ACTIVIDADE POLÍTICA E CONSCIÊNCIA CRISTÃ

O Político – Entre condicionalismos profissionais e Consciência cristã

António Justo
Fé e liderança são temas diferentes mas integráveis. “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, é uma máxima cristã que determinou o agir político da civilização ocidental. Deste modo estimulou diferentes energias a actuar de maneira complementar.

Em política procede-se ao exercício do poder e este implica, em democracia, o compromisso, o que pode levar um político a entrar em conflito com as próprias convicções.

A civilização ocidental deve o seu desenvolvimento a dois princípios: a dignidade humana e a divisão de poderes. “A ideia de que há uma dignidade inata ao homem é religiosa, de origem judeo-cristã”, bem como a ideia da divisão de poderes (seculares e religioso), como constata o historiador Heinrich August Winkler. E reconhece também que “o direito internacional é uma conquista ocidental” que tem como “objectivo a transferência do domínio do direito para as relações internacionais”. A História do Ocidente é o testemunho da disputa dos direitos humanos, do domínio do direito, da divisão de poderes e da falha contra eles. (No Ocidente, toda a pessoa tem o direito de invocar os direitos humanos em sua defesa).

O projecto ocidental não se deixa reduzir à vontade das maiorias democráticas, sejam elas seculares ou religiosas, esquerdas ou direitas, como demonstrou o final da República de Veimar. Já John Stuart Mil dizia que a tirania tanto pode ser exercida por governantes absolutistas como por maiorias. Assim, as democracias ocidentais dispõem de meios que as protegem: a soberania do direito e a divisão de poderes. Estes dão continuidade à sociedade pluralista. (1)

A filosofia cristã alimenta-se da Verdade e da Dúvida

A sociedade do futuro precisa naturalmente do vitalismo religioso e da energia secular, mas não na contraposição de uns contra os outros; se não quisermos danificar o projecto de vida ocidental, será necessária uma interacção mútua e complementar de filosofia cristã e de poder secular, não podendo a ideologia secular açambarcar para si também o lugar de Deus. A sociedade ocidental manterá a sua sustentabilidade se continuar a superar o dogmatismo religioso e o dogmatismo científico na fidelidade à sua característica filosófica que engloba uma dinâmica dialogal entre verdade e dúvida (fé e razão) que lhe proporcionou especial desenvolvimento. (Também não será legítimo invocar os extremistas muçulmanos para, em princípio, se difamar toda a religião, como tão-pouco o estalinismo ou nazismo para se desacreditar a governação). Em cada época, tanto pessoas religiosas como políticas eram filhas do seu tempo e como tal portadoras dos vícios e virtudes da sua era.

A esquerda marxista e o capitalismo liberal pretendem dissociar o cristianismo da pessoa e da sociedade para mais facilmente colocarem o indivíduo sob a sua trela e melhor vaiarem o cidadão sem a concorrência de forças que não sejam económicas ou ideológicas. O cristianismo é a religião mais perseguida porque é a lóbi da dignidade da pessoa, dos pobres e dos discriminados (2). Os valores cristãos (vindos dos judeus, gregos, romanos e das várias etnias) são a alma da cultura. Já o filósofo Augusto Comte era do parecer que uma sociedade sem religião não teria continuidade e o Estado estaria condenado à desintegração. De facto sustentabilidade de um estado ainda se baseia na fertilidade maternal do seu povo e na religião como processo aberto.

O “establishment” político quer um mundo bipolar: quer de um lado o capitalismo liberal redutor do homem a um objecto de produção e de mercado e, do outro, o neomarxismo redutor do homem a proletário – indivíduo singular indefeso (indivíduo sim mas não pessoa!) – em função de uma forma de estado todo-poderoso. As elites neoliberais e neomarxistas unem-se na mesma tarefa de desfraldarem o Homem. Procuram até ideologizar o próprio património nacional.

O poder normativo do cristianismo na sociedade secular

Em termos cristãos, a dignidade humana implica o sentido da vida e a ressurreição confere-lhe optimismo.

O cristão é chamado a preocupar-se sobretudo com a parte da vida que passa na terra; se o faz com responsabilidade, o resto ser-lhe-á dado por acréscimo. Um provérbio português recorda: “religião quer-se como o sal na sopa”… sem ela a vida não teria sabor, mas em demasia, como se verifica da experiência muçulmana e da guerra dos 30 anos, torna a vida salgada.

O cristão é um ser aberto em diálogo, que forma e se forma na interlocução com a natureza, com o outro e com ele próprio em Deus; por isso não se define através de uma cultura. É uma proveta reagente de terra e céu em contínuo processo de desenvolvimento. Os seus instrumentos de abordagem da realidade e de realização são os sentidos e em especial a razão e a fé; estes não precisam de contradizer-se, são ao mesmo tempo luz e energia no processo de desenvolvimento individual e social.

A fé cristã é global (daí o termo “católica”, “universal”) e, como tal, a igreja tem que estar disposta a fazer compromissos, porque é integral, não exclui ninguém na consciência de que todos somos filhos de um Deus sem crenças (a revelação divina também se verifica na natureza e na História). Sim porque Jesus Cristo, o ser humano é feito de céu e terra! Para o político cristão, toda a pessoa, todo o cidadão tem filiação divina e constitui o centro da política. Já São Paulo dizia que o ser humano está chamado à liberdade na solidariedade com o Homem na qualidade de companheiro; o Homem é portanto o lugar da liberdade.

