A COR DO PRESIDENTE

Uma Era Incolor
António Justo
Afinal o mundo não parece tão mau como é. Desenvolve-se, pouco a pouco, devido à coragem e ao espírito de resistência de alguns. A eleição de Obama para Presidente só pode ser compreendida no processo de desenvolvimento humano manifestado na luta de Martin Luther King.

Não sei se o problema da designação da cor da pele constituirá só um problema dos “brancos” e da sua má consciência ou também estará carregada de sentidos para os “pretos”. Pelo sim e pelo não, o facto de se colocar a questão revela que não nos somos indiferentes e mostra a vontade de queremos ser mais justos uns com os outros e o desejo de nos entendermos. De facto, a ideia leva à acção, como demonstra o hipnotismo.

Objectivamente falando Obama não seria preto atendendo a que o pai era preto e a mãe era branca. Apesar de filho de mãe branca Obama Barack é tido como preto ou negro. Para alguns a palavra preto está sobrecarregada de ideologia discriminatória. Recorda uma história que deveria colorir o rosto dos brancos.

Há sessenta anos era moda dizer-se “de cor” em substituição da palavra “negro”. Há 15 – 20 anos, procurou-se evitar a palavra preto substituindo-a por “afro-americano”. Também esta designação conota a origem geográfico-cultural com que muitos se não identificam.

Embora Obama lute pela superação das barreiras das cores, ele declara-se pertencente à comunidade preta, designando-se a si mesmo como “a black man” e sente-se como fazendo parte da comunidade preta (black community”). A sua esposa é preta e os seus filhos são pretos também. Ele mesmo diz: “Que eu sou designadamente um preto, noto-o, o mais tardar, então quando em New York procuro fazer um sinal a um táxi”.

Na discussão das cores cada um dá às palavras que as designam a sua coloração afectiva que tem a ver com a própria experiência e cultura. As conotações projectadas no adjectivo vão da escravidão, à separação racial, à exploração económica, etc. Cada povo, cada pessoa tem uma relação especial com determinadas palavras. Assim, um chinês associa ao branco qualidades que o Ocidente atribui ao preto. Enquanto que o brando é uma cor do luto para o chinês, para os ocidentais o luto é associado com a cor preta.

A mesma subjectividade se dá também na palavra América (USA) que para uns é conotada como “país da liberdade”, para outros como o “reino do diabo”, para outros como um país num continente, etc., etc. Cada um se agasalha debaixo dos seus preconceitos. Em certo contexto, chamar Homem ao ser humano poderia também tornar-se uma ofensa ao hominídeo. A linguagem que usamos revela muito sobre nós mesmos. Não somos eunucos quando falamos.

A questão não está na cor da pele mas no que ela tem significado para muitos. O apostar na cor preta pode implicar, em certos casos, uma posição contra o racismo, uma opção pela mudança.

Tal como em muitas outras coisas usam-se designações sem rigor sujeitas às mais diversas conotações e generalizações. Problema seria sem em nome duma definição objectiva se entrasse na guerra por uma definição, sem contemplar o Homem. O colocar-se o problema tanto pode revelar o preconceito, como uma tomada de consciência para o significado das palavras e para o que elas podem provocar. O reconhecimento de preconceitos individuais e culturais é o primeiro passo no longo caminho do encontro duns com os outros. O problema está já no nosso sistema de pensamento: o preconceito é inerente ao conceito. Importante é reconhecer-se este condicionalismo humano. A questão está também no objecto do nosso motivo e interesse. O que importa é defender a humanidade que se encontra por baixo das cores das peles.

Gandhi conta na sua autobiografia que estava convencido que o Cristianismo era a resposta para o flagelo do sistema das castas na Índia. Ele pensava seriamente em tornar-se cristão. Um dia, na África do Sul, dirigiu-se a uma Igreja para participar numa missa. À entrada foi-lhe dito parta ter a bondade de participar numa missa reservada a pretos. Gandhi foi-se embora e nunca mais voltou. As ideias e os ideais podem ser o melhor; quem estorva são muitas vezes as pessoas.

Na discussão do espectro das cores a palavra preto ou branco parece-me a mais neutra embora cada biótopo geográfico e cultural tem a sua dinâmica a respeitar. O problema está latente em todo o ser humano que reage com medo ao desconhecido. Assim a experiência com bebés brancos e pretos mostra que o bebé preto reage com medo perante o branco e o bebé branco reage com medo perante o preto. Se virmos bem o homem branco não é mesmo branco nem o homem preto é mesmo preto.

