O Ano do Resgate dum Povo – Mundial de Futebol de 2006 na Alemanha

O futebol trouxe os Alemães à normalidade de poderem ser povo. Finalmente sentem-se em casa, sendo-lhes permitido manifestar sentimentos, ser um povo como outro qualquer e de se manifestarem como tal!…
O Mundial Faz Milagres! Os alemães também festejam! Por todo o lado reina um entusiasmo comunicativo com grande ordem e civismo que surpreende os moralistas da nação que andavam continuamente com o machado da moral em punho e viam em qualquer acto normal patriótico um acto nacionalista ameaçador do futuro. O povo alemão tem sido deprimido e castigado, depois da guerra, por pessimistas que se apoderaram da opinião pública e querem manter o povo sob o manto do medo e da vergonha. O orgulho nacional era o contínuo cavalo de batalha dos pretensos bem pensantes, daqueles que se arvoram na consciência da nação. Queriam a nação sempre dependente do seu racionalismo, com um povo sempre sob controlo, sem sentimentos.
A Alemanha precisava dum patriotismo alegre a contrapor-se a uma cultura pessimista – moralista e acerbamente crítica que tem investido no bafio e na moenga da história. O povo nas suas manifestações mostra que é soberano e que os “velhos do Restelo” não tinham razão.

No futebol o povo é quem mais ordena!
O futebol está a fazer o milagre de tornar o patriotismo aceite numa sociedade com problemas de identidade. Tanto entusiasmo e tantas bandeiras ajudam a nação a voltar à normalidade. Afinal também os alemães sabem festejar! Vai sendo tempo de esta nação deixar de viver sob o manto da vergonha e da penitência pelos pecados passados, dos eternamente culpados!…. Um país que não se aceita a si mesmo não poderia tornar-se bom berço para os estrangeiros e para a juventude. Bom que veio o Mundial de Futebol e neste “o povo é quem mais ordena”.

Sucesso é o conglutinante duma comunidade e da sua identidade
No meio dum povo que resiste a sair da auto-crítica, vivem os emigrantes orgulhosos das suas nacionalidades o que contrastava com tanta penitência nacional alemã. Os alemães sempre se admiravam da espontaneidade dos estrangeiros e agora mais se admiram pelo facto de estrangeiros, especialmente turcos, durante o Mundial de Futebol colocarem bandeiras alemãs nos seus carros e habitações e se declararem adeptos da equipa alemã.
O Mundial de 2006 deixará muitas marcas positivas na sociedade alemã. Ele mostra que internacionalismo e patriotismo são as duas faces da mesma medalha. Só quem se ama é capaz de amar os outros verdadeiramente.
Como podiam os alemães ligar os estrangeiros ao país de acolhimento se eles se sentiam desalojados na própria nação e tinham vergonha de serem alemães?…O futebol consegue reconciliar os alemães consigo mesmos. Este é o melhor caminho para a integração cultural… também dos estrangeiros.
O sucesso é o ingrediente que mantém uma comunidade e a leva também à união. O sucesso fomenta a identificação. Os jovens são atraídos pelo sucesso e pela satisfação do mesmo.
Os alemães até 2006 manifestavam-se da posição de fracos perante os estrangeiros. Desde que começaram a exigir a sua integração e o respeito pelos valores alemães os estrangeiros respeitam-nos mais. Consciência fomenta respeito e identidade.
O futebol faz milagres!

