Ângela Merkel Chanceler alemã: O Rosto do Poder feminino

O Governo de Coligação CDU/CSU/SPD tem lugar para optimismo

 

António Justo

O governo da coligação está de pé e traz a cesta básica (o cabaz dos bens necessários) com prendas para todos. Ângela Merkel, a “mãezinha”, como a chamam (uns com afecto, outros com desdém), é chanceler pela terceira vez consecutiva.

Para não perder tanto a influência do seu partido, aumentou os cargos governamentais e assim satisfez os desejos do SPD e CSU. Deste modo assegura indirectamente o poder governativo que, em muitas iniciativas legislativas, precisará da aprovação do Bundesrat (Conselho Federal) onde o SPD tem a maioria. Este governo soube também secundar-se de grandes especialistas independentes que aconselham os vários ministérios.

A Chanceler quer uma Europa reformada, forte e sem medo ao lado da China da Índia e do Brasil. Quer que os asiáticos não admirem a Europa só pelas suas igrejas mas sobretudo pelas suas inovações; não nos quer ver “morrer como museus”, citam-na os jornais!

Membros do Governo

Ângela Merkel (CDU) é a antiga e nova chanceler; Sigmar Gabriel (SPD), é o Vice-Chanceler e Ministro da Economia e da Energia; Frank-Walter Steinmeyer (SPD), Ministro dos Negócios Estrangeiros; Wolfgang Schäuble (CDU), Ministro das finanças; Thomas de Maizière (CDU), Ministro do Interior; Úrsula von der Leyen (CDU), Ministra da Defesa; Haiko Maas (SPD), Ministro da Justiça e dos Consumidores; Andrea Nahles (SPD), Ministra do Trabalho e Assuntos Sociais; Hermann Gröhe (CDU). Ministro da Saúde; Manuela Schwesig  (SPD), Ministra da Família; Joana Wanka (CDU), Ministra da Educação e Pesquisa; Alexander Dobrindt (CSU), Ministro dos Transportes e da Infraestrutura Digital; Barbara Hendricks (SPD), Ministra do Ambiente e Habitação; Gerd Müller (CSU), Ministro do Desenvolvimento; Peter Altmaier  (CDU) Ministro do Kanzleramt; Aydan Özoguz (SPD), Ministra de Estado para Migração, Refugiados e Integração; Monika Grütters  (CDU), Ministra de Estado da Cultura e dos Média;  Hans-Peter Friedrich (CSU), Ministro da Alimentação e Agricultura.

A grande surpresa foi a nomeação de Úrsula von der Leyen para Ministra da Defesa, para chefe de uma instituição com 255.000 soldados e civis. A este propósito, o jornal HNA cita vice-presidente da CDU na vontade de reformas com as palavras: ”Talvez se vá tornando tempo de um homem se tornar Ministro da Família e da Mulher”. Talvez os cristãos democratas queiram introduzir um novo estilo de comandar e obedecer! Von der Leyen, mulher corajosa de 55 anos, promete ir longe; Merkel coloca-a num cargo difícil mas o seu exemplo pode ajudá-la!

Wolfgang Schäuble é o tesoureiro e homem forte da nação; a política europeia fica nas suas mãos e nas mãos de Merkel.

Frank-Walter Steinmeyer não assume comulativamente o cargo de vice-chanceler que tradicionalmente pertencia ao MNE. Muitos esperam dele que a política exterior saia da sombra dos USA e da Grã-Bretanha; isto seria por outro lado incómodo porque a Alemanha teria de abandonar a política da discrição tendo de se comprometer mais na “estabilização” da periferia o que fatalmente levaria a investir mais em armas de intervenção.

 

O Rosto do poder feminino

O acordo de coligação também é fruto do poder feminino discreto na procura de um denominador comum, que deixa a filharada pular e saltar mas só na hora do recreio. Ângela é mulher natural que se não deixou dominar pela afectação masculina do poder. Depois desta legislatura talvez seja a mulher mais propícia para governar os destinos da Europa como presidente da União Europeia.