Obama tem a cor da esperança, da justiça e da mudança. Ela é um protesto contra uma humanidade que tem abdicado de ser humana no sentido digno do termo. Ela é protesto, resistência e constitui programa para um mundo mais colorido, onde cada qual receba a possibilidade de se tornar ele mesmo. Como nele se combinam as cores, a nova era terá que deixar de continuar o diálogo perspectivo (dualista) para se iniciar a Era do triálogo relacional aperspectivo (integral trinitário).

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

2 comentários em “A COR DO PRESIDENTE”

  1. 2008-11-15 20:46:50 NURRELLS INLET, S.C. E.U.A. RENATO NUNES
    Caro Sr. Justo:

    OBAMA e um negro americano fora do vulgar e acima do comum.
    Tanto educacionalmente e culturalmente, como em caracter e inteligencia o nosso homem parece ser fora de serie e so lhe desejo o maior sucesso na Presidencia da mais poderosa Republica do Mundo.
    Dezenas de milhoes de pessoas nos EUA e no Mundo assim o desejam.
    Talvez de facto Obama consiga trazer “MUDANCAS” para a poltica interna e externa Americana. E alias algo extremamente dificil mudar politicas que sao o resultado de decadas de imperialismo oligarquico; se conseguir alcancar mudancas para melhor — mesmo parcialmente — ja e enorme victoria . O pior seria o desapontar tantos milhoes cuja esperanca de ver mudancas ele elevou a niveis que por vezesme pareceram algo irrealistas.

    Em relacao ao que escreve sobre racismo quero garantir-lhe que o racismo nao e so praticado por brancos contra negros.
    Isso e o que brancos com complexos de culpa nos dizem.
    O contrario tambem acontece frequentemtne e pior ainda… o racismo acontece ate entre negros de diferentes “tons de pele”, so que nao se chama racismo.
    Os negros mais negros detestam os mulatos , os mesticos e os tais “colored”que as vezes ate conseguem passar por brancos; este conseguiam no passado alcancar beneficios que nao eram extensivos aos negros de pele mais escura dai o odio e ressentimento que ainda se faz sentir em certos sectores da classe negro-americana !
    A coisa e muito complexa e tem muito que se lhe diga.
    Talves o amigo nao tenha tido conhecimento que durante a campanha eleitoral varios lideres negros de renome nos EUA — acima de tudo por ‘dor de cotovelo ‘ — vieram a publico dizendo que achavam que Obama nao era suficientemente negro” para falar em nome dos negros americanos !? Eu proprio ouvi isso em entrevistas na TV.

    Claro que apos o enorme sucesso de Obama na campanha tais vozes calaram-se, mas so por ai ja da para ver que nem todos os negros sao 100% a favor de Obama embora a maioria esmagadora se sinta orgulhosa do seu Homem de ter sido eleito npor ser o MELHOR !
    E pelo menso 63% dos brancos concordam com isso, pois Obama nao teria sido eleito sem o peso do voto branco.
    Saudacoes amigas
    Renaro Nunes, Carolina do Sul, EUA

    2008-11-11 09:47:58 Fortaleza (CE) Brasil Paulo M. A. Martins
    Caríssimo
    Professor António Justo,

    Escrever (falar) de cátedra não é para qualquer um!

    A sapiência que evidencia, no seu douto artigo, é uma luz forte que cintila no horizonte do conhecimento.

    Curvo-me perante mais esta bela, lúcida e inteligente lição!

    Espero que muitos dos leitores (Portugal Notícias e do Portugal Club) consigam entender a mensagem, pois só assim se poderá começar a fazer tábua raza à imensa ‘verborreia’ que, sobre esta questão e não só, tem vindo a ser expendida e evidenciada…

    Pessoalmente, é um sentimento que sempre me anima e animou, entre uma pigmentação da pele branca (caucasiana), negra, amarela, preta ou qualquer outra, prefiro mais RAÇA HUMANA, onde só os aspectos culturais poderão diferenciar!

    No fundo, quer queiramos quer não, Deus dotou-nos, de entre muitas qualidades, de RAZÃO, por isso e não só, somos, seremos sempre SERES HUMANOS!

    Bem Haja, por mais esta lição em que, uma vez mais, está em clara evidência o HUMANISMO que o caracteriza. Que Deus o continue a iluminar, de modo a poder continuar a transmitir-nos conhecimento!

    Aceite o meu fraterno e afectuoso abraço.

    Paulo M. A. Martins
    in Portugalnoticias

  2. Prezados comentadores
    Senhor Renato Nunes e
    Senhor jornalista Paulo M. A. Martins

    Muito agradecido pelos vossos comntarios e achegas.
    Um abraço
    Antonio Justo

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