António da Cunha Duarte Justo
Alemanha

António da Cunha Duarte Justo

Portugal, o Brasil e a Alemanha sofrem

A vida fora de jogo
O Mundial não deixa ninguém indiferente. Sob a pressão do sucesso, de desejos, de projecções, transferências e recalcamentos, tudo é jogado no relvado. Tudo quer ganhar: ganhar custe o que custar, mesmo à custa da arte porque quem não joga na defensiva arrisca-se.
Esta é a hora dos símbolos, dos sonhos, das ilusões. É a festa da vida em segunda mão. Atrás dos símbolos, à sombra da realidade agarrados, contra ou a favor, rimos, cantámos e chorámos. No hino à recordação, iludimos o presente, indo à festa sem lá estar. Nestas andanças e na corrente das emoções vive-se da ideia, das imagens e sensações colocadas nos símbolos. A ideia relega a percepção e torna-se realidade substituindo-a mesmo; isto tanto na vida pensada, substituída, tal como no futebol. Tanta palavra, tanta imagem, tanto pensar a impedir a observação,a turvar a inteligência. Com isto a nacionalidade, a portugalidade sobrevive na imaginação, nas reservas de Portugal emigradas…
Passamos a cidadãos jogadores, deixamos de observar para fazermos parte do jogo, prisioneiros do relvado e do ecrã, perdidos pela pátria no tempo a passar…
Neste recanto de refúgio da realidade, levantamos os copos do presente bebendo-o à saúde da sobrevivência na comunidade nacional. Também nesta distracção da vida queremos resgatar a realidade no gesto inocente duma vida não vivida, no retorno à ilusão. Depois o enjoo na cata duma nova ilusão, inconscientes de que a vida anda fora de jogo. Aqui, como nas festas das utopias sacrifica-se a vida à ideia da vida, submete-se a realidade à ideia da mesma: um estado permanente de esquizofrenia. Neste contexto, mais que encontros de povos dão-se torneios de ideias formadas sobre povos e sobre os actores do palco. O contacto físico é porém o aspecto real que parece salvar a situação. A proximidade corporal e emocional transpõe montanhas; ao fim e ao cabo a poesia é que possibilita o amor, a compreensão.
A expressão é tudo. Manifesta-se a compaixão, o sofrer com os que perdem e a admiração com os que ganham. De entremeio situa-se a vida. Esta é complexa não se podendo reduzir aos padrões para decalque que dela nos são possibilitados. Naturalmente que não somos seres puros, estamos condicionados pela própria cultura. O que nos resta é observarmo-nos a nós e a ela para nos compreendermos e compreendermos um mundo de que fazemos parte sem nos reduzirmos a objectos ou moléculas da grande massa.
No Mundial os povos das nações tiveram oportunidade de se tornarem conscientes da provisoriedade das suas fronteiras e das jerarquias inimigas do ser humano que aqui, por vezes, são quebradas. Também o preconceito das sombras nazis que pairavam nas cabeças de muitas nações e tornavam os jovens alemães cativos dum passado indigno é dissipado através da maneira humana e sensível como os alemães têm sido descobertos.
Uma lição importante do futebol: o intelecto divide e o coração une. Da relação surge vida e energia. O relacionamento desbloqueia libertando energias salutares integrais e integradoras.
Um aspecto impressionador é o facto de uma Europa que já se tinha libertado de Deus e em via de se libertar do Homem celebrar tão comovida e liturgicamente o deus futebol. É estranho que se tenha deitado Deus no caixote do lixo para criarmos outros deuses secundários que nos afastam da realidade reduzindo-nos à categoria laica de adeptos, de adaptados. Tudo isto em nome duma liberdade que ainda se não sabe soletrar e de ideais idolátricos.
Se a política, a economia e a religião alimentam o sentimento, a emoção e a ilusão, a ciência vive do intelecto, os hábitos vivem da rotina, tudo à custa da realidade e do Homem…
O futebol global não é português, brasileiro nem alemão! É um abstracto no relvado da imaginação. Tudo isso além do mais…
Sim, até porque na realidade não!…

António da Cunha Duarte Justo

António da Cunha Duarte Justo

Boas Férias!

Prezadas e prezados Visitantes:
No Sábado, dia 15.07.06 parto com a família para a Branca, Albergaria-a-Velha, Portugal, onde vivo e passarei as minhas férias até meados de Agosto.
Em tempo de férias também o trabalho deve descansar para tudo crescer na espontaneidade para lá do bem e do mal. Uma prioridade: a amizade! Apreciar o dia a dia sem o stress do calendário na mão. Na prioridade do hoje e não da intenção, saborear cada momento, o encontro.
Tempo de férias: uma oportunidade para manifestar o carinho que o dia a dia, o tempo muitas vezes impedem.
Desejo-vos tudo o que há de bom!
António Justo

António da Cunha Duarte Justo

Cãs tristes – Tristes cães!