A sua capacidade feminina fez dela a mulher mais poderosa do mundo num Mileu dos homens. O poder já não tem género e aqui revela-se feminino, pelo menos no seu modo de ser. O poder feminino é imperceptível e discreto. A chanceler apresenta-se reservada e respeitadora; até na propaganda eleitoral estava mais interessada em destacar a semelhança do que a diferença; preocupava-se em mencionar os argumentos e contra-argumentos de cada matéria de interesse; nunca se perdeu em rectóricas, o que era próprio dos concorrentes masculinos. Assim nunca tem a perder penas de auto-apresentação. A base do seu poder está na defesa da Alemanha como povo, no respeito dos parceiros da coligação e no partido CDU que, discretamente, vai mudando e deste modo tornando os outros partidos cada vez mais compatíveis. Rodeia-se de mulheres e homens em quem confia; por isso mesmo todos a temem e respeitam. Tornou-se numa moderadora indispensável para a nação. Para ela o governar é um trabalho normal. A filha de um pastor e esposa de um professor universitário não sofre do desejo de dominância nem de aparecer; o seu poder é temido porque natural e discreto. Domina como a mãe consciente de ter filhos também gabirus mas ciente que todos são seus. Na vitória mostra-se soberana e feminina; a sua modéstia não lhe permite alardes de senhora triunfal. Merkel conseguiu 462 votos dos 621 votos válidos o que corresponde a 74,39 dos votos. Esta coligação tem poder para apostar no bem do povo. No parlamento tem uma oposição de 20% dos deputados. A única consolação que esta teve na eleição da Chanceler foi verificar que 39 deputados da coligação se abstiveram na votação.

Toda a nação segue os passos do governo. O povo odeia políticos que não se preocupem com o bem-comum. Como a chanceler não fez promessas tem um certo âmbito de acção nesse sentido. A chanceler já definiu a grande coligação como a “coligação das grandes tarefas”. Os rebuçados já os distribuíu ao parceiro SPD no pacto da coligação. Resta desejar que este governo continue o tempo das vacas gordas para poder incrementar a família, as reformas e dar solução ao buraco demográfico e dar continuidade à obra do século que é a transição energética. Então talvez reste algo para a EU. Esta mulher que tem sido uma bênção para o bem-estar do povo alemão talvez se possa tornar numa bênção para o bem-estar da Europa.

António da Cunha Duarte Justo

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NATAL MEDITADO

NATAL HOJE

António Justo

Quando era pequenino, andava de colo em colo, colhendo o fruto das cores do arco-íris. Entretanto crescido, tornei-me um rei mago a caminho do presépio a levar ao menino um sentimento agradecido na forma de pétalas olorosas colhidas a caminho; não vou movido por pecado nem culpa, sinto-me apenas impelido por um afecto reconhecido de ter algo para oferecer.

No menino estás tu, estou eu, sem culpa nem dever, com o sol da manhã sempre a amanhecer. Tu, meu vizinho, Deus Menino, não me carregas com culpas nem pecados, és um inocente menino. Um menino Deus como tu, anda por aqui à procura de um abrigo, em nome do céu, da política ou de alguém, sempre adiado, na procura de Belém.

A ida ao presépio é uma descida à gruta do coração onde a vida se oferece longe do bulício. No presépio se une Céu e terra, a humanidade também. Aí, no silêncio de mãos erguidas, jorra a água límpida do amor, jorra viva sem as cores de leis, concepções e credos. Aí, na escola maternal, antes da história da matemática e do catecismo, vou descobrir a dimensão de ser céu e terra à luz do sol.

