VIVER BEM

VIVER BEM

Na vingança da resposta a vida aquece, evola-se e desaparece.

A vida não pergunta, nós somos a resposta;

se lhe queremos responder

o seu bem esvai-se na pergunta que a disseca.

Viver bem é sofrer e amar sem saber porquê.

Para mim, viver bem, mais que existir é a arte de fugir ao engano,

é querer dar lugar ao leito do sonho e do tempo

que flui em mim, em ti

e prossegue no rio e na estrada.

É também um borbulhar de sonho no tempo

a iluminar o futuro, o caminho, no leito do mundo

a querer parecer (encenar) mundo sem o ser.

Nesse leito sou o brilho, um modo de ser sem estar no acontecer.

Viver bem é deslizar como a água que alimenta sem saber,

é sentir um olhar sem olhar nem pensar,

um estado de graça a agradecer.

Viver bem é a coragem de mergulhar na vida e fluir

e como a água fazer os outros crescer.

Viver bem é saber que se passa sem andar,

que se bebe a água sem ter sede.

Existir é a sede do caminhar no bom viver

e viver bem é ser, ser sem cobiçar nem pensar.

Viver bem és tu sou eu, no rio do nós,

a fluir para o bem.

Para mim, viver bem é viver sem querer,

viver na alegria do fazer e do ser como se é.

Viver bem é estar todo no ser

no ser em devoção da comunhão que se é.

António da Cunha Duarte Justo

Europa na Rectificação – AfD o seu Mecânico?

 

Quem não marra não mama – Em vez de Lamentos Grupos de Pressão

Por António Justo

No fim de semana de 30 de Abril para 1 de Maio realizou-se na Alemanha o congresso do partido AfD (Alternativa para a Alemanha) para discutir e aprovar o programa básico do AfD e assim alinhar as diferentes tendências do partido e se preparar para as próximas legislativas de 2017; a secção do AfD Sarre foi excluída do partido pelo Congresso, por manter contatos com a extrema-direita.

O declarado objectivo do novo partido AfD (actualmente com 23.000 membros) é, em relação à Alemanha, “entrar no Parlamento Federal” e, em relação à EU, defender uma “Europa das pátrias” soberanas.

O Programa

O jornal HNA 2.05 cita as seguintes decisões aprovadas no programa do partido: a Turquia não deve tornar-se membro da EU, a EU deve ser reformada de maneira a restituir a soberania aos estados nacionais, regressar à comunidade económica CEE, ser diminuído o número de abortos, proceder-se à expulsão de estrangeiros criminosos, iniciar uma saída ordenada do ensaio Euro, reintroduzir-se o serviço militar obrigatório para os alemães, “a imigração de refugiados não regulamentada” prejudica a Alemanha, precisando esta de “imigrantes qualificados com vontade de se integrarem”; pretende também que a responsabilidade criminal seja já a partir dos 12 e não dos 14 anos. O programa afirma que o islão não é compatível com a Constituição Alemã. Entre outros apelos regista-se a proibição do uso da burca e do niqab em público, bem como o apelo do muezim (1) e a construção de minaretes (torres das mesquitas), prolíferos devido ao financiamento árabe. Defendem a energia atómica, o sistema escolar dividido em escola industrial, escola comercial e liceu em vez da “escola secundária integrada”; contra a ideologia multicultural e consideram o Islão como o adversário do ocidente.

 São críticos em relação aos “partidos do consenso” e a uma “Alemanha contaminada pela geração 68” e reconhecem na Suíça o grande exemplo de participação civil na política.

O fenómeno que sociopolítico que se observa na Alemanha, uma sociedade extremamente temperada é indício de na Europa se iniciar um período crítico em relação a uma esquerda que actuou desenfreadamente perante uma direita, que se tinha reservado, socialmente, o papel de espectadora.