O poder normativo judeo-cristão espalhou-se por toda a Europa e por todo o mundo. Na sua visão holística, embora com muitos momentos de história escura e triste, influenciou e influencia o agir mundial individual e socialmente: liberdade, democracia, Direitos humanos, Estado de Direito, a igualdade dos géneros, uma solidariedade social que ultrapassa a sebe do crente, desenvolvimento sustentável e boa governação. Um “Deus pai” implica a visão global do Homem como irmão e uma comunidade católica (cosmopolitismo, globalismo) baseada na ética do amor ao próximo (estranho) e a Deus. Os direitos individuais são sagrados. O cristianismo é uma religião do chamamento; missionar o mundo dá-se como oferta, sem coacção. O político cristão está consciente do cristianismo como seu tecto espiritual que dá consistência e identidade a um povo chamado a espalhar a Boa Nova.

No contexto das civilizações, a mensagem cristã subsistirá sempre como a religião do Homem e da humanidade, não podendo ser reduzível a uma cultura; neste sentido a teologia fala também dos cristãos anónimos; o protótipo do Homem é Jesus Cristo (que une em si Céu e Terra) e não uma cultura.

O político cristão está chamado a propagar a ética cristã como directriz da sua política. Cristo assume responsabilidade por si e pelos outros o que quer dizer que o cristão não pode ser indiferente ao que acontece politicamente “lá fora”. Para ele, fora e dentro são partes da mesma realidade. A consciência é a directriz da acção cristã e o bom agir a sua prova.

O papa Bento XVI resume a tradição humanista da igreja, já repetida originariamente na teologia e por outros papas da Idade Média, nas palavras seguintes: “Acima do Papa encontra-se a própria consciência, à qual é preciso obedecer em primeiro lugar; se fosse necessário, até contra o que disser a autoridade eclesiástica.” Isto mostra a dignidade da Igreja Católica no respeito pela pessoa humana; a instituição, a religião não se coloca sobre o Homem; a sua matriz é o Homem, por isso não se reduz a uma doutrina, como revela a pessoa do Mestre. “Cristo é tudo e em todos” (Col 3,11). A sua pessoa (independentemente do religioso) é programa para todo o Homem e para todas as instituições do mundo sejam elas políticas, religiosas ou ideológicas (Nele se processa a inclusão do humano e do divino). A interpretação disto depende como sempre do espaço individual e da consciência humana no “aqui e agora”.

Uma política do desenvolvimento só é possível mediante o compromisso necessário perante a diversidade de situações e de pessoas. Por isso o político age no sentido do melhor compromisso de responsabilidade moral e não apenas pragmático.

A realidade humana exige compromisso e responsabilidade não deixando ninguém inocente. Nas decisões parlamentares, determinam-se leis, como o exporte de armas, o aborto, em que o cristão se torna também culpado. É contra o aborto mas tem de respeitar as decisões maioritárias para a generalidade. Na qualidade de cristão deve trabalhar para que a sociedade adquira uma outra atitude e, para isso, o cristão só possui o instrumento da palavra e do exemplo.

O cristão é um ser inacabado, feito de sagrado e profano; aberto e em aberto, com uma referência: JC a síntese da matéria e do espírito.

Nas coisas do mundo, quanto menos sei, mais sei que sei! Mas se mais reflito, quanto mais sei, mais sei que não sei! Logo, quanto mais sei menos sei que sei… O físico e matemático Isaac Newton dizia: “O que sabemos é uma gota de água; o que não sabemos é o oceano”! De facto, só quem perde a inocência pode permanecer virgem!…

A doutrina do pecado original quer-nos dizer que a vida e o desenvolvimento provêm do jogo entre tentativa e erro, não deixando muito lugar para moralistas demasiado distantes da realidade. Adão na tentativa de comer a maçã da árvore da vida atingiu a faculdade da razão que o torna estranho à própria natureza e o leva a levantar a cabeça para a voz que o chama, “Adão onde estás?”. Ele que vivia num estado simbiótico com a natureza, não conhecendo lugar nem tempo, vê-se agora num novo estado, em diálogo, entre certeza e dúvida revelando-se como consciência aberta. O chamamento da fé e da razão leva-o a acordar para o mistério não podendo mais voltar ao paraíso perdido.

A certeza é a fronteira do desenvolvimento e do saber! Se não reconheces que a realidade acontece no ponto de intersecção dos diferentes interesses, passas a vida a fugir dela ou a combatê-la.

A vivência cristã não se esgota na certeza intelectual, ela intui-se também como desígnio de algo já experimentado (na compaixão). Isto confirma-o também a psicologia budista ao recomendar que para se resolver um problema ou sentimento negativo é preciso primeiro percebê-lo (senti-lo), depois visualizá-lo e finalmente explorá-lo em sintonia/simpatia consigo próprio; depois desta sequência o sentimento negativo pessoal dissolve-se.

Em muitos assuntos, o político cristão tem a vantagem de não se encontrar sozinho na sua opinião individual, ele tem atrás de si uma fábrica de pensamento que é a Igreja com suas encíclicas sociais e uma experiência e saber milenário que o podem ajudar na tomada de decisões. Dietrich Bonhofer dizia: “encontramo-nos aqui sendo só competentes nas penúltimas coisas”; as outras pertencem a Deus.