Em Jesus descubro o caminho aberto para Deus que é felicidade. Não é um livro, mandamento nem dogma. É uma pessoa caminho, a caminho sob a mesma chuva, sob o mesmo sol. A pessoa é mais que um livro aberto. Um livro, uma ideia, um mandamento também pode torna-se em tropecilho a desviar do caminho. O Homem não é só ser, é tornar-se, é ser indefinido na definição, porque é in-formação; é o in a passar-se na forma como o sol pela vidraça. A alegria e a tristeza, não são vida, são apenas nuvens e abertas no alto, segredos de anjos nas asas do tempo a acenar.

No teu interior (presépio), no seio da igreja espiritual, germina o eterno que quer tornar visível a realidade mística da feminidade a dar à luz o infinito.

Toda a natureza se encontra nas dores de parto, toda a pessoa se acha em choque, a dar à luz num momento deslumbrado. A dor do grito desconsolado não encontra guarida nem alívio porque é impulso no seio do mundo a afastar a treva do corpo. A treva na procura do sol de aleluia.

Em cada um dorme um Deus-menino à espera de realização; em cada pessoa se encontra um corpo presépio, a feminilidade a querer dar à luz o salvador. No presépio somos todos um. Este um, passa a ser mãe, passa a ser filho e pai também. Cada um é mais que o mundo porque traz em si o eu, o tu e o nós, o eu e o universo numa aparição concretizada na Segunda Pessoa a caminho do Pai.

António da Cunha Duarte Justo

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Uma Cultura a gerar Filhos de Ninguém – O Ocidente

Sapatinho de Natal > Santa Claus > Pai-Natal

 

António Justo

Quando era pequenino quem trazia as prendas de natal era o menino Jesus; de 24 para 25 de Dezembro, pela calada da noite, ele colocava-as na lareira junto aos sapatos.

 

Com a comercialização da sociedade foi-se impondo o Pai-Natal (Papai Noel), vindo do Polo Norte num trenó; um homem rechonchudo, alegre e de barba branca vestido de vermelho e com um gorro caído virado para a terra. Os americanos protestantes (USA e Canadá – não inclinados para o culto dos santos) e propensos ao capitalismo, em vez de importarem da Europa a tradição católica do menino Jesus e do sapatinho à lareira ou do São Nicolau, criaram a figura do Pai-Natal, em 1860, à imagem da tradição nórdica do S. Nicolau. A substituição do bispo, que oferecera a sua grande herança aos pobres, pela figura do Pai-Natal, foi comercializada nos meados do século XIX pela empresa Coca-Cola. Pai Natal é a substituição secular do “Menino Jesus”

 

“Menino Jesus”, São Nicolau (Santa Claus), Pai-Natal, são nomes que se dão à personagem que traz os presentes na Véspera de Natal, (24 de dezembro), ou no dia de São Nicolau (6 de Dezembro).No Natal faziam-se prendas para lembrar a oferta de Cristo à humanidade; como fomos prendados continuamos a prendar os outros.

 

É interessante verificar, duma perspectiva sociológica, como cada época e povo cria/transforma as suas tradições à medida da sua alma e do seu ideário central. Este torna-se como que a estrela de Belém atrás da qual todo o mundo corre. As exterioridades folclóricas permanecem as mesmas; muda apenas o seu conteúdo cada vez mais feito de superficialidades, a nível de massas.

 

Se observamos a natureza tudo se desenvolve do interior para o exterior. O exterior chama a atenção para a vida interior a ser transmitir. Nos tempos em que a preocupação do ser humano com suas instituições se centrava mais nos bens interiores e na comunidade, as suas instituições preocupavam-se com a integração do novo na sua alma.

 

A Igreja Católica, no seu contacto com os povos bárbaros, respeitava o cerne das suas crenças procurando integrá-las no seu firmamento metafísico. Assim, num processo de aculturação e de inculturação dava profundidade e resposta aos mitos de povos e culturas, integrando num conceito global diferentes arquétipos da sociedade e do Homem. Nos mitos (arquétipos) encontra-se a simbologia plastificada da realidade humana para além do momento histórico. Por isso a verdade mitológica é mais real/verdadeira que a verdade histórica; esta é apenas o resultado do agir no sentido da concretização dos mitos.

 

Uma cultura a gerar filhos de ninguém

 

Com a acentuação da modernidade e do secularismo tem-se dado o processo inverso, iniciando-se assim a exoneração da cultura ocidental. O comércio apodera-se dos mitos cristãos para os desmiolar num processo de secularização desespiritualizadora para os instrumentalizar em seu benefício. Neste processo, em vez de um procedimento de enriquecimento e de interiorização no sentido da continuidade comunitária dá-se o contrário, a mera exteriorização sem ligação ao interior, apenas centrada no sentido da parcela e do momento. Só conta o embrulho que deslumbra o mundo. Tal como o protestantismo expressou o início do fim da cultura medieval agrária (fim do domínio dos países latinos) e o início do domínio nórdico baseado mais no fomento do capitalismo (do direito do indivíduo contra a comunidade), observa-se hoje o início da destruição da cultura ocidental através do globalismo financeiro. É preocupante dar-se conta dos paralelos entre a relação protestantismo-catolicismo como indicadoras do início de uma nova era no século XVI e a relação cristianismo-secularismo da actualidade, como início do abdicar da civilização ocidental e o início de uma sociedade anónima orientada pela pseudo-ética de um utilitarismo universal. Encontramo-nos no início do fim.

 

Os símbolos religiosos são substituídos por símbolos comerciais centrados no negócio e já não no ideário cristão. Deixam de ser arquétipos (modelos da alma e da civilização) para se tornarem símbolos do capital e do comércio ao serviço de necessidades artificiais. A relação humanista dá lugar à relação comercial. Ao ignorar a sua bondade inicial interior, o Homem torna-se a sua própria fera.

 

Na análise que aqui faço apenas me limito a referir um pequeno aspecto cultural, um sintoma limitado mas sintomático da autodestruição sistemática duma grande civilização que parece odiar-se a si mesma.

 

Quem melhor quiser conhecer a alma das civilizações e das culturas observa-lhes os seus mitos, a sua alma. A autodestruição da civilização ocidental é imparável ao reduzi-la ao seu aspecto de permuta económico-comercial e que se torna patente na substituição do Nicolau pelo Pai-Natal. O São Nicolau tinha uma mitra com a ponta a indicar para o céu e a ponta da barba a apontar para a terra; tinha o corpo em posição direita a indicar respeito e relação com a transcendência e o bastão da autoridade. Nicolau é o símbolo da autoridade não autoritária que proporciona lugar para o crescimento dos outros de modo a tornarem-se adultos.

 

Sem o poder e a influência que representa a propaganda Coca-Cola, o Pai Natal não teria transferido tão depressa os países protestantes. Hoje ele tornou-se na expressão da sociedade de consumo em que vivemos. O Pai-Natal, não vem do céu, vem dos países frios do norte e é expressão dos valores da nossa sociedade. Em vez da tiara simbolizadora da espiritualidade e do alto, o Pai Noel traz um gorro vermelho virado para o chão. Tem as proporções corporais de uma criança de três anos e um nariz grosseiro batatudo a puxar para baixo; é infantil, com um saco aos ombros pronto a distribuir o seu conteúdo. Deixou de ser um arquétipo da alma para se tornar a documentação duma sociedade de consumo em regressão.

 

A Vida do Presépio é Espírito ainda não materializado

 

Uma sociedade sem mitos empobrece e é abafada; uma sociedade sem natal é escura e sem perspectiva transcendente; natal é o tempo do dar à luz, é o tempo dos símbolos e dos contos de fadas e das crianças. (“Se não mudardes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus” (Mat.18.3).)

Não se trata de recordar apenas algo que aconteceu no passado. O mito é uma verdade e não uma fantasia (Na linguagem coloquial a palavra mito é usada como algo fruto da fantasia). Mais importante do que o acontecido no passado é a verdade do que está sempre a acontecer, ontem, hoje e amanhã, em diferentes dimensões. Mito é teologicamente algo/verdade sempre a acontecer em nós e na comunidade.