Segundo Bild am Sontag, a última sondagem Emnid conclui que se agora houvesse eleições o AfD seria a terceira força partidária da Alemanha com 13% de eleitores, os Verdes com 12%, o CDU/CSU 33%, o SPD 22%, o Esquerda 9% e o FDP 6%.

Os partidos estabelecidos procuram defender-se da nova força política, dando-lhe os atributos de extrema-direita e de populistas. Esta atitude revela mais fraqueza que força de argumentação porque é injusta no que respeita à atitude da maioria dos membros do partido (muitos deles eram membros dos partidos que dominam o poder na cena política: são os desiludidos da maneira como a esquerda europeia tem sido iconoclasta e irreverente em relação às tradições culturais ocidentais, são os críticos e os perdedores do sistema.).

O AfD obriga os outros partidos a ocuparem-se a nível de conteúdo com os problemas prementes que incomodam a maioria da população.

A classe política, apesar das perdas, sabe que pode continuar a governar sem grandes mudanças porque o grupo que a contesta é constituído por diferentes e concorrentes interesses que desestabilizam a nova formação política.

O que contribuiu para a formação do novo partido

Depois de 50 anos de domínio ideológico da esquerda surge agora, pela parte determinante da Europa, a resposta da direita. Até ao surgir do AfD, a Alemanha era um país em que os imigrantes de cultura árabe se encontravam à vontade e até com exigências desmedidas. Os governos alemães não elaboraram uma política de estrangeiros em termos sociais; tinham uma política só virada para a economia e em questões problemáticas consideravam o tema de estrangeiros na opinião pública como tabu. O tema sobre os problemas do gueto e de integração não podiam ser tratados com objectividade porque os interesses do status quo e grupos políticos da esquerda logo se insurgiam com o epíteto de racista a quem apresentasse algo crítico em relação aos árabes.

O Governo da Turquia envia regularmente para a Alemanha 970 imames (orientadores religiosos de mesquitas) que rotativamente se renovam de cinco em cinco anos, enquanto a mesma Turquia proíbe a entrada e a acção de padres ou pastores na Turquia. Deste modo, o governo turco com o seu ministério do culto, direcciona política e religiosamente, os turcos e seus descendentes na Alemanha chegando o presidente turco Erdogan a considerar a integração “um atentado contra a humanidade”.

Os partidos, até agora ignoraram o facto de muitas famílias turcas impedirem as filhas de frequentarem a ginástica (natação) na escola; não tomaram a sério nem puseram na ordem do dia o facto de jovens muçulmanos manifestarem desrespeito pelas professoras; ignoraram o facto de em algumas mesquitas se pregar contra princípios democráticos da sociedade ocidental; não se preocuparam com o problema da radicalização em torno das mesquitas, nem dos casamentos forçados, nem da matança primitiva de animais para a festa do sacrifício; evitaram também tematizar crimes de honra, a liberdade individual e a igualdade dos géneros entre os muçulmanos.

Desonrou-se a tolerância, tolerando a intolerância e agora que surge um novo partido (o AfD) a fazer concorrência aos partidos instalados, estes já se começam, oportunisticamente, a preocupar com o problema da integração e com a realidade de sociedades paralelas que fomentaram.

Outrora o povo barafustava não sendo tomado a sério pela classe política, agora que se organiza em termos de poder já é tomado a sério sendo até copiado  nalgumas exigências.

Lição da história: em vez de lamúrias e queixumes contra a classe do poder instalado, a solução é organizar-se em grupos de pressão, tal como fazem os que dominam. Basta seguir o exemplo dos grupos que têm nas mãos o poder: partidos, lóbis da economia e das finanças, maçonaria, sindicatos, etc. Doutro modo terão de se deixar reduzir à categoria dos que seguem o mote de “quem não berra não mama”; estes porém estão sempre dependentes do leite e da mãe. A política e o povo têm a melhor alegoria do seu comportamento na vaca leiteira e no seu bezerro: se o bezerro marra a vaca, esta deixa correr o leite. Em vez de berrar para mamar seria mais adequado lembrar-se da experiência de que quem não marra não mama. Alternativa: chorar ou marrar?

