OVOS DE PÁSCOA SÃO SÍMBOLO DA VIDA


O Coelho é Símbolo de Fertilidade

Do ovo, aparentemente vida morta, surge a vida viva, tal como da gruta da terra, do túmulo de Jesus ressuscita a vida em Cristo. Do túmulo da nossa vida pode amanhecer um novo eu, um novo dia.

Antigamente os cristãos, durante os quarenta dias da Quaresma, renunciavam a carne e ovos. Por isso na Páscoa havia ovos em abundância. A fertilidade é fruto de esforço e catarses.

Também o coelho era um símbolo da vida devido à sua fertilidade. Aqui na Alemanha, no dia de Páscoa, é costume as crianças irem procurar os ovos coloridos (amêndoas e doçarias), escondidos pela casa fora ou pelo jardim, aí deixadas pelo coelho da Páscoa. As pessoas costumam enfeitar as árvores, ainda sem folhas, com ovos de plástico multicolores.

António da Cunha Duarte Justo

PÁSCOA É A PRIMAVERA DA NATUREZA E DA HUMANIDADE


O Espírito é a Alma da Matéria

António Justo

A Primavera é a Páscoa da natureza e na Primavera dá-se a Páscoa humana. Tudo se encontra a caminho em conjunto, de forma mais ou menos consciente, mais ou menos rápida.

A Páscoa é passagem e transformação; expressa o caminhar da humanidade e o caminhar da criação com o criador do ponto alfa para o ponto ómega. Nela os cristãos procuram acordar para a natureza de Cristo que reúne tudo em todos.

Pessoas em diferentes situações de vida e nos seus sistemas de pensar e interpretar exprimem Deus e salvação à medida da sua linguagem e mentalidade. A vivência concreta predispõe para a ideia de Deus. A experiência da separação de Deus deu-se de modo traumático na nossa civilização ocidental. Os evangelhos correspondem a diferentes interpretações, diversas vivências da Vida de Jesus. O Novo Testamento é uma casa com muitas mansões: “Na minha casa há muitas mansões”dizia o mestre de Nazaré!

O Deus de Jesus Cristo é o Deus do filho pródigo, o senhor da vinha e dos vinhateiros. O Deus vivido para lá do Deus pensado em conceitos demasiadamente gregos. Jesus procurava abrir os corações do povo para Deus, um Deus familiar e libertador a quem chamava “paizinho”; por isso as elites políticas, religiosas e económicas não o podiam suportar e quem perturba a ordem, estabelecida pelos mais fortes, é oprimido, expulso ou linchado. A experiência do reino de Deus torna-se, com ele uma realidade, mais ou menos consciente, no coração de cada um, na comunhão com o irmão e o samaritano.

Em Cristo consumou-se a salvação. Ele é o protótipo de todo o ser humano. Ele libertou-se da maldição e do pecado da natureza humana e da pena de morte da humanidade. Páscoa é vida na pujança; ela manifesta o processo de libertação dos males da natureza humana em processo de realização da natureza de Cristo.

A consciência da morte surgiu com o alvorecer da consciência humana que floriu pela primeira vez em Eva que ao pecar se separa da unidade natural que antes comparticipava com os animais. Alcança assim a idade da razão, a capacidade de pecar, isto é de assumir responsabilidade por si mesma, tal como a criança que uma vez atingida a idade da razão começa a questionar o paraíso paterno em que até aí vivia. Na semana pascal celebra-se o expirar da natureza e num certo sentido a morte de Deus.

Oh félix culpa que acordaste a humanidade para a responsabilidade em liberdade e que atingiste a máxima expressão no calvário e resumes a história da humanidade e da criação no alfa e ómega, protótipo de toda a realidade em processo, à imagem da economia da Trindade. O nosso caminho é uma via-sacra de purificação até à reconciliação com tudo em todos, em Deus. A Páscoa, Jesus Cristo é o exemplo da ponte, da metamorfose humano-divina, matéria -espírito.

Na transubstanciação da comunhão destroem-se todas as cancelas entre a substancialidade e o Espírito. O pão, a terra, o universo tornam-se o corpo e o sangue de Cristo, tornam-se a divindade.  E isto não é só simbologia mas realidade, realidade da criação e de todos nós. Nele e com ele somos um, em comunhão com toda a criação. Na comunidade, em comunhão com ele e com o outro tornamos a Realidade presente.

A Quaresma é o tempo da experiência da purificação do ego a caminho e ao encontro do verdadeiro eu, da ipseidade. Durante ela aprende-se a renunciar à carne e ao fazê-lo a respeitar os animais e a vida digna a que estes têm direito: vivemos também com eles na complementaridade. Exercita-se a libertação da inveja, da avareza e da cupidez e deste modo a respeitar e considerar todos os seres vivos na sua substancialidade e na sua espiritualidade. Isto leva-nos a purificar-nos de nós mesmos e daquilo que assumimos dos outros e que nos leva à doença do ter.