 

O Evangelho fala apenas do nascimento de Jesus na “manjedoura de um curral” em Belém e de pastores e magos (três reis) que o visitam. Na descrição da infância de Jesus mistura-se a realidade da História com a realidade das metáforas.

 

A procura de um lugar para a criança divina, longe da terra natal, é naturalmente uma metáfora. A alma não é oriunda da terra, nós vimos de outro lugar e não somos deste mundo. O mundo não é um albergue afável e quente. No nascimento virginal acontece algo completamente novo e inexplicável (Também aparece no budismo e no taoismo). Jesus é também o nosso arquétipo e como tal mostra que também nós temos uma mãe terrestre e ao mesmo tempo temos origem celeste, somos seres espirituais. Esta origem espiritual foi por nós esquecida. No nascimento virginal o pai é espiritual e como tal desconhecido. Jesus conhecia o seu Pai. O pai de todos nós é em certa medida o grande desconhecido. Somos todos filhos de Deus e a nossa vida é uma busca do grande desconhecido! A pessoa de fé vive da ressonância da presença divina em si e no mundo, ela tem a consciência de a ter presente no seu interior.

 

Há a verdade histórica e a verdade da alma e espiritual. A criança divina no presépio não se relaciona apenas à realidade histórica do seu nascimento (Belém/Nazaré) mas é também símbolo e garantia da criança interior em nós.

 

A criança não nasceu em casa, na própria terra; foi nascer em terra distante. Para que nasça algo novo em nós teremos de abandonar os velhos hábitos, teremos de abandonar a nossa casa, a segurança do dia-a-dia que não é albergue nem lar definitivo. Na pobreza do espírito, depois de despidos do nosso saber, das certezas e opiniões, depois de nos tornarmos pequeninos e depois de ter morrido o poder e a violência de Herodes em nós, então seremos o presépio onde a criança surgirá. A criança divina não ameaça nem usa poder. Não podemos continuar a esconder Jesus como fizeram os seus pais a caminho do Egipto (metáfora), numa fuga contínua ao perigo. Possuímos o sangue real. Jesus provém dos tronos de David e de Deus.

 

Em cada um de nós dorme uma criança, o eu original. A verdadeira realidade é invisível e só acessível pelo coração. O caminho é estreito. Para se chegar ao fundo da gruta, ao reino da criança divina em nós, vale a pena tentar ultrapassar a barreira do medo em nós, deixar o estresse, para chegar onde tudo é bom, onde nos sentimos bem e como feitos e envolvidos em muitas realidades. A nossa criança interior encontra-se atafegada em nós por medos e certezas, por fugas e corridas, vive amedrontada pelo barulho das nossas razões e opiniões. Jesus, o divino infante, encontra-se na concha do nosso interior, ele é a natureza da nossa ipseidade à espera de ser ouvida. Do fundo do reino da verdade, a divindade quer falar, quer ser ouvida, já não através da cabeça mas no silêncio do coração. Em cada um de nós encontra-se prisioneira a outra parte de nós, a nossa parte divina, onde a criança definha à espera de ser ouvida.

 

António da Cunha Duarte Justo

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Meditação – O Espírito entornado

 

DEUS NO MEU VIZINHO NÃO É PERFEITO

Por António Justo

Deus, meu vizinho, encoberto numa vida ao lado, ali, lado a lado de ti e de mim, ele brilha no fluir do rio, a correr no olhar de uma criança; acolá mais abaixo ele acena no sofrimento encalhado no remoinho de uma vida entornada no sentimento do tempo encurvado numa velhinha; mais além, o meu vizinho esconde a sua voz de criança a chamar o bulir das folhas no vento que estremece a noite e o dia na alma de quem passa.

Deus, meu vizinho, perde a voz nas pegadas do silêncio; ele é dentro no sentimento e é fora no pensamento. Como o sino, ele ressoa fora e dentro, fora e dentro, na ideia e sentimento.

Ele está em nós e entre nós; a sua voz de criança fala fora e dentro. O meu vizinho não é perfeito quando a sua voz fica só no pensamento.

Deus  revela-se uma desilusão para quem quer um Deus perfeito, ou à medida duma ferramenta mental que só conhece a dimensão do dentro ou do fora, do afirmar ou negar. Ele é o companheiro de jornada a mostrar no seu filho a nossa natureza humana e divina. Nele encontramos os nossos trabalhos, necessidades, aspirações e alegrias. Nele nos encontramos completos e cientes de que as horas do calvário são apenas sextas-feiras ao longo da vida.

A vida é uma caminhada, com uma quadra no monte calvário e uma auréola de pôr-do-sol. Essa cruz torna-se, no dia-a-dia, numa árvore, onde os passarinhos fazem ninho na esperança de novos passarinhos. Ao longo da viagem encontra-se a mesma expectativa no verde das folhas e no verde da esperança a brotar no horizonte da subida.

No verde redimido e nos frutos libertado, sigo o encanto guiado pelo aroma e pela ressonância da fluência da vida. Neste estado já não há atraso. Posso permanecer inteiro num gesto, numa folha, num ser, que se torna meta e caminho. O mar terreno da vida transforma-se em superfície divina a brotar o sagrado. Já não há bem nem mal, além nem aquém, apenas um estado de gravidez a dar à luz Jesus num despontar de luz em cada ser a agradecer.

No outro lado da morte as luzes também brilham a arredar a sombra que o sol arruma do outro lado da noite. O dia morre na noite, a morte morre no dia, tal como o ruído cinzento das cidades se vai no arredar das nuvens e no gorjear das gaivotas.

A violência é dia nas sombras da cidade, nos seus becos sem saída se junta a dor.

Nos becos da vida, o mundo reúne a dor para com ela subir ao calvário e nele limpar o pó do rosto de Deus no Homem ofendido. No meu caminhar sigo a divindade no sol por trás das nuvens. Elas encobrem-na, mostram o meu escuro na sombra da cruz a indicar a direcção da terra reconciliada.

A sombra que encobre o Sol do meu dia-a-dia é a mesma sombra que oculta a verdade no rosto das criaturas, na roupagem das instituições. A sombra multiplica-nos e esconde-nos na sensação de alguém nos acompanhar. Por isso, os nossos monumentos se enquadram melhor com a natureza; na sua sombra cintilam, brilham mais nas ruínas. Lá, onde o brilho das fachadas já não deslumbra, repousa o silêncio a surgir no verde que cobre o ruído da glória e viabiliza a liberdade criadora.

Também por baixo da grandeza dos palácios e dos templos se esconde o sustento, o espírito humilde e nobre que os fez crescer. Hoje, o espírito retido neles sobe à torre em lânguidos brados. Na paisagem ecoa o seu sofrer de volta ao alto no olhar das árvores e no vozear dos cães, enquanto, no fundo da encosta, um barulho chão salta e grita, apertado, entre muros partidários, jurídicos, científicos, económicos e religiosos. Muros contra muros atordoam a paisagem.

Também a voz do mundo inveja e combate, nos muros das igrejas, a sombra dos próprios muros. Desconhecem, contudo, o espírito que ergueu aquelas catedrais e que elas mantêm encoberto. Querem uma religiosidade sem corpo nem vínculo, uma religiosidade à la carte, a seu modo, sem igrejas nem personalidade. Uma religiosidade cor-de-rosa, do sentir-se bem individualista, que reprime e afasta o espírito religioso maternal para o sótão do intelecto, um ponto sem tempo nem lugar. Aquele espírito encoberto e derramado na alma dos fiéis continua imperceptivelmente, presente e vivo, a entrar nas igrejas e a fluir nos corações das pessoas. O espírito divino, a nossa alma, andam derramados na borda da calçada.