O imperfeito não pode gerar a perfeição. Por muito controverso que pareça, Deus também pode falar através dos contrários à minha opinião e até mesmo através do mal. A opinião é livre, se regada pelos sentimentos, mas só o sol do pensamento a fará crescer. Reconheço opiniões boas mas não faltam as melhores. Ao definir só alargo a cerca do meu jardim. Uma opinião profunda será aquela que surge da liberdade acreditada no comprometimento com o JC, a melhor Realidade e o melhor símbolo de liberdade e compromisso. Para isso será preciso aprender a andar não só em solo seguro mas também sobre as águas do Mar, como fez o mestre da Galileia. Quem tem a coragem de andar sobre a água não é nenhum fantasma mas portador de inovação e de futuro.

O problema da liberdade surge sempre que cada um eleve a sua opinião a sentença certa. Liberdade total é impossível porque contradir-se-ia, não permitindo orientação. A capacidade de escolha já seria uma limitação. A dúvida em geral e em especial a dúvida metódica, própria do pensar ocidental, possibilitam a crítica que leva ao desenvolvimento; a crítica confere à civilização ocidental um estado de contínuo processo (“ecclesia” semper renovanda) de modernização e, deste modo, possibilita a antecipação à revolução. Numa democracia o povo não forma uma unidade; o reconhecimento da soberania da consciência individual possibilita a crítica social e naturalmente a necessidade de se aprender a lidar com ela.

A liberdade para ser sentida e despreocupada coloca o peso da própria vida no cabide da confiança: uns confiam em Deus outros na ideologia ou no interesse imediato. No cristianismo resta, mesmo assim, uma conta a saldar que é como dizia o filósofo Kant “o dever para consigo mesmo”. Uma sociedade livre e aberta possibilita a vida também aos adversários. O princípio da tolerância não deve porém neutralizar o da própria crença.

O sentimento de pertença a uma casa ampla com um tecto metafísico transparente fomenta a auto-estima que protege do medo e permite o autodesenvolvimento e o evoluir da própria opinião; esta deve ser expressa de maneira determinada, doutro modo o adversário sente-se emocionalmente encorajado ao ataque. A crítica pessoal só complica, por isso a crítica construtiva é baseada no problema e na sua solução.

O Cristianismo é transcultural não se define por reinos nem repúblicas cristãs

No cristianismo não há reinos nem repúblicas cristãs, não há união de política e religião como nas bases da religião islâmica que identificam cultura com religião nem tão-pouco na união de Estado e ideologia. Naturalmente também os cristãos não estão imunes das tentações do poder embora a sua filosofia os não legitime ao abuso nem à promiscuidade de poderes. O político cristão compromete-se a fomentar o politicamente possível, numa atitude ética proveniente da fé. É consciente da complexidade social e seus condicionalismos na tentativa de fazer o melhor e o justificável para o bem-comum.

Não é possível definir-se uma política cristã; esta pressupõe, nos seus actores, uma atitude humana de base de dedicação especial pelos mais indefesos da sociedade. Não há uma política cristã nem um cristão pode reivindicar para si o direito de fazer política cristã.

A fé cristã tem motivações ideais que favorecem uma orientação e critérios de valor para a acção: o Sermão da Montanha. A convicção cristã pode, porém, conduzir a diferentes posições, atendendo ao caracter soberano da consciência individual. Por vezes, o cristão confronta-se a si mesmo, entrando em conflito com uma ética de convicção e uma ética de responsabilidade social; estas conduzem a decisões de compromisso, numa tentativa de ultrapassar fronteiras denominacionais, tendentes a respeitar a dignidade e a liberdade humana do próximo. Tudo se torna pressuposto preliminar à avaliação.

Uma atitude cristã política caracteriza-se pelo princípio da dignidade inviolável da pessoa (dignidade de imagem de Deus – independentemente de credo – e como tal sujeito e não objecto) que se expressa no “amor ao próximo”); primeiro está a pessoa, só depois a instituição; outro princípio é o da complementaridade baseada no protótipo JC que integra o divino e o humano; todos são chamados à liberdade e a realizar o “reino de Deus”. A “ecclesia” é formada por indivíduos em comunidade convergente, na realização mútua de indivíduo e comunidade.

A consciência de comunidade, de que o todo também é formado pelas margens, torna a igreja advogada dos mais fracos na prática do princípio da solidariedade. A Igreja é a voz dos sem lóbi, dos marginais. Quando se declara p. ex. contra o aborto, ela torna-se a lóbi destes seres sem voz. Mais que o credo importam as obras: “Pelos seus frutos os conhecereis!“ (1.Jo. 2,1-6).

O Mestre reivindica que amemos os nossos inimigos mas não exige que nos deixemos matar por eles nem que o amor aos inimigos aconteça à custa de amigos. No meio está a virtude (como nos ensina a filosofia aristotélica) e só o divino é o lugar da perfeição. O político cristão procura estabelecer harmonia entre os polos. Isto dá-lhe uma posição demarcada e competência de sustentabilidade histórica na tentativa de resolver os problemas sociais e na capacidade de intermediário nas posições antagónicas entre os partidos. O político terá de ver o que é justificável e depois decidir segundo a própria consciência no respeito pela dos outros. Ele, na qualidade de político, tem de se preocupar em estabelecer relações estáveis, também no interesse dos contribuintes não se podendo deixar levar por idealismos passageiros que poderiam prejudicar o povo no seu todo, a longo prazo. Política, religião, ciência e sociedade devem consciencializar-se da sua situação de interdependência e de processo.

Em tempos idos, tudo era mais fácil: bastava seguir um rei, um pastor; hoje, que somos chamados a tornarmo-nos individualmente mais responsáveis, somos puxados por forças anónimas em diversas direcções e sentidos, o que exige, de cada um, maior balance e equilíbrio, maior sentido de orientação e responsabilidade. Peter Sloterdijk diz: “A modernidade evidencia-se como a época dos projectos, e a época pós-moderna como a dos consertos”. Com o rápido desenvolvimento e mudanças da vida moderna, a realidade movimenta-se mais depressa do que a consciência comum, criando empasses e assimetrias inevitáveis.

