ANIMAIS E PLANTAS – NOSSOS COMPANHEIROS DE VIAGEM

Deus também está nos Animais
António Justo
Regresso de férias, resta na minha consciência um mau sabor a natureza desprezada! Enquanto me espreguiçava no jardim da minha casa da Branca, ouvia o sofrimento a ecoar pelo monte de S. Julião fora. Aqui, a natureza, atada a um cadeado, numa ânsia de libertação, ladrava infeliz, para o ar, os pecados e os erros de quem a aprisiona; de quem aprisiona a natureza num cão. Acolá projectos humanos que desrespeitam e ferem a fisionomia e o brilho da paisagem. Enfim, uma desfeita à natureza numa natureza cada vez mais desfeita.

Deus criou o homem à sua imagem e semelhança e criou a natureza a espelhar a imagem do homem. No Homem e na Natureza se revela a imagem de Deus e na natureza se encontra e reflecte a imagem do Homem. Uma má visão e um mau trato da natureza implica uma má visão e um mau trato do ser humano e de Deus, diria hoje Tomás de Aquino. Imagem e realidade encontram-se numa relação intrínseca e mútua.

A natureza encontra-se doente porque o espírito humano se encontra atrofiado e enfermo numa relação doentia de objectivação e mercantilização da vida. O Homem sofre ao ser reduzido a mercadoria e a natureza sofre ao ser reduzida, por falta de consciência natural, por falta de dignidade humana; falta esta que o leva a desprezar o seu corpo, a natureza.

O Homem encontra-se atado ao cadeado das necessidades imediatas, às cadeias do governo e do emprego e por isso não sofre ao amarrar o cão à sua casota, reduzindo-o à sua imagem de animal útil. O Homem instrumentaliza-se a si mesmo ao instrumentalizar a natureza, escraviza-se ao torná-la escrava e não senhora.

O processo de desnaturalização do Homem acentuou-se com o mecanicismo materialista e com o racionalismo exacerbado. A urbanização da sociedade distanciou mais o ser humano de si mesmo e do seu biótopo natural. Com a desespiritualização da natureza processa-se a demonização do Homem e consequentemente a falta de horizonte da natureza e do Homem.

O olhar perturbado do homem ao reunir em si todos os olhares de todos os animais, de todas as plantas, de toda a natureza, perturba a sua visão individual. O homem torna-se paulatinamente num ser estranho e desnaturado, vivendo sem respeito pelas outras criaturas com se também elas não tivessem direito a uma vida condigna. Ao deixar de contemplar os horizontes espirituais de si mesmo, deixa de admirar a paisagem natural e começa a desconsiderar as espécies. Não só se torna cego mas deixa também de ouvir a voz das espécies. Conhece a sua cidade mas desconhece a sua terra, o seu lar. Uma vida em segunda mão, desnatura-se e atraiçoa a natureza, desconsidera o seu biótopo natural refugiando-se em substitutos virtuais, em ideologias, moralismos ou fobias.

A Terra deixou de ser o Éden onde animais e Humanidade, irmanados viviam na complementaridade e na harmonia do respeito mútuo. Ao desprezar a natureza o Homem despreza-se a si mesmo, perde a consciência da realidade e perde o horizonte divino dum Sol que brilha para todos, sem distinção. Deus sentiu agrado ao criar o Homem, depois de três biliões de anos de vida na Terra sem o ser humano. Este porém não aceita ser parceiro de Deus e torna-se cada vez mais o desagrado da Natureza, cada vez mais alheio a Deus no sistema ecológico. A vida que foi dada a todos como bem comum é arrebanhada pelo Homem sendo assim destruído o seu sentido. Não se trata de dispor do outro mas de todos nos encontrarmos na disponibilidade dum serviço mútuo.

O ser humano teima em viver em segunda mão, criando para si um mundo virtual, o mundo das ideias que já não tem, como nos tempos bíblicos, lugar para toda a criação. Deus fez a aliança com o Homem para que este continue a aliança com a natureza. Na mesma arca, com a natureza caminhamos e “convergimos” no sentido do ponto Ómega de Teilhard de Chardin. O lugar privilegiado do Homem bíblico é um lugar de responsabilidade, numa relação de filho adulto em relação ao “irmão Sol, ao “irmão burro”, ao outro. O Homem, espelho da divindade, embacia-se de tal modo que embacia os animais e as plantas.