Como seres corpóreos construímos organizações e templos onde espírito e corpo se congregam e conservam o calor da memória. As pedras das catedrais, as instituições acompanham-nos dando assistência ao nosso corpo para que as nossas almas, o nosso espírito, acompanhado no paráclito se junte em comunidade para aí realizar a união da pessoa à comunidade. As pedras dos templos e as instituições não são o espírito líquido que precisamos, elas são apenas fontanários. Se os negarmos com o pretexto de serem pedras juntas, teremos de rastejar pelos regos da calçada para dela bebermos o espírito entornado. O espírito como a água brota do fundo da terra depois de recolhidas as bênçãos por onde passou.

O tempo que corre é doce, anónimo e despersonalizante. Vive-se no crepúsculo da cultura, sem tecto moral, ao sabor dos habilidosos do saber que lançam na noite os seus fogos de vista. Encontramo-nos desalojados de nós próprios e levados pelas ventanias da opinião, sempre expostos à chuva duma moral ácida. No crepúsculo da cultura o Espírito anda por aí a estender-nos a mão.

António da Cunha Duarte Justo

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Reforma complementar para quem tem Filhos?

A Alemanha pensa no Futuro mas a União Europeia não

Portugal a caminho da Santa Casa da Misericórdia

 

António Justo

 

Os sistemas de Reforma actuais castigam quem tem filhos, metem a mão na carteira dos reformados e não estão aptos para o futuro.

 

Segundo os meios de comunicação alemães, embora o património (superavit) do fundoalemão de pensões conte com um superavit de 31 bilhões de € no fim de 2013, o futuro das pensões não é estável. Cada um terá de assumir responsabilidade quanto ao seu futuro não podendo o Estado arcar sozinho com tal encargo.

 

Apesar da imigração de gente nova para a Alemanha, segundo estimativas, no futuro, o fundo de pensões precisará de grandes subsídios de fundos fiscais do Estado. Fala-se já desde 1980 na necessidade de seguros privados como segunda coluna das reformas.

 

Para, no futuro, não haver aumento de contribuições para a reforma, o Info-Instituto de Munique apresentou uma proposta de solução. Segundo o seu presidente, Prof. Werner Sinn, daqui a 20 anos, um trabalhador empregado terá de financiar dois reformados numa Alemanha que actualmente concebe 8,1 crianças por 1.000 habitantes.

 

Maiores encargos para trabalhadores sem filhos

 

A reforma actual, que corresponde a um salário médio de 46%, não poderá ser mantida; o Instituto conta com a sua descida para 30% em meados deste século, o que corresponderia à previdência social (assistência aos pobres) de hoje. Por isso o Instituto quer maiores encargos para trabalhadores sem filhos. Na realidade os impostos e contribuições já atingiram, há muito, a barreira da dor! Sinn quer que os filhos que entrem em emprego remunerado, paguem, paralelamente para o actual sistema, uma contribuição complementar que iria beneficiar a reforma dos pais reformados (por outro lado a contribuição destes seria compensada pelo Estado).

 

Quem não tem filhos, para conseguir uma reforma digna, teria de investir ou pagar para a segunda coluna de pensão (um seguro privado) com 6 até 8% do seu rendimento (ilíquido), até porque não suporta a carga com a educação dos filhos. Quem tem filhos recebe um aumento de pensão financiado por todos os trabalhadores. Quem tem mais de três filhos não precisa de contribuição complementar. Assim prevaleceria o velho sistema complementado pela segunda coluna da previdência privada. Pessoas mesmo pobres sem filhos viveriam da previdência social. Prevalece porém o problema de quem tem salários baixos que então terá pensão baixa. Esta proposta iniciaria uma política boa para a família.

 

“Uma sociedade que pretende ser provida na velhice tem que poupar ou criar filhos que a abastece… Um filho que tenha descendência, com uma média de vida de trabalho, contribui, ao longo da sua vida, para o fundo de pensão, com mais 77. 000 € do que custa, segundo o Instituto”(Cf. http://zu.hna.de/rente).