O próprio consciente e até o inconsciente devem ser colocados no cadinho da procura da verdade. Na renúncia a si mesmo, ao ego aprendemos a ter menos necessidades, a libertar-nos delas. A liberdade conduz-nos ao amor, à sintonia que se pode traduzir em compaixão e misericórdia (sintonia e ressonância). A ausência de necessidades acorda-nos para a realização do Reino de Deus.

O cristianismo recomenda o exercício das virtudes, a observação dos 10 mandamentos, a oração, a esmola, a meditação, o jejum corporal e espiritual, o exame de consciência a nível de pensamentos palavras e obras, como exercícios de purificação a caminho e na realização da salvação: esta é processo. Trata-se de passar do tempo cronológico, e mesmo do kairós para o tempo parusia, o tempo fora do tempo, o “tempo” acção amorosa.

Não há caminho feito, faz-se caminho andando, e cada um tem o seu caminho pautado pelo do Mestre de Nazaré que nos antecipou. O ego supera-se no amor ao próximo, no amor a todo o ser humano, a todos os seres como se pode ver na prática das bem-aventuranças. O tempo da Quaresma aponta para a reflexão e meditação desta realidade, o outro lado do viver na procura intensiva da verdade, da descoberta da ipseidade na ressonância com a ipsidade dos outros e na vivência e sintonia comum da caritas/ágape. A paz interior que ressalta das bem-aventurados que reconhecem que tudo lhes foi dado e por isso o atingir duma consciência de entrega e a compreensão (sintonia) com o samaritano e o universo.

Jesus queria conduzir a humanidade a Deus, queria encorajar cada um a libertar-se das cargas da lei e de tudo o que causa sofrimento e por isso resume toda a sua vida e filosofia no amor a Deus, a si mesmo e ao próximo, especificando que o próximo é o estranho, o Samaritano. A sua visão da realidade e do Homem é tão pacífica e abrangente que exige dos seus seguidores o amor ao inimigo. O sermão da montanha (bem-aventuranças) pressupõe a libertação do ego (alcance da perfeição, êxtase), num processo de libertação do ter para se poder realizar o Reino de Deus já aqui na terra (Mc 1,15). Trata-se de experimentar a união com tudo, com Deus, da vivência do divino: “Deus é amar, e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele” (1.Jo 4,16).

No processo de salvação (libertação), através da cruz, os cristãos fizeram a experiência que a vida implica a morte. O Filho do Homem, o protótipo de toda a criatura, é vida apesar da morte. A vida é ressurreição. A morte que primeiramente parecia o verdadeiro inimigo da humanidade revela-se no Homem Adulto já não como pena mas como parte da vida. No momento da queixa do Homem “Meus Deus, porque me abandonaste” está já a divindade a irromper tal como o botão de rosa, a experiência da mãe num esforço de dar à luz, de acordar para a nova realidade. Deus morre por momentos em Jesus Cristo para a criatura, com ele ressuscitar em Deus. “Eu vivo e vós vivereis”(Jo. 14,19);”eu estou em meu Pai e vós em mim e eu em vós”. “Deus faz a sua morada” naquele que se puser a caminho e assim entrar no processo trinitário.

Deus é a videira e nós as suas varas (Jo. 15, 4-8). Entre a divindade e a sua criação há uma relação de complementaridade. A relação divina que tudo sustena é amor; de resto, a doutrina reduz-se a pedagogia. Cristo está presente nas acções, na palavra, no indivíduo e na comunidade, em toda a criação.

Jesus dizia muitas vezes: “que te aconteça como crês”. O mesmo será antes, na e depois da morte. “A tua fé te salvou”, repetia também. A percepção, seja ela religiosa ou científica, tem como base a fé como arroteadora da realidade que no fundo permanece sempre mistério. Em Jesus encontramos a expressão (modelo), do caminho de Deus connosco até “que Deus seja tudo em todos” (1 Cor. 15,28) já em processo no mistério da trindade de que fazemos parte.

É o caminho do despir do eu na metamorfose até à natureza de Cristo.

No desbravar do mistério da vida, cada um precisa de símbolos e modelos da realidade, que são ao mesmo tempo expressão (em imagens e ideias) de vivências individuais e culturais.

Há muitos caminhos de salvação que conduzem a Deus, ao homem e à natureza. A realidade é tão ampla que não basta o olhar da razão; é preciso também o olhar místico, o olhar do amor que supera o tempo e o espaço. O espírito é a alma da matéria, revela-nos a realidade da Páscoa.

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo