A PROPÓSITO DA VERDADE E DAS VERDADES NA IRREALIDADE DA POLIS

A Verdade é paciente não ataca nem difama

Por António Justo

A verdade ou é revelada ou é vivida, o resto é crença nalguma forma ou numa perspectiva de vida que, para cada qual, pode ser a sua. Seria auto-engano acreditar num poder todo-poderoso da razão, por muito nobre e prático que ele possa ser.

Todo o saber, seja ele político ou científico é apenas uma forma de discurso. A doutrina é limitada ao intelecto e a Verdade não se deixa reduzir a ele nem à experiência que se tenha dela. Consequentemente a atitude intelectual e prática mais adequada que possamos ter em relação à verdade será de humildade e de respeito e em relação às verdades e opiniões dos outros a melhor postura será de tolerância.

 O intelecto e a experiência são os instrumentos de acesso à verdade/realidade não podendo o instrumento nunca ser identificado com ela. A existência humana tem os seus quês e precisa de crenças e mitos tal como a planta precisa da luz, do calor e da atmosfera que lhe possibilita a sua forma de vida.

A planta não se questiona sobre a existência do Sol, porque o que ela precisa é de luz e de calor; pretender que ela reconheça para lá da luz e do calor também o Sol ultrapassaria as suas necessidades naturais primárias! Deus está para lá da experiência objectiva e ultrapassa a experiência que se possa ter dele, contudo aquilo que nos torna Homem é a referência (relação com) a Ele. Negá-lo seria meter-se num beco sem saída. De facto o beco também tem a sua serventia e quem quiser ir mais além volta para trás, talvez mais enriquecido com a experiência dele.

 Na polis a verdade encontra-se encarcerada na ciência, no partido, na opinião, na lógica, nas promessas e até na devoção. Acontece à verdade o mesmo que sucede à ideia livre ao ser metida na linguagem. A verdade absoluta sem ser categórica só pode ser Deus, aquele “lugar vivo” onde cada ser pode ser ele sem se justificar e assentar os pés para poder caminhar ao sol da vida, e saborear também a sombra da Verdade na opinião. Nesse lugar não precisa de se subordinar sequer a grupos de influência que ditam leis para outros cumprir.

Que seria da diversidade dos biótopos e das plantas se não houvesse para cada qual o seu raio de verdade! Que seria da cultura e da individuação se não houvesse a verdade do procurar a forma numa maneira própria de estar a caminho de Ser.

Verdade? Tenho a impressão que a Verdade é como o Sol: à medida que nos aproximamos dela mais queimamos as asas do nosso ego; se nos for dado, então sentiremos a dor do abismo entre as alturas do intelecto e a profundeza do coração. No descampado da polis tudo luta por ela, mas antes de chegarmos lá, a cada um a sua, desde que não a use como cacete! Verdadeiro é certamente o caminho no desejo dela! Sim, porque verdade é a liberdade a voar nas alturas do céu mas agradecida e consciente de que o que lhe possibilita a satisfação da vivência das alturas vem da profundidade do coração.

No contexto político, também a veracidade é dinâmica e como tal improvável porque depende do que se torna confiável e o fiável depende também da capacidade de ver, estar e ser; mesmo em relação ao dado factual surge o problema da interpretação que leva ao engano. Cada lógia (cada maneira de olhar) é apenas uma perspectiva necessária mas limitada da verdade/realidade, uma passada na grande caminhada sob os holofotes da Razão e do Coração.

Também penso que a questão está nos olhos e do olhar é que depende, em grande parte, a perspectiva e, dado a verdade (resumida em Deus) ser a-perspectiva, seria questionável querer mandar alguém para o oculista por causa dela! Sim, até porque há pessoas mais inclinadas a ver na perspectiva dos factos e outros na perspectiva do miradouro em que se albergam para observar a paisagem. A partir daí, cada qual se torna num pintor a elaborar a realidade na sua tela, ou um escritor a fazer a sua composição na intenção de a acrescentar ao grande painel da Realidade…

Muitos de nós encontramo-nos, por vezes, perdidos na própria imagem ou absorvidos na composição de imagens sem atendermos às linhas de fuga que dariam maior perspectiva ao panorama da nossa pintura na tela da vida. Os nossos olhos e intenções interferem e delimitam a paisagem e a verdade, não notando por vezes que ao dar-lhes forma as plastificam, confundindo o detalhe com elas, identificando a forma com o conteúdo que não cabe nela.

Se uns têm um olhar mais curvilíneo (emocional subjectivo), outros têm-no mais rectilíneo (racional objectivante) e aí surge o busílis de querer reduzir a realidade à própria linha (não contando ainda com o problema das cores!). Por um lado temos o problema dos instrumentos (razão e experiência) utilizados para definirmos a realidade na finitude e por outro temos o problema de pretendermos com uma visão finita querer identifica-la com o infinito. Querer possuir a verdade é como querer resolver o problema da quadratura do círculo, é como querer meter a transcendência (o círculo) na forma (quadrado) apenas com o instrumento da razão. (1)

A Verdade é inteira mas para ser apreendida pela condição humana, tem de ser repartida em partes (o infinito dividido em partes finitas é transformado em finito através da razão que depois abstrai da parte para o infinito). O escalpelo da razão como instrumento de explicação da realidade/verdade tem um pequeno senão ao arrogar-se poder resolver o problema da quadratura do círculo querendo identificar o quadrado com o círculo, o que é ilegítimo. Querer resolver assim o problema da quadratura do círculo é como recorrer à decomposição de um ser vivo em partes e depois concluir que a soma das partes é o tal ser vivo, não notando que o acto de apresentar a soma das partes, deixa de fora a vida.

Na impossibilidade de possuirmos a Verdade seria lógico juntarmo-nos todos com esquinas e arestas num círculo abraço para darmos mais espaço à forma onde caberá mais verdade.

A perspectiva polar exclusivista do verdadeiro e do falso, da direita e da esquerda, do espírito e da matéria reduz a realidade complexa, a um ponto de vista bidimensional, fazendo dele um caminho para andar mas que peca por não contemplar a verdade da vida. Não notamos ainda que andamos todos a tentar fazer da vida uma linha direita alérgica à vida porque a natureza é toda ela curvilínea

Seria pena querer-se reduzir a realidade multidimensional a uma superfície material bidimensional, ou a uma só perspectiva na linha vertical (mais identitária), na linha horizontal (mais social), ou na linha diagonal (menos monótona). Cada um tem o seu plano de imagem com mais ou menos perspectiva com mais ou menos profundidade… O decisivo é saber-se na convergência e na consciência de que a verdade não se tem, só se vive e experimenta, mas cientes também de que sem contraste não há profundidade. O apelo de Deus, o apelo da Verdade, é tentar descobrir sempre novas maneiras de enxergar o mundo e deste modo contribuir para a sua contínua criação, para a realidade que se encobre no mistério da sua poesia! A verdade é como o amor (2) embora manifesta em cada um ela é inteira.

Para mim a Verdade é Jesus Cristo porque nele se realiza e resume de forma inclusiva a matéria e o espírito. “No princípio era a palavra, a in-formação”, constatava já o evangelista João. “E o Verbo tornou-se carne” sem se deixar reduzir à incarnação!

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo

Meditações Irreverentes  in Pegadas do Espírito https://antonio-justo.eu/?p=3667

  • (1) A razão por mais que se esforce nunca poderá meter o infinito no finito, nem o todo na parte (o que demonstra que até a geometria não sobrevive sem o princípio infinito (Deus). Na minha opinião a teologia conseguiu a resolução desse problema através da fórmula trinitária; para tal não chega a razão, necessita-se também da espiritualidade e do coração; esta possibilita a integração da parte no todo e do todo na parte – serve-se porém do mistério de JC.
  • (2) “O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” 1 Coríntios 13:4-7.

O PRECEITO DO PRECONCEITO NA DISCRIMINAÇÃO DO GÉNERO GRAMATICAL E DO SEXO

Da “Linguagem sexista” ao Domínio da Consciência social através da Novilíngua

Por António Justo

Cada época, cada grupo, cada pessoa, quer possuir uma identidade própria e para tal constituir a sua narrativa como se só ela fosse a norma; para tal tenta afirmar os próprios vestígios na discrição ou na forma de interpretar e apresentar os mesmos fenómenos da vida humana que se repetem ao longo da sociedade e da História. É uma tendência natural confirmada na natureza ao observarmos cada planta a afirmar-se na procura do seu sol. O mesmo se observa na selva da polis, onde cada grupo pretende colocar o outro debaixo da sua sombra. Se outrora se vivia mais ao sol de Deus-Pátria-Família, hoje procura viver-se ao soalheiro de Dinheiro-Mercado-Ego sexual. Num tempo em que a justiça social e a democracia política e económica já ultrapassaram o seu zénite, a luta das reivindicações passa a ser no campo da gramática.

No Brasil a presidente Dilma para granjear algumas almas com asas da cor do seu género, determinou ser chamada, senhora “presidenta”! Às vezes parece que o erro vale como trunfo, não fosse o português brasileiro!

Neste sentido, a 13 de Abril, mas de forma mais moderada, o Bloco de Esquerda (BE) recomendou ao Governo a mudança do nome do documento de identidade “Cartão do Cidadão” para “Cartão da Cidadania”. Para o BE, a expressão Cartão do cidadão pertence à “linguagem sexista” (1).

Para os lutadores do género, a palavra “Cidadão” no cartão de identidade, torna-se desconfortável, porque favorece um sexo ao apontar para o apêndice terminal masculino da palavra, o que fere a sensibilidade de certas almas habituadas a ver tudo sob o ângulo do sexo, o que as predestina a terem de andar à espreita dele também na morfologia gramatical. Então, porque não voltar à designação “Bilhete de Identidade” por ser de dimensão mais aberta e de forma mais ambígua, dado a terminação da palavra em “e” não ser de provocação tão “sexista” como as terminações em “a” ou em “o” (2)?

Frustrados do Homem e da economia aproveitam-se da sociedade para criarem um novo indivíduo e, com ele, uma “novilíngua”; já que o povo não se muda, tenta mudar-se-lhe a gramática! Vai-se tendo a impressão de não nos quererem cidadãos, apenas nos quererem imaginar indivíduos abúlicos, portadores da sua cidadania. Sabem como é que se faz História e que para tal é necessário mostrar a consciência disso. Por outro lado, que seria dos culpados se não houvesse os inocentes?

A prova de que o que está em jogo para o BE, não é o preconceito nem a discriminação mas sim a conversa em torno deles, vem do facto de não advertirem também para o caso de, no Cartão do Cidadão, se encontrarem registados outros dados ainda mais propícios ao preconceito e à discriminação; entre outros: a idade, o sexo, a medida, a assinatura, a fotografia, o nome; de facto, todos eles potenciam a discriminação e o preconceito.

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Registos a evitar para obstar à discriminação/preconceito

Abula-se a data de nascimento no cartão: a idade é um dos grandes factores de preconceitos e de discriminação; até o comércio e a indústria já se servem da idade para fazerem a sua propaganda adequada ao grupo etário, o que se torna numa afronta ao direito à protecção de dados.

Abula-se o uso da fotografia: através da foto pode-se deduzir qualidades temperamentais e tendências da pessoa para quem sabe um pouco de fisionomia. Através da análise do rosto pode-se chegar ao conhecimento de características psicológicas e seus traços de génio. Até a pele, mais ou menos bronzeada, também pode ser indicativo de pessoa mais ou menos sexy, o que também pode fomentar prejuízo ou discriminação.

Abula-se a assinatura: a escrita à mão também sofre da mesma peçonha porque quem tiver conhecimentos de grafologia pode usá-la como método de interpretação temperamental e de diagnóstico psíquico, podendo descobrir, através da assinatura, indicadores de personalidade. O manuscrito torna-se assim num factor de discriminação e preconceito.

Abula-se o nome: pelo nome pode chegar-se à etnia, religião e, por vezes, até à classe social.

Abula-se a indicação da nacionalidade: é factor de discriminação e de preconceito atendendo à escala do prestígio e de diferentes direitos dos Estados. Além disso os polipátricos ficam na indefinição entre o jus soli e o jus sanguinis.

Abula-se o registo do número do contribuinte: permite o controlo do cidadão e o registo dos três números (n° de identidade, do contribuinte e da saúde) facilitaria um governo espia.

Não falo já de fomentadores especiais de preconceito e discriminação que se escondem atrás do porte e do trajo, devido às consequências que poderiam levar ao estabelecimento do nudismo. Também a indicação de pertença religiosa ou partidária se torna, cada vez mais, num alimento do preconceito a que se pode seguir discriminação positiva ou negativa.

Uma consequência lógica passível de compromisso para o registo civil: substituição de todo o nome por números; seria a medida mais lógica contra o preconceito e a discriminação e o mesmo pacote legislativo teria a vantagem de unificar também o sexo. Depois poder-se-ia passar ao nome de ruas e de monumentos! Mãos à obra, trabalho não falta para os iconoclastas de uma sociedade egoísta e narcisista que só reconhece a própria imagem como ícone. Se continuamos a acção radical do neo-marxismo, a solução será irradiar a pessoa para acabarmos com as máscaras e todos os vestígios culturais.

Neste sentido, seria mais adequado apressar-se a abolição da linguagem e do pensamento; então encontrar-nos-íamos no paraíso terreal sem discriminações percebíveis entre todos os animais; sim, até porque na realidade não há conceito sem preconceito e aqui é que está o busílis de toda a questão! (3)

Conclusão

Fora de brincadeiras, o que aqui está em via é uma estratégia para reinterpretar o mundo e impor um discurso e uma lógica a um povo de cérebro bem lavado e como tal impróprio para vírus e bactérias; como o neo-marxismo já não tem mão sobre a economia procura tomar conta da arena pública assenhorar-se da linguagem do povo e, com ela, da sua consciência. Partem do princípio de que quem tem o poder da interpretação é senhor!

 

Tornou-se moderno ter à mão o sexo para chamar as pessoas ao regaço da ponderação moderna. Quem tiver mão nele tem mão em toda a sociedade. Assim, para quem quer poder, não há nada mais recomendável do que tornar-se senhor do sexo, servindo-se também da sexualização do género gramatical. Trata-se aqui de usar, para o público em geral, o outro pendente da sua doutrinação sexual nas escolas, nas tais aulas de “inocência” sexual para crianças ainda verdes que devem aprender a não ter preferências e assim formarem uma sociedade despersonalizada e sem preferências que esteja preparada para só preferir o que os que dominam a ribalta pública lhes apresentarem.

 

A sabedoria portuguesa costuma recomendar: „nem tanto ao mar nem tanto à terra” e a sabedoria europeia ensina: A virtude está no meio e não se encontra nos extremos! Apesar disso não se pode ser radical contra os extremos porque eles é que aguentam o meio! É certo que no uso da linguagem deveria haver mais equidade e ponderação; para levar isto avante, o melhor meio seria a arte e a cultura em geral mais que as terapias de choque dos políticos.

 

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo, https://antonio-justo.eu/?p=3655

  • (1) Agradeço ao BE a oportunidade que me dá para reflectir um pouco sobre um aspecto da problemática do Gender (género) tão cara ao BE e deste espalhar um pouco de nevoeiro com a minha nortada.
  • (2) A lógica do género sofre de antropocentrismo em questões do trato do género gramatical não tendo em conta, animais, plantas e coisas!… Não perscrutam a injustiça no caso dos sobrecomuns, só com um género gramatical: a pessoa, a criança, a vítima, a criatura, a esquerda… Em tempos de esquisitices também não tratam bem os nomes “comuns de dois” : o/a jovem, o/a artista, o/a presidente, o/a fã, o/a turista, o/a imigrante.

Também os há, os nomes epicenos, com um só género gramatical, e sem diferenciação de sexos: será de obstar ao mal da cobra e do jacaré que englobam na mesma palavra o macho e a fémea; na cobra (macho ou cobra fémea) é discriminado o macho e no jacaré é discriminada a fémea.

Mais uma questão, para os advogados do género resolverem: Nota-se grande falta de lógica do género no emprego do masculino para a palavra tinteiro e o uso do feminino para a palavra caneta, já que, do ponto de vista da “linguagem sexista”, o pormenor está na tinta!…

Na mesma ordem de ideias será de preparar uma moção para o próximo congresso do BE: A mudança do nome “Bloco de Esquerda” para “Bloco do Esquerdo e da Esquerda” para que no partido o sexo feminino não bloqueie o sexo masculino.

O uso do pleonasmo “queridos portugueses (os) e queridas portuguesas” vai ganhando terreno usando-se mais em deferências de cortesias pessoais mas que não fazem parte do uso gramatical.

  • (3) Abula-se o prejuízo da discriminação baseada no preconceito da anti-discriminação!

 

PAÍS A VIVER DA FRACTURAÇÃO SOCIAL E NA POBREZA ESPIRITUAL DO DIA-A-DIA

Por António Justo

O problema da fracturação social portuguesa é sistémico e deve-se, em grande parte, à conotação politica baseada no jacobinismo da primeira república e posta em dia na III República, sem uma reflexão ou análise séria sobre a primeira nem a segunda.

Temos uma discussão pública que em vez de circular em torno da política económica e cultural circula em torno de partidos como se o ser e o sentir do cidadão se reduzisse a temas para aquecer um espectador que se deseja com mentalidade de adepto de clube!

A indoutrinação tornou-se tão eficiente porque inconsciente que a consciência pública se encontra condicionada a uma maneira de ver e pensar reduzida a jogadores de pingue-pongue! Vê jogadores mas desconhece a mesa e a bola!

Uma sociedade que não reflecte seriamente sobre o seu passado parece não ter direito a ter futuro! Esta é uma das explicações que explica a crise e o estado descontente português.

A sociedade portuguesa parece viver como um país desconciliado, sem normalidade política e em estado de excepção.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

„A EUROPA NÃO SE PODE TRANSFORMAR NUM PAÍS ÁRABE” DIZ O DALAI LAMA

À Europa falta Autonomia e Independência de Pensamento

Por António Justo

 

Numa entrevista ao jornal alemão FAZ, o Dalai Lama, líder do budismo tibetano, o refugiado mundial mais célebre (1959), defendeu a limitação do acolhimento de refugiados. Sob o ponto de vista moral, “um ser humano a quem a vida corre melhor, tem a responsabilidade de ajudá-los. Por outro lado, entretanto já são demasiados”. “A Europa, por exemplo, a Alemanha, não se pode tornar num país árabe” alerta o Dalai Lama.

É do parecer que os refugiados deveriam ser aceites apenas a título temporário. “O objetivo devia ser o seu retorno para ajudarem na reconstrução de seus próprios países”. Na entrevista o Nobel da paz, também justifica o emprego da violência quando “as circunstâncias são tais que não há escolha e a compaixão é a motivação”.

O Dalai Lama demonstra muita cautela ao dizer que “a Europa não se pode tornar num país árabe” o que significa o mesmo que dizer que a Europa não se deve transformar num país muçulmano. Só que,  se o formulasse desta maneira, teríamos uma discussão que levaria ao fim da macacada, o que se tornaria problemático numa praça pública habituada a viver de macaquinhos no sótão.

O Dalai Lama mostra autonomia de pensamento e esta qualidade é provocante para uma sociedade habituada a seguir um pensamento dividido e alinhado em trincheiras de direita e de esquerda.

Desde os anos 60 o pensamento europeu encontra-se sobretudo  dirigido por políticos, por tribunos populares ou por cientistas de saber sociológico ou por um jornalismo impossibilitado de se orientar  por um códice da imprensa livre e se orienta  pelos credos mais cotados no mercado. Por isso é tão raro o pensamento livre responsável sem que se levante logo alguém com o bastão da moral.

Haverá populistas que apelidarão o Dalai Lama de fascista, de nacionalista, de populista da direita ou com deficiência intelectual, como é costume na praça pública; e isto porque, tal como acontece a quem pense pela própria cabeça, é logo metido numa gaveta em contraposição à opinião educada no sentido de  balbuciar a opinião do polipticamente correcto em voga; também os donos da racionalidade e da verdade depreciarão o Lama pelo simples facto de ele ser um líder religioso. Uma sociedade que abandonou os cinco sentidos e o próprio tecto transcendente, para se orientar apenas por um racionalismo pragmatista e mercantilista continua irreflectidamente a sua marcha decadente.

Facto relevante aqui é o Dalai Lama, de passagem pela Alemanha, questionar a política de portas abertas e de um moralismo justo no foro do individuo só poder ser limitadamente aplicável quando se trata de interesses de instituições ou de estados.

A questão dos refugiados torna-se ainda mais  complicada também devido aos interesses nacionais europeus e de uma Turquia interessada em reter para si os refugiados “bons” e enviar para a Europa os ” casos problemáticos”.

A ideia de “uma estadia passageira para refugiados” contradiz interesses da economia de mercado e da ideologia marxista, interessadas em que haja mais concorrência em todos os sectores da sociedade europeia sejam eles de natureza económica, ou de natureza ideológica e espiritual.

O Dalai Lama motiva assim o repensar uma política europeia de caracter moralista e de interesses meramente ideológicos e económicos. Apela à moral da responsabilidade numa sociedade em que o moralismo do politicamente correcto avassala o espírito europeu universalista autêntico, fazendo-o em nome de uma cultura aberta e de uma tolerância que chega a atingir os limites da estupidez.

Dois exemplos para a política: o Papa Francisco e o Dalai Lama duas vozes que a serem ouvidas levariam a política económica e social à razão

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do tempo

„A EUROPA NÃO SE PODE TRANSFORMAR NUM PAÍS ÁRABE” DIZ O DALAI LAMA

O LOBO E O CORDEIRO

DA LÓGICA DA ARGUMENTAÇÃO SOBRE O ENSINO PÚBLICO E PRIVADO E DE OUTRAS DISCUSSÕES PÚBLICAS

“Um cordeiro estava bebendo água num riacho. O terreno era inclinado e por isso havia uma correnteza forte. Quando ele levantou a cabeça, avistou um lobo, também bebendo da água.

– Como é que você tem a coragem de sujar a água que eu bebo – disse o lobo, que estava alguns dias sem comer e procurava algum animal apetitoso para matar a fome.

– Senhor – respondeu o cordeiro – não precisa ficar com raiva porque eu não estou sujando nada. Bebo aqui, uns vinte passos mais abaixo, é impossível acontecer o que o senhor está falando.

– Você agita a água – continuou o lobo ameaçador – e sei que você andou falando mal de mim no ano passado.

– Não pode – respondeu o cordeiro – no ano passado eu ainda não tinha nascido.O lobo pensou um pouco e disse:

– Se não foi você foi seu irmão, o que dá no mesmo.

– Eu não tenho irmão – disse o cordeiro – sou filho único.

– Alguém que você conhece, algum outro cordeiro, um pastor ou um dos cães que cuidam do rebanho, e é preciso que eu me vingue. Então ali, dentro do riacho, no fundo da floresta, o lobo saltou sobre o cordeiro, agarrou-o com os dentes e o levou para comer num lugar mais sossegado.”
Jean de La Fontaine

Moral da fábula: A razão do mais forte é sempre a melhor