarmos a discussão feminista dos anos 80 e 90 marcada ela mesma por estratégias e critérios machistas. Aqui trata-se de dar resposta ao Homem todo na sua masculinidade e feminidade, criando lugares específicos onde a masculinidade e a feminidade possam ter formas de expressão mais adequadas à mulher.
A liturgia católica é mais feminina que a evangélica. Esta porém é mais versátil na resposta às necessidades de milieu. Cada vez será mais difícil criar liturgias para a generalidade atendendo a que cada vez aparecem mais biótopos na sociedade, estes correspondem a formas de vida alternativas, mentalidades e espiritualidades que a igreja como católica deverá dar resposta abrindo os seus espaços nesse sentido. A falta de liturgias específicas conduz pouco a pouco ao afastamento físico ou psíquico do meio. As famílias com crianças até aos doze anos procuram e fomentam certas actividades de grande densidade criativa. D Tornamo-nos resistentes à voz interior a luz da chama em nós. Depois surgem outras necessidades, não tanto funcionais, já mais relativas à necessidade própria de orientação e sentido. O mesmo se diga a grupos de artistas, etc. Aqui abrem-se grandes perspectivas para as potencialidades e necessidades latentes nas populações e para uma pastoral situada na realidade envolvente.

A mulher, mais próxima da vida, quer relacionar as experiências da própria vida com a fé. Não separa, como o homem, o mundo em vários sectores por vezes estanques. Ela quer levar a vida para a igreja e trazer a igreja para a vida. (O amor não se manifesta só na cama!…).

Não se trata de ir encher o depósito como se vai às bombas da gasolina mas duma vida integral. Esta não é centrada na cabeça mas no coração, na palavra, não virada para lá das nuvens mas bem assente na terra. A sua espiritualidade tem uma expressão corporal importante.

As paróquias não dão resposta as exigências hodiernas por transcendência e espiritualidade e teimam, também por escassez de pessoal activo, continuar no entorpecimento ordinário. A falta da vivência, uma linguagem de imagens quase demasiado masculinas Deus é também maternal e não só paternal. Para a uma mentalidade masculina encardida basta muitas vezes um argumento intelectual, longe da realidade, para justificar o seu agir. Para um Deus pai e mãe isto insuficiente!

Na Bíblia encontramos diferentes imagens de Deus além de pai e mãe: a mãe águia (Dt 32,11-12); a mãe urso (Os 13,8), a que dá à luz Is (42,14), a parturiente (Is 66,7) a padeira (Mt 13,33), fogo (Ex 13,21), vento (1 Cor 9,11), chuva (Sl 68,9), água (Ez 16,9). Sob cada imagem esconde-se uma experiência de Deus própria.
António Justo
Teólogo
“Pegadas do Tempo”

António da Cunha Duarte Justo
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Um Papa Alemão – A tentativa de impedir o Naufrágio da Europa?

Nada envejável a nova missão que Razinger assume na qualidade de papa Bento XVI. Contra ele, os clássicos inimigos no sistemático ataque à religião e em especial à Igreja Católica, e o ressentimento daqueles que ainda identificam os alemães com o nazismo, não esquecendo a crítica construtiva de empenhados no aggiornamento.

A favor duma Europa com Alma
Numa época em que cada vez mais se propaga a construcção duma EU à margem e contra o Cristianismo, Roma talvez queira, com Bento XVI, acordar a Europa para a sua missão e para os valores que lhe deram o ser e a primazia no mundo.

De facto, há uma elite militante anti-cristã/ anti-ocidente que cada vez mais ocupa, na Europa, os lugares estratégicos da política, das universidades e dos media. Danificados da Geração de 68, desiludidos marxistas e militantes do racionalismo modernista ditam o discurso público e a subsequente ditadura relativista com a consequente banalização da vida e dos padrões morais nivelados a um plano de base primitivo que deve servir de plataforma social e ética àquela Europa que atingiu os lugares mais altos da ética, da filosofia e da civilização: uma afronta ao pensamento sério europeu e uma traição aos nossos antepassados. Instalada a sensura mediática e do politicamente correcto evitam qualquer discussão séria. O podium das nossas praças públicas é ocupado por intelectuais ou pseudo-intelectuais marxistas e acólitos políticos e religiosos. O que interesse não é o saber mas a opinião. ”Estrangeirados” e desacautelados põem à disposição a civilização ocidental esvaziando-a da sua herança judaico-cristã, alheios a Platão, Aristóteles e à história da filosofia europeia, exterminam a sua identidade subterfugiando-se numa confusão multicultural abandonadndo o campo ao esoterismo e ao islão. Querem uma Europa à la France do séc. XVIII, laicista ateia , sem alma, compatível com o islão e, quando muito, com uma religião egocentrista à la carte: racionalismo e irracionalismo de mãos dadas. Assiste-se à tentativa de se instaurar um projecto de União Europeia politeista esquecendo que o garante da pluralidade cultural e do universalismo foi apenas possível com o monoteismo, o monoteismo judaico-cristão. Não chega só a apologia da razão nem só a da religião. No dizer de Razinger a política é o reino da razão moral, o reino do presente e não o reino do futuro no que ele tem de transcendente.