Aqui se nota a razão de povos vocacionados ao queixume! Em vez de seguirem o mote “quem não berra não mama” tornem-se activos mudando de atitude e de consciência, cientes de que quem não marra não mama! A prova vem dos grandes que marram tanto na teta do povo que chegam a nadar no leite. «Ou há moralidade ou comem todos»!

Somos livres de continuarmos a ser um povo que “não tuge nem muge” mas então não nos queixemos de sermos vaca só para alguns. No meio de tudo isto não desprezemos o outro provérbio português que avisa: “Onde reina a força, o direito não tem lugar.”

António da Cunha Duarte Justo

www.antonio-justo.eu

  • “Não há nenhum deus além de Deus (Alá) e Maomé é o seu profeta”. Este grito é uma provocação diária em relação a todos os que não são maometanos e para mais é entoada nas mesquitas europeias sem qualquer preocupação. A política que penaliza quem levanta o braço na repetição do gesto de Hitler aceita como normal a entoação religiosa de uma confissão de superioridade e de exclusão dos outros. O povo parece resignar, na consciência de que é melhor não pensar para não sofrer! Esta cultura que sobe ao rubro por qualquer ninharia cristã acumula energias negativas no povo ao verificar que se respeita mis a cultura do próximo que a própria.

Portugal entre a Censura da PIDE e o Tráfico de Influências de ABRIL

 

VAMOS NACIONALIZAR A REVOLUÇÃO PARA LIBERTARMOS A LIBERDADE ABUSADA

 

Por António Justo

O Espírito democrático entrou pelas portas da sacristia e da caserna; agora seria chegado o tempo de o deixar livre sem os empedernimentos factuais e ideológicos; precisamos de todos, da direita e da esquerda, de crentes e não crentes. Um Portugal adulto não pode manter-se em contínuo ajustamento de contas nem num medir de forças adolescentes numa atitude de abuso e de ilusão do “eu é que tenho razão, eu é que tenho a solução”.

Somos um país demasiado pequeno para podermos continuar a dividir e a combater uns aos outros. Já Confúcio constatava: “Se não há consenso sobre os fundamentos, é inútil fazer planos em conjunto” (1). Daí a razão de constituirmos, depois do Renascimento, um povo indefeso sempre à mercê dos ventos das ideologias do tempo. Do pão preocupa-se o estrangeiro! O pão amanhado pelo povo não chega para manter os gandulos da nação que, como a cigarra, vivem do seu cantar e deste modo obrigam a nação à eterna condição de pedinte, como se constata principalmente a partir das Invasões Francesas!

Vai sendo tempo de se reconciliar Portugal e de se dar início a um discurso político integral, de afirmação pela complementação e não só pela contradição e difamação. Continuar a política nas pegadas do passado seria continuar a sacrificar o destino de um povo ao desejo insaciável de alguns egos insatisfeitos.

 

Embora a revolução tenha sido feita pelos soldados não é legítimo metê-la na caserna da esquerda (2); há que nacionalizar a revolução para libertar e dignificar a liberdade abusada. O Regime de Abril não é propriedade de ninguém; não se reduz a Abril nem a Novembro; o que temos devemo-lo, primeiramente, aos soldados e a um povo habituado a apoiar e a seguir, de cabeça baixa, quem se põe à sua frente. Temos de abandonar o hábito de povo a viver dos ardinas da praça pública, dos ardinas jacobinos que passam a vida a vender ideologias engomadas e bem penteadas para só eles viverem das cabeças distraídas pelas artimanhas dos seus penteados (3).

 

A censura do Estado novo e uma sociedade fechada tinham mantido o sistema de Salazar com todas as virtudes e defeitos que lhe eram próprios (4). Depois começou a haver brechas na Igreja e especialmente a partir do Concílio do Vaticano II revolucionou-se o mundo; O movimento eclesial anterior ao Vaticano II (não notado pelo poder secular) foi decisivo no reconhecimento dos sinais dos tempos e na fomentação da coragem que depois se expressou no movimento 68 e finalmente no 25 de Abril.

 

Actualmente o povo encontra-se desiludido e desconsolado mas não é contra a democracia, é apenas contra as casernas da maçonaria e dos partidos. O autoritarismo, a censura e o dirigismo não ficaram apanágio do Estado Novo, eles continuaram de maneira feroz mas refinada no Regime de Abril, através de um dogmatismo ideológico de monopólio da verdade, de uma censura transformada em tráfico de influências e da tesoura na cabeça de muitos pensadores, jornalistas e políticos; esta censura discreta e suave foi conseguida e inteligentemente instalada através de um dirigismo ideológico de uma esquerda radical infiltrada nas estruturas do Estado através dos saneamentos em todos os lugares chaves do Estado (5). Fomentou-se uma sociedade a viver de falsas esperanças, uma sociedade de fanatismo informal, de saber jacobino e farisaico. Enfim, tornamo-nos numa democracia à primeira vista, uma democracia oportunista que faz do Parlamento o lugar alto para os galos da nação. Esta situação não deixa ninguém acordar para o acordo do entendimento entre todos como seria de desejar! Assim Portugal é condenado a continuar a viver, abaixo das suas possibilidades, naquela “apagada e vil tristeza” dos vencedores encantonados em moralismos sem razão. Assim, a elite de Abril tirou a inocência e a alegria à nação; já ninguém tem vontade de cair no engodo do cantar: “somos livres”!

O factor segurança e a mentalidade de se “ter o rei na barriga”, tanto no velho como no novo regime, estabelecem a resistência à mudança de uns e de outros, sendo estes os factores do eterno adiamento de Portugal.

Resta a todos libertar a liberdade da velha censura da PIDE e da nova censura do Tráfico de Influências do  ABRIL. Este será o caminho para nacionalizarmos a revolução e assim libertarmos e dignificarmos a liberdade abusada.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

  • 1- O nosso actual “governo geringonça” é a melhor prova de abuso e oportunismo ideológico a ditar leis às costas do povo – sem pré-anúncio programático nem discussão pública – enfim, um governo a actuar pela calada da noite num povo sem telhado nacional!
  • 2- Ramalho Eanes foi a personalidade chave da revolução; ele dirigiu o 25 de Novembro.
  • 3- Os pensionistas e os funcionários do estado representam 80% da despesa do Estado! A revolução não obedece a uma política elaborada. Era fruto de ideologias encabeçadas por pessoas como Otelo (Brigadas Revolucionárias) e por pessoas do PCP. Álvaro Cunhal aterrou então em Lisboa com orientações de Moscovo e Mário Soares de França com orientações do Ocidente.
  • 4- Abrilistas recalcados esquecem que Marcelo Caetano já tinha iniciado uma política aberta que conduziria ao desenvolvimento que outras nações europeias depois também conseguiram sem a necessidade de uma “revolução” nem a consequente subordinação a ideologias que vivem da divisão do povo e da razão, atando-os a uma a uma só lógica enganadora.
  • 5- Também por isso os festejos do 25 de Abril se tornaram rituais institucionais que se celebram a si mesmos à margem da realidade da nação. Festeja-se Abril nas costas de 10 mil combatentes mortos no “ultramar” e de quase um milhão de retornados explorados e injuriados e de povos das colónias abandonados à fúria de algumas forças revolucionadas. Não se trata de querermos um revisionismo histórico mas de que Portugal encare a realidade de olhos abertos para integrar no seu ideário sucessos e fracassos.

A ELITE DE ABRIL ATRAIÇOOU O IDEÁRIO UNIVERSAL PORTUGUÊS EM NOME DA LIBERDADE E DO PROGRESSO

O Jacinto de “A Cidade e as Serras” é o Protótipo do Português moderno autêntico

Por António Justo

 

Eça de Queirós, no romance “A Cidade e as Serras”, revive o espírito luso, ao incarnar-se no seu protagonista Jacinto e defender a reconstrução de uma sociedade tipicamente portuguesa que acompanhe a civilização mas sem se corromper.

Jacinto que levava uma vida afrancesada, progressista e artificial transforma-se no símbolo do verdadeiro português, de autoconsciência madura, que integra na natura e na cultura, de maneira criativa, as novidades da civilização sem destruir a própria cultura.

A obra “Cidade e as Serras” consegue idealmente integrar e reconciliar Portugal e nele, reconcilia o exterior com o interior, irmana a tradição com o progresso.

As nossas elites de Abril, “afrancesadas” e “sovietizadas”, ainda se encontram na fase de Paris, vendendo a alma portuguesa aos demónios socialista e capitalista, mercantilizando o povo e o espírito da sua vida; vivem ainda unilateralmente nos andares da razão do artifício (polar dialético) sem se preocuparem pela integração de razão e coração (corpo e alma); aquele modo de estar tem-nos levado à promoção da desconciliação e à alienação do cultural e natural num movimento de entropia contrariador do espírito luso de inclusão.

A elite pós-25 de Abril, ao contrário do personagem do romance, Jacinto, iniciou uma viagem já não de Paris para Portugal mas de Portugal (natureza) para as cidades da ideologia sem regressar nem capacidade para renovar Portugal porque apenas lhe oferece os enlatados estranhos que, a nível cultural, não produzem humos alimentícios que alimentem a terra mas apenas entulheiras de enlatados amontoados.

“Paris” é a ideologia, é moda que passa em gestos de dançarinos públicos, é espírito que corrompe, se não regressa à frescura e inocência da natureza campestre (o nosso Portugal, que integrou nele o mundo todo não se deixando cativar pelos cantos de sereias nem perder nos extravios de uma Europa decadente porque envelhecida). Enquanto Jacinto moderniza as serras e se junta ao povo, a nossa elite de Abril destrói as serras e desertifica as aldeias; em vez de se casar com a província (Joaninha) prostituem-na com a falsidade e a corrupção de citadinos degenerados e malabaristas sem consciência; em vez de se tornarem no pai dos pobres, tal como fez Jacinto, desprezam e negligenciam o povo e os seus costumes.

O Ideal de Jacinto de Tormes deveria consistir em reconciliar a cidade com o campo (a tradição com o progresso) promovendo uma condição digna também para o povo de baixo. As nossas elites atraiçoaram os ideais de Portugal; Jacinto de Tormes é o protótipo do português autêntico, o contrário da nossa elite que figura no palco da nação, uma elite desenraizada sempre atarefada a correr atrás da moda e de olhos fixos no que faz e diz o estrangeiro como se as modernices não fossem apenas fulgores passageiras condenadas a tornar-se velhices. A situação actual, analisada sob a perspectiva característica da identidade portuguesa descrita no romance “A Cidade e as Serras”, tornou-se mais numa tragédia que num romance…

Resta-nos agir e esperar que a nossa elite progrida e se desenvolva tal como aconteceu com Eça de Queirós, primeiramente iludido e seguidor incondicional do progresso e depois, mitigado pela naturalidade humana do povo e da natureza, se tornou num grande português como se retrata e descreve no Jacinto, e no grande romance “A Cidade e as Serras”. (Este romance, que revela ainda o génio de Portugal e não as suas ideologias, deveria ser leitura obrigatória para todo o aluno).

Não se trata de vendermos a nossa alma ao passado nem ao futuro mas de sermos sempre nós, sempre em processo a tornar-nos nós mesmos, na concretização do presente: um agora feito de passado e futuro. Assim realizaremos a intercomunicação da alma tipicamente portuguesa expressa na saudade, onde ressoa o divino e o humano, a natureza, o tempo e a eternidade.

Também Eça, tal como Jacinto, se deu ao luxo de uma vida desregrada em Paris mas amadureceu deixando de ser um eterno adolescente para voltar, tal como o filho pródigo, à casa paterna, à natureza bem portuguesa das terras do Douro.

Chegou a hora de a nossa elite pôr de lado o cinismo e a vida irónica e dupla e seguir o exemplo de Eça no seu Jacinto para se reconciliar com o povo, com a natura e com a cultura genuinamente portuguesa: uma natureza aberta ao mar que é parte do seu corpo a abraçar o mundo, uma cultura inclusiva e universal que vê e sente o mundo e a humanidade a partir de dentro porque o génio sinceramente português é feito de terra mar e céu.

De facto, seria catastrófico, continuarmos a agir apenas em nome da ganância e do progresso atraiçoando assim o ideal português de ideais éticos e de inclusão numa consciência humilde de complementaridade.

Chegou o tempo de parar para reflectir e sentir o mundo nas pegadas de um Afonso Henriques, de um D. Dinis, de um Santo António de Lisboa, de um infante D. Henrique, de um Vasco da Gama, de um Camões, de um António Vieira, de um Feranando Pessoa e de tantas e variadas personalidades portuguesas que se sentiam na missão e tradição de se realizarem, cumprindo Portugal sem que este abandonasse o seu papel de pioneiro na realização da civilização…

António da Cunha Duarte Justo

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ATEUS PROTESTAM CONTRA O GESTO PROTOCOLAR DO BEIJO DO ANEL DO PAPA PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Da Intolerância de uma República ciumenta

Por António Justo

O nosso Presidente visitou o Papa Francisco e no acto da recepção beijou o anel do sucessor de Pedro. Isto que muitos outros estadistas não portugueses também fazem tornou-se em cavalo de batalha e motivo de protesto e indignação da AAP (Associação Ateísta Portuguesa). Reagem de maneira azeda contra o que tenha a ver com a crença dos outros (em especial a católica). Alegam que o beijo do anel “é sinal de submissão”; a sua insatisfação é tanta que lembra uma reação recalcada a ponto de ver no gesto um acto de subjugação à “teocracia europeia”, como relata o DN (1). Enfim, uma tomada de posição jacobina com que muitos ateus sensatos não concordam.

Penso que o que está por trás do protesto será um complexo de inferioridade ou a necessidade de autoafirmação do próprio ego à custa do maldizer que parte de uma sensibilidade altamente pessoal (PAS). A questão passaria desapercebida se não fossem os cães de guarda de uma república, sujeita à imagem e semelhança da sua opinião.

O problema não está no Presidente ir à mesquita ou em beijar protocolarmente a mão do Papa ou de uma mulher (Também o facto de o Pro DR. Rebelo de Sousa ir à mesquita na qualidade de PR não revela um acto de identificação ou subjugação ao islão). O problema está em fazer-se de um acto protocolar um motivo de protesto para os que não vêm com bons olhos, um católico assumido à frente dos destinos da nação e façam tudo por tudo para o desmontar! A coscuvilhice vive bem do falar mal de pessoas da direita e da esquerda em vez de se ocupar com o que estas fazem ou deixam de fazer em bem do país e do povo.

Críticos alegam que querem um presidente sem rosto em questões de representação da República. Será que o Estado terá de professar a sua crença laica tendo, para isso, de negar todas as outras crenças, não podendo suportar o convívio de umas com as outras? Muitos ainda não notaram que a “religiosidade” (crenças, ritos e rituais laico-religiosos) são comuns e subjacentes aos crentes laicos e aos crentes religiosos! Querer ver-se o Homem nu e submeter-se tudo só ao metro da razão (sem corpo) significaria desconhecer a realidade e negar o circunstancial em nome de um absoluto abstracto que não pode existir circunstancialmente. O problema está na percepção e na linguagem que lhe dá forma!