Uma actualidade que não respeite a herança torna-se subversiva, criando um hiato entre o antes e o depois num agora caótico e desorientado. Jesus foi o grande radical da História quebrando com muitas tradições e com a moral tradicional, já ao nascer de uma virgem. Com ele todos são filhos de Deus, independentemente de estirpes ou famílias.

Na política e em lugares chave da sociedade, precisam-se, hoje mais que nunca, cristãos e pessoas de boa vontade com capacidade para se consciencializarem da chantagem a que a sociedade se encontra submetida.

O projecto ocidental dá resposta ao sentido da vida na universalidade da dignidade humana. As instituições e sociedades poderão morrer mas a ideia da dignidade humana não morrerá. O hindu Mahatma Gandhi, que conhecia bem o induísmo, o budismo e o cristianismo, constatava: “Cristo é a maior fonte de força espiritual que a humanidade conheceu.”

A mundivisão que tornou a Europa grande, no concerto das nações, deixou de estar presente na consciência pública actual devido ao jacobinismo ideológico.

Joachim Gauck, presidente de uma república descongestionada como é a alemã, não tem vergonha de testemunhar, na força do cargo que ocupa: “A política precisa de pessoas que acreditam em algo que é maior do que elas mesmas. Precisa de pessoas que têm uma atitude e a defendem com coragem. Precisa de personalidades convictas e, deste modo convincentes, como as que, para o nosso bem, vieram do ambiente cristão e do compromisso cristão”… „Sem cristãos este país seria diferente na política e na sociedade!… Acções e decisões políticas encontram, na Doutrina Social católica, padrões confiáveis da fé “. Um presidente da república portuguesa ou francesa nunca diria tal, por jacobinismo político ou, possivelmente, porque não teria razão para o dizer!

Cristo transcende todo o ser e permanece para sempre um desafio para toda a política e para todo o cidadão.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo
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(1) A França é o exemplo de um estado laico puro enquanto a Alemanha, tendo também ela a divisão de poderes de estado e religião, age em parceria com a religião em sectores sociais, o que facilita uma vida social mais harmoniosa e o melhor aproveitamento de recursos humanos e económicos. Os estados da França e de Portugal são mais orientados pela ideologia republicana exacerbada, enquanto, na Alemanha, domina o compromisso social que deu origem à economia social de mercado e ao milagre económico alemão.
(2) O neo-marxismo e o neocapitalismo tornaram-se duas ideologias irmanadas, que seguem uma estratégia de ocupação da administração pública e dos lugares centrais do saber, da política, da economia, dos Media e da arte. Sob a aura da arte escondem-se interesses ideológicos vestidos com o talar da inocência e da individualidade. O marxismo (comunismo) surgiu das necessidades da época, revelando-se então oportuno no sentido de consciencializar e organizar o operariado que era vítima da revolução industrial nascente (1760 – 1820). Hoje expressa-se como corrector da ideologia económica vigente continuando a deixar-se reduzir a uma perspectiva das redes económico-sociais da polis. Em nome do progresso usam como subterfúgio o ataque ao conservadorismo; em nome dessa luta pretendem irradiar o catolicismo que defende valores e direitos humanos individuais inalienáveis A Europa no seu processo de secularização conseguiu secularizar muitos dos valores cristãos. “Liberdade, igualdade, fraternidade” colocados sob a autoridade suprema da razão e da lei do estado, são a consequência lógica da liberdade, irmandade e igualdade dos filhos de Deus, propagada pela religião a nível individual e da comunidade. A aculturação de valores sublimes processa-se ao longo dos séculos.

PS: Este texto encontrar-se-á num livro a publicar.

ÍNDICE DE FELICIDADE MUNDIAL EM 2015 E A DOR DO VIVER

Felicidade da mulher como índice do desenvolvimento de um país?

António Justo

Segundo o estudo da ONU sobre o Índice de Felicidade Mundial realizado pela universidade Colúmbia de Nova Iorque, a felicidade mundial aumentou ligeiramente em relação a anos passados. O norte é mais feliz que o sul, tem mais confiança. Nos países desenvolvidos, as mulheres são mais felizes do que os homens, enquanto nos países em desenvolvimento se passa o oposto.

A ordem de felicidade por países: 1° Suiça,2° Islândia,3° Dinamarca, 4° Noruega, 5° Canadá, 6° Finlândia, 7° Holanda, 8° Suécia, 9° Nova Zelândia, 10° Austrália, 15° Estados Unidos, 16° Brasil, 26° Alemanha, 88° Portugal.

Dos países qualificados, os dez países menos felizes seriam o Afeganistão e países africanos. Os indicadores de felicidade do questionário efectuado abrangiam sistemas sociais, mercados do trabalho bem como perguntas sobre a autopercepção das pessoas (bem-estar mental, liberdade na tomada de decisões, ter alguém em quem se confia, falta de corrupção, esperança de vida saudável, etc.).

A investigação sobre a Felicidade de um povo é uma boa iniciativa dado orientar a atenção do cidadão e dos políticos para um objectivo que deveria ser o mais importante da política. A satisfação da vida e o bem-estar social deveria estar na agenda de todo o deputado e do governo.

Naturalmente haverá povos de caracter mais alegre que outros, o que torna difícil a interpretação da qualificação da felicidade de uns países em relação a outros. A maneira de compreender a vida é muito diferente de cultura para cultura. Há povos por natureza mais satisfeitos que outros.

Talvez por falte de uma ciência da felicidade ainda não se saiba como fazer os cidadãos felizes.

O Botão foi o primeiro país que colocou como objectivo do governo a felicidade pública. Aí os indicadores de felicidade apresentados eram: bem-estar psicológico, equilíbrio entre vida pessoal e trabalho, vitalidade comunitária, educação, preservação cultural, proteção ambiental, boa gestão governamental e segurança financeira.

O grau de esperança é um elemento e um indicativo da felicidade de de uma pessoa. Ela empresta à realidade vestidos mais agradáveis e coloridos! Quem já tem tudo poderá ter o gozo do desejo saciado no tempo mas, apesar de tudo, não ser feliz! Pode-se ter gozo sem se ser feliz, porque o gozo é a felicidade da parte enquanto a felicidade é o gozo do todo. A felicidade é rara porque gozo é um estado, um momento e felicidade é ser, o ser que não é soma dos momentos. A felicidade está ligada à saudade que goza a dor do não viver!Também é verdade que, por vezes, se vive com felicidade mas sem gozo porque o gozo depende também do parceiro, tem a ver com o próximo!

António da Cunha Duarte Justo

Jornalista

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Centenário do holocausto dos Arménios

A perseguição turca conseguiu reduzir os 25% de cristãos da sua população para apenas 0,2%

António Justo
A perseguição turca aos cristãos foi mais eficaz que a perseguição nazi aos judeus. Na área da Turquia, em 1915, 25% da população era cristã mas com o genocídio e a contínua perseguição e discriminação dos cristãos restantes, a Turquia conseguiu reduzi-los para 0,2% da população; hoje 99% da população turca é muçulmana. A Turquia, herdeira do Império Otomano compreende-se como estado de etnia homogénea muçulmana.

A 24 de Abril de 1915 começou o genocídio arménio praticado pela Turquia na área do Império Otomano onde os arménios viviam como minoria desde o séc. 8 a.C. A Turquia deu então início ao extermínio da presença cultural arménia em Constantinopla com incursões e aprisionamento massivo das elites arménias publicando depois a lei de deportação a 27.05.1915. (Ainda hoje são deportados arménios de Aleppo na Síria).

Seguia uma estratégia que consistia em organizar jovens arménios e soldados desarmados em “batalhões de trabalho” que eram depois assassinados em massa; os velhos, as mulheres e as crianças eram obrigados a sair em marchas da morte em direcção ao deserto sírio. Os arménios também eram transportados em vagões de animais no comboio- Bagdá, que a partir de 1915 deportava muitos arménios para o deserto onde eram assassinados em massa. (Já de 1894 até 1896 tinha havido perseguições com o assassínio de 80 a 300.000 arménios).

Conivência entre Alemanha e Turquia

O abate de uma sociedade civilizada em que foram mortos 1,5 milhões de arménios deu-se com a conivência da Alemanha. Aqui, como lá, numa tentativa de oportunismo ou de branqueamento das barbaridades cometidas no primeiro genocídio do séc. XX, os dois governos não querem empregar o termo genocídio que designa o plano e execução do extermínio dos arménios.

Francisco I, tal como historiadores independentes, designou de “genocídio„ o extermínio dos arménios, argumentando: “Onde não há memória, o mal mantém as feridas abertas”. O Papa foi muito criticado na Turquia por ter empregado a palavra “genocídio”.

O governo alemão, ao contrário do Parlamento Europeu e da França, evita empregar a palavra genocídio para designar o holocausto dos arménios por considerações semelhantes às que levaram a Alemanha a calar outrora o genocídio dos arménios. Esta torna-se numa situação insuportável, numa Alemanha que tão bem processou o seu passado (2° genocídio).

“Os alemães, aliados dos turcos na Primeira Guerra Mundial… viram como as populações civis foram fechadas em igrejas e queimadas, ou reunidas em massa em campos, torturadas até à morte, e reduzidas a cinzas” (http://pt.wikipedia.org/wiki/Genoc%C3%ADdio_arm%C3%AAnio). Em junho de 1915, escrevia o cônsul-geral alemão em Constantinopla, Johann Heinrich Mordtmann ao governo em Berlim: “Trata-se de aniquilar os arménios, como me dizia Talat Bey há algumas semanas”.

A política de extermínio com o uso de agentes químicos e biológicos, de gás tóxico e inoculação de tifo, os campos de extermínio, o processo sistemático e planeamento da destruição de um povo inteiro, “organizado pelo governo” serviram de exemplo para Hitler no genocídio dos judeus. Adolf Hitler encorajava os comandos superiores da Wehrmacht a 22/08/1939 dizendo: ”Quem fala hoje do extermínio dos arménios?”

Rößlert, então cônsul alemão em Aleppo, salvou muitos arménios e documentou as acções praticadas. Um representante da autoridade turca concluía a 31.08.1915: “A questão arménia já não existe”.
O respeito pelas vítimas é desvirtuado ao substituir a discussão do acontecido pelo discurso sobre a questão da propriedade de termo genocídio ou massacre. Pretende-se a paliação do crime.
Os arménios querem com razão que se reconheça como genocídio a perseguição de extermínio levada a cabo.
O historiador Hesemann considera o genocídio contra os arménios como a perseguição mais sangrenta da História aos cristãos.
Há histórias da História por contar, os informados sabem que cada época, cada ideologia, conta a História que mais lhe agradar. Também hoje se branqueiam revoluções e se ignora a realidade do que acontece em África direccionando-se a atenção dos povos para o marginal.
António da Cunha Duarte Justo
Jornalista
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700 Refugiados naufragados no Mediterrâneo

Drama dos Refugiados – Um Problema sem Solução?