Um Papa Alemão nos Estilhaços da Luta Cultural
Na Alemanha, coração da Europa, o processo da descristianização e a saudade pelos antigos deuses bárbaros em rivalidade com a mundivisão cristã são evidentes. A defesa do mundo nórdico à custa do mundo latino, a defesa do politeismo contra o monoteismo não são apenas práticas de Verdes e duma certa esquerda à la Joschka Fischer, Con-Bendit e Schröder mas de muitos outros que vivem do sistema e da demagogia.

Numa altura em que o espírito da época tudo escraviza, 100 cardeais elegeram um homem que está para todo o mundo na sua missão de unidade e de renovação. As peregrinações espontâneas de pessoas para Roma e o interesse mundial testemunham a saudade dos fieis por sentido e constituem um desafio ao Papa, à Igreja e um apelo à ciência e à política.

Ele, além de defender a fé terá que convencer, o que não é fácil num tempo em que a sensualidade se quer dogmaticamente impôr. Bento XVI, foi mundialmente muito acolhido; na Alemanha, o país de Lutero em que o número de católicos e de protestantes são iguais, o Papa é mais contestado atendendo à disputa e à luta cultural sempre presente nos media e na sociedade. A exigência de abertura da igreja no sentido de dar maior relevo ao papel da mulher e à unidade dos cristãos dominam a opinião pública. Por isso Ratzinger era visto como o mestre repressor a nível ecoménico pelo facto de defender a primazia da Igreja Católica e dos seus princípios e de ser contra a ordenação de mulheres e contra o aborto. Facto é que o ecomenismo não pode reduzir a igreja católica a uma igreja evangélica. Isto iria contra o pluralismo.

Este papa não é nenhum fundamentalista mas sim um conservador intelectual lúcido que se empenha na defesa da paz e da justiça. É natural que 87% dos alemães esperem reformas na Igreja. O movimento católico reformista “Nós somos Igreja”(Wir sind Kirche) afirma que a Igreja “não pode continuar assim fechada aos problemas sociais”.

Ratzinger foi perito no Concílio Vaticano II(1962-1965) e era defensor do programa “Aggiornamento”, que pretendia aproximar a Igreja Católica ao mundo moderno. Em Tübingen Joseph Ratzinger partilhava a cátedra em dogmática católica com Hans Küng. Mais tarde houve desacordo entre os dois e Ratzinger passou em 1969 para a universidade de Regensburg sendo eleito arcebispo de Munique em 1977 e em 1981 Prefeito da Congregação da Fé no Vaticano (uma espécie de tribunal constitucional). Seus inimigos apostrofavam-no de carro blindado de Deus, de grande inquisidor e de Rottweiler de Deus, ao confrontarem-se com a sua capacidade intelectual científica a nível de visão e de argumentação. Ratzinger foi sempre um céptico relativamente ao iluminismo e consequentes ideias modernistas que conduzem a um liberalismo sem rédeas; foi uma crítico forte do carácter marxista da teologia da libertação; a fé católica orienta-se não só pela bíblia (como nos reformadores) mas também pela tradição da igreja; sabe que a ordenação de mulheres corresponderia a um maior distanciamento da igreja ortodoxa; ele orienta-se mais pelos padres da igreja de espírito platónico como Agostinho e Boaventura do que pelos da linha aristotélica como Tomás de Aquino; quanto à colegialidade Ratzinger era contra um centralismo exagerado de Roma em favor das igrejas locais; quanto à guerra e à paz ele opta pelo pacifismo, visto como programa no seu antecessor Bento XV e na fé do Novo Testamento que não conhece revolucionários mas testemunhas da fé; Razinger acentua a primazia de Roma e a celebração de liturgias em comum; quanto à SIDA defende que o melhor meio contra ela é o combate à pobreza e a fidelidade matrimonial; quanto à infalibilidade defende-a em questões de fé e de moral; na ciência defende a precedência do magistério perante a liberdade da teologia (contra teólogos que em suas cátedras querem falar ex catedra contra quem os colocou na cátedra); purgou o marxismo da teologia da libertação que ao defender o uso do poder militante corria o risco de se tornar uma religião política e militante tal como é o caso da religião muçulmana na sua essência.

Muitos esperam que o cardeal Ratzinger ao passar da missão de defensor da fé para Papa inicie um processo de mudança.
A maior parte das pessoas forma o seu juízo de valor na base das letras gordas dos jornais. Por outro lado os comentadores vivem do comentário e não transmitem, geralmente, o pensamento autêntico, atendendo também ao público alvo que querem atingir e à complexidade de uma discussão profunda. Nesse sentido recomendo a leitura do brilhante Ratzinger que como pessoa simples e humilde se expressa muito simples e claramente nos seus livros, sobre os problemas mais actuais: “Sal da Terra”(Salz der Erde), “Deus e o Mundo”(Gott und die Welt) (estes dois em forma de entrevista), e Valores em Tempos de Mudança (Werte in Zeiten des Umbruchs), Introdução no Cristianismo(Einführung in das Christentum) são livros indispensáveis para quem quiser avaliar, pensar por si e perceber um pouco da Europa, do cristianismo e da sua filosofia não se limitando apenas ao folclore. Este papa na continuação duma Igreja que deu forma à Europa aparece no momento oportuno em que esta se encontra numa odisseia.

António da Cunha Duarte Justo
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