Volto de férias passadas na calma e laboriosa Branca, Albergaria.
Trago comigo a nostalgia! Não é só a saudade daquela gente tão boa e das paisagens impares, mas também aquela tristeza de premeio do latir dos cães solitários e mendigos de carinho. Por companheiros têm apenas o cadeado e a voz dos outros parceiros de infortúnio que se torna característica ao anoitecer nas paisagens nortenhas. Tornados recordações da terra, eles são sentinelas, testemunhas duma paisagem e duma humanidade inconsciente em que a identificação com a natureza e com os animais se torna difícil na luta pela subsistência. O sofrer da natureza anda ligado ao sofrimento do Homem… Nos países pobres o cão é mais uma coisa que pode ser útil do que um ser vivo com sentimentos. Os seus latidos são tristezas não choradas, súplicas de povo à terra atado.
Nesta minha nostalgia também anda uma recordação de criança. A daquele cão de aldeia que já noite adiantada consegue libertar-se do cadeado que o prendia e, farejando, se dirige à campa da sua dona, lá no fundo da freguesia, nesse dia triste de Outono enterrada. Pressuroso, com as suas patas remove a terra da campa… De manhã encontram-no, extenuado do cansaço, repousando no buraco da terra parecendo escutar o segredo da dona que ali quer guardar.
Recordo também o caso do herói Ulisses que após a sua odisseia de muitos anos, depois do cerco de Tróia, ao voltar esfarrapado a sua casa na ilha de Ítaca (Tiaqui), ninguém o conhece. Apenas o seu velhíssimo cão o reconhece. Eufórico por tornar a ver o seu dono o coração rebenta-lhe de alegria caindo morto aos pés de Ulisses.
Amigo e confidente de pessoas, companheiro de idosos, salvador de vidas entre escombros, ou colaborador na procura de drogas, o cão aí está sempre pronto e disponível.
A sua companhia tem efeitos muito positivos e terapêuticos sobre os donos. Estes dormem melhor e não precisam de visitar tantas vezes o médico nem de tomar tantos comprimidos. A sua vida prolonga-se. Também a circulação sanguínea dos seus donos funciona melhor atendendo a que têm de dar os seus passeios diários com ele, esteja bom ou mau tempo.

António da Cunha Duarte Justo

António da Cunha Duarte Justo

Günter Grass – Um Filho do seu Tempo

Com a mentira da sua vida conseguiu reabilitar a sua pessoa

Atempadamente, antes de ser publicado o seu último livro auto-biográfico, Günter Grass confessou que também ele tinha servido na “10ª Divisão Blindada da SS ” e que até ao fim acreditara na vitória final. Deixada a Divisão Blindada da SS continua a sua luta, não já com as armas reais mas com as armas do espírito. Afinal, não foi um herói da guerra, mas através dela um herói da literatura.
Ele que justamente atacou tanta gente que tinha servido o terror de Hitler, confessa tardiamente o seu pecado de infância. Naturalmente que foi um pecado venial, porque na idade de 17 anos não se pode exigir dum jovem aquela maturidade e esperteza que conduziu Grass ao prémio Nobel.
Com a sua confissão, na Alemanha, o seu rosto, que era uma instância, uma autoridade moral da esquerda, sofreu uns arranhões fortes.
Uns condenam-no por durante tanto tempo ter atacado muitos outros por se terem envolvido no “Drittes Reich” e ele ter calado o seu envolvimento.
Outros atacam-no por ter, com aquela encenação maquiavélica em entrevista sobre a sua autobiografia, motivado o público a comprar o livro e assim ganhar milhões através duma propaganda gratuita.
Outros querem viver em paz com o seu Grass que é realmente um grande poeta independentemente dalgum nevoeiro da sua vida que para outros não passa de oportunismo e hipocrisia por trás das máscaras.
Outros ainda reconhecem nele um poeta do estado ou simplesmente um homem com tantas contradições como é comum na nossa época. É toda uma geração de intelectuais (confronte-se a geração dos anos 60/70 hoje dominante a nível político e cultural em toda a Europa) que através do seu moralismo, da sua voz contra a burguesia se tornou a nova burguesia apoderando-se da cultura e do Estado.
Ele que sempre criticou a burguesia, que questionou a geração dos seus pais, polarizando e desacreditando o seu adversário, com uma consciência de guru será agora questionado. O seu valor literário não poderá ser contestado embora haja vozes que contestam o seu prémio Nobel por não ter ocultado ao júri o seu passado. Filho do seu tempo, não superou a dialética, só sabe pintar o mundo a preto e branco. Óptimo estilista, na arena pública e política não diferencia, mas sabe bem onde quer chegar. Polémico e auto-consciente, viveu sempre à sombra da sua inocência podendo atacar (mesmo indefesos) sem ricochete. Por isso reconhece a revista alemã “Der Spiegel” (nº. 34/Agosto) que Grass não poderia ter representado o papel que representou de escritor da Alemanha, se tivesse revelado mais cedo o seu passado. Neste caso teria de ter sido mais diferenciado no trato, nos discursos e nos escritos. Assim serviu interesses servindo-se.
Também ele se tornou vítima dum espírito de luta cultural intercutânea que leva ainda indiscriminadamente a considerar diabólico tudo o que tem a ver com o “Drittes Reich”. Além disso a instrumentalização da nódoa do nacional-socialismo prometia muitos dividendos para a esquerda socialista. Grass foi um dos seus fomentadores nos seus ataques aos do partido contrário. Para ele o governo de Kohl era uma máfia. Grass não queria construir pontes, do seu trono queria ter razão e seguidores.
A inocência que para ele reclama não a concede aos outros. Tal como a generalidade da geração mais velha também ele passa ao largo daqueles tristes anos. O medo e a culpa são alheados e projectados na Alemanha ocidental na continuação duma filosofia meramente dialéctica e ideológica como se estes instrumentos disciplinadores fossem suficientes para encurralar o rebanho. Este agir levou mesmo uma geração nova a ter vergonha de ser alemã: o lado extremo da vertente hitleriana. Finalmente também o grande Grass é abrangido pelo tal pecado original que com a geração de 68 queria que todo o povo alemão confessasse de geração em geração. Demasiada fé para se poder tornar realidade.
A atitude de Grass é bem compreensível tendo em conta que o ambiente paterno e a propaganda oficial fomentavam o entusiasmo de qualquer jovem. A filosofia, a estratégia e a dinâmica nazi era de tal ordem que não podia deixar ninguém indiferente. Alguns não perderam o entusiasmo e souberam, tardiamente mas ainda a tempo em termos históricos, canalizá-lo para campos de acção mais nobres. De facto, ao ler-se os discursos de Hitler e “Mein Kampf” será difícil, a qualquer jovem ou pessoa simples ou não esclarecida, não se deixar entusiasmar pela retórica escrita de Hitler. Quem ler um pouco, apesar das blasfémias como a sua teoria da raça, o extermínio dos judeus, etc., compreende o entusiasmo de então, porque se apresenta muito lógico e autêntico defensor do seu povo dentro do seu nacionalismo socialista.
Grass terá sido um sequaz irreflectido como outros o foram por convicção. O sistema de Hitler era de tal maneira coeso que convencia qualquer incauto ou inocente. Por isso só quem conhece apenas o aspecto diabólico de Hitler mas não conhece a realidade de então e o aspecto “profético” de Hitler poderá colocar todos os outros no banco dos réus.
Oxalá esta confissão tardia de Grass sirva para desideologizar as frontes e a abordagem dos tempos do holocausto. Houve muita gente bem intencionada que foi arrastada a cometer o desumano. A ideia pura e racional pode chegar ao extremo de negar o próprio homem. Uma ideologia não pode ser combatida à base de culpabilização. Ela tem de compreender porque é que os actuantes agiram assim e não diferentemente, doutro modo só se fomenta a amnésia, a auto defesa ou a presunção. As faltas dos outros criam a ilusão das próprias serem mais leves. A vergonha não leva a lado nenhum. No mundo há ainda muita gente que hipocritamente aponta o dedo contra os alemães querendo-os tornar cativos dum passado inglorioso. Seria frívolo querer-se ser ilibado da vida à custa do denegrir os erros dos outros como é prática entre as ideologias.
Também as épocas do 25 de Abril e de Salazar estão por descrever e continuam a ser instrumentalizadas a bel-prazer. A lei e o costume estão sempre do lado dos usufrutuários. A história socorre-se da hipocrisia no respeito pelos seus actores e beneficiados. Só depois da sua morte lhe fará um pouco de justiça. Primeiro terão de morrer os “destronados” e os seus “herdeiros” – os revolucionários e apoiantes – para se poder depois chegar a um certo equilíbrio na avaliação. Neste contexto, o falar mal dos outros é o manto que se veste para encobrir os males próprios.
Por trás de cada pacifista encobre-se um guerreiro. A história não é para se julgar mas para se compreender. A mentira encontra-se tanto nas fileiras dos combatentes contra a direita como na dos combatentes contra a esquerda. Eles não conhecem pessoas, só conhecem ideias. Entre eles se recrutam e escondem os oportunos da vida. A história só se interessa pelo global e não pelo particular ou individual. Do individual apoderam-se os actores da história, da cultura e da economia. Nesta dinâmica ninguém está disposto a morrer pelo povo. O povo é que terá de morrer pela nação e pelos seus protagonistas.
Macabro é o facto de vivermos numa sociedade de tal maneira hipócrita e desumana que se o jovem autor Günter Grass tivesse dito logo a verdade, ele nunca chegaria a ser o que foi nem teria a chance de se reabilitar. Grass com a mentira da sua vida conseguiu reabilitar a sua pessoa e entusiasmar muita juventude a singrar nas fileiras socialistas. É um poeta moralista que vive das realidades e que à sombra do pecado original movimenta e serve muitos interesses.
Os “homens bons” só brilham na escuridão da noite por isso não será correcto falar-se da parte do dia da História. Esta seria menos dialéctica e mais polar.
Quer queiram quer não Grass venceu ao serviço duma causa social. Ele como “homem bom” tem razão: a história só se lembra dos vencedores, que do povo não reza a História!

António da Cunha Duarte Justo

António da Cunha Duarte Justo