 

 

Na Alemanha, o Tribunal Constitucional obrigaa política, neste momento, a contemplar para as mães o direito de cerca de 50 € de reforma por filho, dado as mães serem o fundamento do sistema de pensões.

 

Irresponsabilidade duma EU sem projecto de futuro

 

O impacto do défice demográfico e a ganância antissocial da plutocracia que temos compromete seriamente não só o futuro das pensões mas o futuro da civilização.

 

“Sauvegarde Retraites” mostra, através de um estudo, as dimensões que explicam a catástrofe que nos espera. A fraca natalidade e o esbanjamento para as elites tornam as reformas cada vez mais inseguras. A EU, para dar lugar à entrada de funcionários de novos Estados-Membros (Polónia, etc.) manda funcionários de outros países que vão receber entre 12.000 e 14.000 € mensais de reforma depois de 15 anos de serviço sem pagamento de quotas e 340 empregados vão para a reforma antecipada com uma pensão de 9.000 € mensais. Mais ainda, um Supervisor Adjunto da Protecção de Dados depois de quase dois anos de serviço passa a receber uma reforma de cerca de 1.500€ mensais, o equivalente ao que recebe um assalariado francês do sector privado com uma carreira profissional de 40 anos. A mesma EU recomenda para o vulgo dos Estados-Membros o alongamento das carreiras profissionais de actualmente 40 para 42 anos em 2020.

Um funcionário das instituições da EU, sem qualificação específica, recebe cerca de 3.000 € de reforma.

 

Não há fé que consiga ter estômago para isto: a EU fiscaliza os Estados obrigando-os a apertar o sinto e, por seu lado, concede aos seus tecnocratas reformas sumptuosas, enquanto aumenta o tempo de serviço para os cidadãos normais.

Uma sociedade sem crianças morre e o recurso à imigração como meio de compensação da falta de nascimentos vem também criar problemas de integração graves, quando se trata de imigrantes de cultura muçulmana.

A EU experimenta em Portugal a destruição da classe média para depois a poder estender aos outros países membros!

Portugal a caminho da Santa Casa da Misericórdia

A EU e com ela a sociedade ocidental encontram-se em plena fase de autodestruição e em intensa preparação do seu enterro. Não se trata apenas duma luta contra a classe média ou contra um Estado. A sua exercitação dá-se já na Grécia e em Portugal.

Portugal prossegue, desde o 25 de Abril uma política adversa a quem tem filhos e destrói-se ao provocar a emigração dos seus melhores filhos! Em Portugal, o abono de família é miserável, fomentando, quando muito, as mães da camada desfavorecida da sociedade. As pensões, em Portugal, contra todas as garantias do Estado, são diminuídas a partir de 670 €, devido à má administração do Estado. Apesar disso, Ex-gestores de bancos falido recebem dezenas de milhares de € de reforma.

A inflação é superior à taxa de juros concorrendo para um futuro incógnito e com piores perspectivas

Para termos a ideia do que está a acontecer em Portugal dou o exemplo de uma colega minha que se aposentou há 2 anos e 6 meses com um ilíquido anual de 32 746 €, ficando então a receber anualmente um líquido de 25 900 € encontrando-se agora com um líquido anual de 18 360 €. Perdeu um líquido de 7.540 € anualmente. O maior roubo está a acontecer na classe média. Em Portugal está a experimentar-se na classe média o que a ditadura económica poderá mais tarde impor aos países mais fortes da EU.

Muitas das pessoas em situação delicada gostariam de abandonar Portugal para tratar da vida mas já se encontram sem forças para a recomeçar noutro ponto do planeta.

As pessoas procuram reduzir as despesas onde é possível, até porque a inflação continua, e a eletricidade, a água e a gasolina estão sempre a aumentar. Está-se a preparar a recessão, planeada por políticos e por uma política irresponsável que não tem ideia de para onde vai!

António da Cunha Duarte Justo

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