O problema virá da interpretação ao querer-se confundir gestos protocolares com a honra ou desonra da nação. A consequência lógica seria exigirmos dos representantes da nação uma atitude virgem sem crenças nem ideologias, o que é impossível. A República tem de aprender a viver na tolerância de todos os crentes acreditem eles na existência ou não existência de Deus sejam eles agnósticos, monárquicos, republicanos, comunistas ou capitalistas. Torna-se estranho que uma minoria que se reporta tanto aos direitos da democracia não aguente com a realidade de se encontrar numa cultura de reminiscências católicas maioritárias e queiram para si – em nome de uma república laica intolerante – encarcerar toda a gente no seu cerco ideológico de uma visão republicana redutora.

Em tal situação o único meio de evitarmos guerras e guerrilhas será investirmos mais na tolerância. As diferentes crenças e ideologias terão de compreender-se como complementares e como tal organizar a vida de maneira harmónica, como os diferentes animais no “paraíso terreal”. A intolerância de um lado alimenta a intolerância do outro.

O azedume chega a não compreender gestos de cortesia, como se a neutralidade religiosa do PR fosse questionada com isso.

De facto, quando mulheres representantes de Estado vão à Arábia Saudita e colocam um lenço na cabeça isso não constitui um acto de submissão de um Estado em relação ao outro (apenas uma questão de delicadeza protocolar). O Papa quando foi à América Latina e colocou as penas indianas na cabeça não significou um acto de submissão mas apenas respeito por uma cultura; o mesmo se diz quando um Papa ao poisar o território beijava o solo. Tenho vários amigos ateus e sempre constatei neles muita tolerância; no caso da AAP chega a ter-se a impressão que querem ter o rei na barriga necessitando para isso de um cavalo de batalha no seu território contra o catolicismo, como se tem observado em outras reacções. Se este campo de batalha de muitos servisse de tubo de escape para as próprias desilusões e agressões, o facto até seria desculpável se na própria vida do dia-a-dia isto os ajudasse a ser muito bons maridos, bons amantes, bons pais, bons companheiros e amigos! Os condicionalismos humanos são muito complicados!

Os estadistas, nos seus contactos com outros povos e culturas, assumem atitudes de respeito porque sabem que cada cultura constitui apenas uma complementação da outra. As leis da cortesia são muitas vezes sábias porque sabem distinguir entre o que é individual e o que é oficial, entre o subjectivo e o objectivo. A fé na república, que diferentes grupos reclamam para si, é também ela insuficiente, dado a república não ser um neutro nem a sua crença nela constituir um absoluto; ela é constituída pelo emaranhado de pessoas de diferentes crenças sejam elas católicas, ateias, morais ou políticas, sejam elas de tendência mais ou menos republicanas ou mais ou menos monárquicas. Todas são necessárias! Tudo o que levasse à imposição de uma ideia meramente secularista ou religiosa seria tendencioso e perigoso. Uma filosofia dialética exclusivista conduz à guerra e à intolerância.

O problema vem do facto de, do alto do nosso trono individual, nos armarmos em juízes dos outros, sofrendo da ilusão de que a própria opinião é sentença aplicável aos outros. Em nome dos ideais e das boas opiniões se justificam as guerras e o desprezo pelos outros! A tua e a minha opinião são apenas pontos de vista de uma janela mais ou menos larga mas sempre incapaz de abranger o todo do panorama.

Há gente que até dá largas aos seus rumores viscerais pelo facto de um político ou outro se apresentar em representações de Estado sem gravata, hábito que o protocolo contemplava. Quem quiser implicar encontra sempre razões para isso.

António da Cunha Duarte Justo

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