António Justo
As notícias catastróficas sobre refugiados que tentam atravessar o Mediterrâneo para a Europa multiplicam-se de dia para dia; o número de naufragados subiu, esta última semana, já para mais de mil.

Segundo a agência da ONU para refugiados do ACNUR, deu-se agora (19.04.2015) a maior tragédia no Mar Mediterrâneo com refugiados. A 10 km da Líbia afundou um arrastão com 700 pessoas a bordo, dos quais apenas 28 puderam ser salvos.

Dias antes, segundo a organização de ajuda humanitária Save the Children tinha naufragado já um navio ao largo da costa da Líbia, com 560 refugiados/imigrantes. A Guarda Costeira italiana ainda conseguiu salvar 144 dos naufragados.

Desde o início deste ano, já foram salvos 19.000 imigrantes.

Operações de salvação de imigrantes/refugiados – Mare Nostrum e Frontex

Em Novembro de 2014, a Itália deu por finda a operação (“mare nostrum”) de salvação de migrantes vindos das costas da Líbia” e iniciada depois do naufrágio de Lampedusa onde morreram 400 imigrantes líbios em Outubro de 2013. Esta operação italiana custou 114 milhões de euros e conseguiu salvar 150 mil vidas em perigo de naufragar no mediterrâneo.

Para poupar dinheiro e para, alegadamente, não facilitar o trafego dos traficantes contrabandistas de refugiados e para não se tornar num incentivo para outros refugiados, a UE não continuou a missão salvadora “mare nostrum”, criando, em vez dela, uma patrulha (“Triton”) a operar no alto-mar mediterrânico que faz o rastreio de barcos (impedir barcos ilegais e salvar pessoas). A Marinha dos estados membros e a Agência de Patrulha de Fronteiras (Frontex) só podem operar no âmbito de 30 milhas náuticas das fronteiras da UE, o que facilita a vida aos traficantes de imigrantes/refugiados.

Entre os Estados membros não há acordo em criar estratégias mais eficientes atendendo também à situação mercantil com os refugiados e aos concorrentes interesses e compromissos históricos dos diferentes países europeus em relação a África. (A Inglaterra não participa na Frontex).

Por outro lado, uma política de distribuição equitativa dos imigrantes pelos diferentes países membros revelar-se-ia injusta. A agravar a situação está o facto de a grande maioria de imigrantes serem muçulmanos e estes se organizam em guetos que se definem, geralmente, na autoafirmação e contraposição em relação à cultura não muçulmana. Por um lado, os imigrantes/refugiados trazem sangue novo e contribuem para o rejuvenescimento de uma Europa já envelhecida, por outro trazem imensos custos, a curto prazo, no que respeita a medidas de alojamento, formação escolar, profissional e de integração no mundo social e laboral.

A UE encontra-se dividida entre o combate às organizações de tráfico (quadrilhas de contrabando) que fomentam o trafego com refugiados cobrando entre 4.000 e 7.500 Euros por pessoa, pela sua passagem para a Europa, em condições míseras e desumanas, e o regime jurídico a aplicar: as autoridades europeias têm dúvidas sobre a definição do estatuto dos refugiados que se for de ordem económica, não dá direito a asilo, e se for de ordem política implica o direito a asilo no país onde aportarem.

Esta nova catástrofe motivou a intenção de criar novas iniciativas a nível europeu. Neste sentido pensa-se na extensão da missão de salvação “mare nostrum” a nível europeu e a medidas nos países costeiros africanos. “Mare nostrum” tinha a vantagem de detectar o perigo nas zonas costeiras da Líbia.

Muitas das famílias dos refugiados/imigrantes vivem em situações críticas no que respeita à segurança, à corrupção das autoridades da alta jerarquia e a dificuldades económicas e por isso procuram enviar os seus jovens mais robustos para a Europa para que, uma vez que tenham um lugar de trabalho, possam enviar dinheiro para elas.

As nações e a ONU enviam bastante dinheiro para projectos de desenvolvimento e de infraestruturas mas, como não há controlo, muito do dinheiro é desviado, enquanto projectos pequenos, a nível regional de Autarquias, Aldeias, no dizer de Cap Anamur, são eficientes: “à medida que se sobe na jerarquia aumenta a corrupção”.

Rotas dos refugiados ilegais

Segundo menção da imprensa alemã, as rotas de proveniência da maior parte dos refugiados ilegais, em 2014, foram: Europa de Leste com 1.270 refugiados (vindos do Vietnam, Afeganistão e Geórgia), Europa do Sul com 43.360 refugiados (do Kosovo, Afeganistão e Síria), Grécia com 8.360 (da Albânia, Macedónia e Geórgia), Mediterrâneo Oriental com 50.830 refugiados (da Síria, Afeganistão e Somália), Canárias com 275 refugiados (de Marrocos, Guiné e senegal), Mediterrâneo Ocidental com 7.840 refugiados (dos Camarões, Algéria e Mali) e Mediterrâneo Central com 170.760 refugiados (da Síria, Eritreia e Somália).

A esperança desesperada tenta a ilegalidade como meio para melhorar a vida. Fogem do Iraque, da Síria, da Líbia, do Afeganistão, do Iémen, de Marrocos, de Mali, etc. Fogem à guerra, à injustiça e à pobreza. Explorados por quadrilhas traficantes, vêem a sua vida ameaçada até atingirem a cortina europeia da Itália, Grécia, Bulgária ou Espanha. Chegados a um país europeu vêem-se confrontados com burocracias e costumes estranhos bem como com o receio de parte da população dos países de recepção que vêem a sua identidade cultural ameaçada e as finanças das comunas sobrecarregadas.

Devido à contínua afluência de refugiados à Alemanha já se observam actos de vandalismo contra casas que são preparadas para a recepção de refugiados e uma crescente oposição de grupos que se manifestam contra políticos que a nível local tomam iniciativas de criar lugares de alojamento para refugiados. Por outro lado assiste-se na população alemã a uma grande participação em medidas de ajuda concreta a refugiados.

Para não se sobrecarregar a sociedade com problemas de integração a sociedade acolhedora terá de garantir o sucesso aos refugiados que encontrem guarida entre nós, indo de encontro às suas necessidades humanas, nos diferentes níveis de acolhimento. Por outro lado os migrantes muçulmanos terão de mostrar mais vontade de respeitar a mentalidade dos países acolhedores não se rebelando contra a integração.

Num barco saído da Líbia (14.04.2015), com 105 imigrantes, tripulantes muçulmanos lançaram 12 cristãos ao mar, encontrando-se agora 15 dos prováveis assassinos (da Costa do Marfim, Mali e Senegal) a contas com a justiça italiana em Palermo. A realidade ultrapassa a nossa fantasia: no mesmo barco, na procura de salvação em terras cristãs, imigrantes muçulmanos perseguem companheiros cristãos em nome da sua religião! Em casas para refugiados na Alemanha tem havido contendas entre refugiados que se agridem devido à sua diferença religiosa.

Muitos africanos passaram o primeiro colonialismo na sonolência e agora como imigrantes têm medo de ser colonizados pelo ocidente civilizado. Antigamente os “chefes” forneciam escravos à Europa em troca de algum dinheiro e hoje fornecem-nos matéria-prima deixando os seus cidadãos passar mal.

Combater as causas e não apenas as consequências da catástrofe humana, será a grande tarefa da UE, procurando fomentar perspectivas de vida digna nos seus países de origem e criando um ambiente favorável à integração dos hóspedes chegados. Sem uma abertura mútua entre hóspedes e hospedeiros acumular-se-ão problemas e criar-se-ão situações futuras perigosas para toda a população.
António da Cunha Duarte Justo

Jornalista
www.antonio-justo.eu

A EUTANÁSIA E A MORTE ORGANIZADA

Ponderações sobre o Suicídio assistido

António Justo
Fala-se da “eutanásia ativa” e da „eutanásia passiva”. A “eutanásia ativa” implica a opção pela morte individualmente deliberada por um enfermo incurável e assistida pelo médico que, a pedido do paciente, lhe prepara um cocktail mortal (“suicídio assistido”).

Na “eutanásia passiva” são interrompidas as acções que tenham por fim prolongar a vida. O paciente pode determinar não querer a utilização de instrumentos nem medidas de prolongação da vida Este prática já é muito comum em pacientes de estado terminal. O alívio do sofrimento torna-se prevenção contra suicídio e ajuda a evitar o desespero da vida e possibilita a assistência espiritual. No processo da morte, moribundos chegam a ter momentos de alegria e felicidade e momentos de desespero.

Os defensores do “suicídio assistido” costumam argumentar com o direito do indivíduo à autodeterminação e alegam querer evitar situações “sem qualidade de vida”.

Na Alemanha é proibido o suicídio assistido. A maioria dos filiados nos partidos da União CDU/CSU é contra o suicídio assistido; defende a medicina paliativa em que se receitem analgésicos (contra a dor) mesmo que indirectamente encurtem a vida. O SPD, partido da coligação, expressou a opinião de deixar espaço livre aos médicos em questões terminais (situações limite). O partido os Verdes protagoniza a liberdade de decisão e em casos especiais estende-a também a familiares e pessoas mais próximas. Muitos parlamentares dos vários partidos são de opinião que é suficiente a melhoria dos cuidados paliativos no hospício.

O Porquê do não à Eutanásia

A liberdade de autodeterminação no suicídio (porque só no fim da vida) não parece ter lógica. A razão não pode justificar o direito de matar ou de morrer. Além disso, o ser humano é ele e as suas circunstâncias e estas podem conduzi-lo ao medo de ficar só, de se tornar num fardo para outros, de se encontrar num momento depressivo e deste modo ser motivado a desejar a morte, num determinado momento. É problemático argumentar, em nome da autodeterminação, porque esta tem sempre a ver com as circunstâncias… Os momentos de dificuldades não são os melhores conselheiros para se tomarem decisões irrevogáveis.

A ajuda ao suicídio não pode ser uma missão do médico nem é uma questão a ser organizada a nível de negócio. A ética médica tem em conta o juramento de Hipócrates, que se compromete a defender e preservar a vida; eutanásia é homicídio e como tal fora do âmbito da ordem dos médicos. A Ordem dos Médicos alemã, numa tomada de posição a 12.12.2104 declarou repudiar veementemente o suicídio assistido por médicos. A sua conduta é a orientação pela “ regulamentação profissional dos médicos que diz que é dever dos médicos preservar a vida”. Só a vida, a saúde tem de ser protegida e restaurada, o sofrimento deve ser aliviado e praticada a assistência aos moribundos.

Há casos de consciência em que o médico se pode encontrar num dilema mas que não pode ser solucionado com uma lei porque uma “excepção normalizada” poderia tornar-se regra, como advoga o actual ministro da saúde na Alemanha.

A religião é contra o suicídio assistido porque considera a vida como um dom sagrado. Para o cristianismo o ser humano não se deixa reduzir à biologia nem a sua vida pode ser deliberada pelo Estado nem por qualquer instituição. De facto a eutanásia é um acto contra a natureza e inclui também o perigo da industrialização da morte e do distanciamento familiar. A mentalidade economicista em via e a maneira como já se tratam os reformados não deixa pressupor o melhor desenvolvimento no sentido humano.

Nenhuma diagnose é segura, há sempre pessoas que apesar de diagnosticadas de doença mortal se restabeleceram. A eutanásia é decisiva e não deixa lugar para rever a decisão tomada no caso de condições mudarem.

As pessoas são manipuláveis pelo ambiente e pelo espírito do tempo. Vivemos numa sociedade utilitária que cada vez mais avalia tudo em relação aos custos. No nacional-socialismo tornou-se comum a destruição de “vida inútil”. Pessoas deficientes, operações a partir dos 70 passam a ser encaradas sob a perspectiva utilitária. O nacional-socialismo de Hitler determinava o que era digno de vida e o que não.

Morrer é um processo natural. Morrer dignamente não precisa de suicídio assistido.

Já o Antigo Testamento considerava a vida como oferta de Deus (Gen 2,7) e recomenda: “não deves matar (Ex 20,13). A maneira como se tratam doentes e moribundos é um indicador do grau da civilização de um povo. “Nunca é lícito matar o outro: ainda que ele o quisesse, mesmo se ele o pedisse (…) nem é lícito sequer quando o doente já não estivesse em condições de sobreviver” (Santo Agostinho in Epístola).

Não se tem o direito de decidir sobre vida ou morte. O tabu da morte serve o respeito e a protecção da vida como um direito fundamental das pessoas. A licença para matar viria da barbaridade que veria a morte como último remédio.

Há pessoas habituadas a mestrear toda a sua vida e querem determinar também o seu momento de morrer. Muitos defendem que uma motivação religiosa não dever ser alargada a toda a população. A decisão sobre a vida não é da competência de nenhuma instância humana, pelo que não deveria ser legalmente privatizada nem deixada a nenhuma instituição.

Quem assiste pacientes terminais de casos muito difíceis, sente-se, muitas vezes, desafiado e indefinido. Por trás de cada posição encontra-se um juízo de valor. Não há soluções definitivas, há que viver com a morte…

Um Testemunho pessoal

O teólogo Hans Küng, que sofre de Parkinson, defende o direito à eutanásia no fim da sua vida. “Eu assumo a minha responsabilidade para o meu morrer na devida altura, uma responsabilidade que ninguém me pode tirar… Deus oferece-me a graça, assim espero eu, de reconhecer o verdadeiro momento; o mais tardar seria para mim, certamente o início duma demência”. Küng considera a vida como um dom de Deus mas ao mesmo tempo, segundo a vontade de Deus, a vida é uma missão do Homem e, como tal, também na sua última etapa. “Ninguém deve ser incitado a morrer mas também não deve ser obrigado a viver” ( Hanns küng em “Menschenwürdig sterben von 2009”). É uma questão reservada á consciência da pessoa. A crença na vida eterna para lá do espaço e do tempo não precisa de se preocupar com o prolongamento da vida temporal.

O médico e o padre podem acompanhar o desejo de morrer. Não é sua missão julgar nem condenar mas assistir. Temos que viver com a incerteza. Informação venha ela de onde vier é também manipulação.

O Negócio com a Morte

Países baixos, Bélgica, Suíça tornaram-se em países do turismo da morte. Forças económicas dos países vizinhos olham com inveja para estes países.

Há grupos que fazem negócio com a vida prolongando-a e outros encurtando-a.

É perverso, querer fazer-se um negócio sob o desígnio da humanidade e de defender a dignidade humana. A propaganda vem mais de organizadores da eutanásia que ganham dinheiro com ela. Se o seu motivo não é económico mas humanista então porque o não fazem gratuitamente.

A meta não deveria ser uma morte humana mas uma vida humana. Numa época em que a eutanásia é idealizada, a organização do suicídio assistido torna-se trágico.

Conclusão

O teólogo Küng não defende o suicídio assistido mas reserva-se para si o direito de assumir a responsabilidade da sua morte no momento oportuno. É contra a recusa absoluta de toda a eutanásia e contra a arbitrariedade do morrer; opta por um meio termo que segundo ele se funda na fé pessoal. Küng, como cristão responsável, fala por si e não em nome da instituição.

A Igreja petrina, pelo seu caracter constitucional, não pode ser pela eutanásia. A nível pastoral, sabe que a vida é oferta, uma dádiva a ser cuidada e desenvolvida e não encurtada nem reduzida a uma simples ideia sobre ela, mas conhece também o princípio da ética cristã: o último juiz em questões de decisão na terra é a consciência individual da pessoa.

Os textos sagrados não se perdem na lógica; permitem a contradição. Se fossem lógicos limitar-se-iam ao caminho da ciência. Assim podem-se dedicar às verdades eternas através da fé. Esta é dom que permite navegar noutras esferas que não as do dia-a-dia demasiadamente determinadas pelo utilitário.

Não é fácil nascer nem é fácil morrer; nos segredos da existência só Deus e a própria consciência!
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo
www.antonio-justo.eu