A força centrípeta do ser humano (o egoísmo) parece automatizar-se de modo a não reconhecer a órbita do sistema a que pertene. Ameaça assim afundar-se em si mesmo e desequilibrar todo o sistema e toda a natureza. Esta já geme de rosto afogueado e protesta através dos seus elementos. A força centrífuga (altruísmo) terá de ser reforçada para podermos fazer uma caminhada comum, se bem que em diferentes velocidades, no sentido Ómega, a natureza de Cristo. O Homem e o Animal, o Homem e o seu biótopo pressupõem uma complementaridade do ser e do existir no diálogo do eu com o tu numa plataforma comum dum nós trinitário.

Na natureza, podemos descobrir o brilho do nosso rosto que é o fulgor de Deus. Ele criou e dignificou a matéria e todas as espécies na pessoa de Jesus (matéria) e de Cristo (divindade). “Não separem o que Deus uniu”: feminilidade e masculinidade, matéria e espírito, tempo e espaço!

Os animais e as plantas já existiam, por si mesmas, muito antes do Homem. Que direito tem o ser humano, pelo facto de ser o mais novo na criação, de apoderar-se do que Deus já criara antes? A natureza já se encontrava toda desde o início a germinar na natureza de Cristo. Deus realiza-se na Natureza e não apenas no ser Humano. O olhar de Deus transcende em toda a natureza e dá-lhe forma. O tempo e o espaço é roupa que a todos nos cobre.

Se todos somos a sombra da divindade, porque nos arrogamos o direito de instrumentalizar umas sombras em benefício das outras? Só o respeito e a consciência do mistério, que nos são comuns, nos poderão preservar juntos. Nós só sobreviveremos com a natureza. Ela pode sobreviver sem nós. O Deus bíblico criou-nos solidários e interdependentes. O ser humano é a sua cabeça. Uma “cultura contra natura” só favorecerá a visão dum Homem desnaturado.

“Lembra-te que és pó e em pó te hás-de tornar”, recorda-nos a liturgia de quarta-feira de cinzas. Por mais que nos distanciemos da terra e do casulo, como a borboleta, teremos de voltar a ela, para com ela ressurgirmos.

Só uma natureza acarinhada nos acompanhará. Há dois anos adquiri um gato de 8 semanas. A princípio acarinhava-o e levava-o comigo nos meus passeios da tarde a um parque perto de minha casa. Hoje quando saio de casa ele salta e acompanha-me, como se fosse um cão, todo o caminho.

Em conjunto, animais e plantas, conseguiremos superar a crise ecológica. Em conjunto tornar-nos-emos uma sinfonia, um salmo de louvor ao Senhor. Para isso teremos de aprofundar o nosso olhar teleológico de toda a natureza em conjunto e com ela caminhar no sentido do mistério da Trindade. Uma ideia de Homem e da natureza apenas racional atraiçoaria o Criador e o seu projecto. O olhar da razão seria insuficiente para descrever a realidade se não fosse complementado pelo do sentimento e da mística. Daí surgirá uma nova atitude perante os animais e as plantas. A dignidade humana não pode ser arquitectada de modo parasita em relação aos animais e aos seres em geral. A hominização da natureza só será legítima se no sentido da divinização do Homem e da Natureza. Naturalmente que a vida, mais que uma comédia é um drama, mas não uma tragédia.

Se o mundo levou tanto tempo a dar à luz o ser humano, não há que desesperar se o Homem adolescente ainda precisa de algum tempo para se transformar e, com ele, o mundo. Se a terra caminhou para o Homem, o Homem caminhará para o Espírito no respeito de tudo o que é vida. O ladrar do cão pode deixar de ser uma queixa e tornar-se num louvor. Tudo depende de nós.
António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

ALCATRÃO CONTRA A POPULAÇÃO – A32


DAVID CONTRA GOLIAS
António Justo
O Governo e seus lobbies investem no betão das auto-estradas financiadas pela União Europeia sem respeitarem as directivas europeias sobre a protecção de ambiente e das espécies, nem terem em conta o património cultural, natural e histórico nem tão-pouco os interesses das populações atingidas.

De facto, o Governo português transpõe as directivas europeias para o direito nacional mas não o aplica. Aposta na falta de iniciativa do povo e nos vícios de forma e na nebulosidade para não cumprir as directivas e assim levar a efeito projectos irracionais.

A população da cidade da Branca, do concelho de Albergaria-a-Velha, cansada perante o mutismo do Governo, das desculpas de mau pagador dos ministérios e dos paliativos políticos, vê-se na necessidade de dar passos mais decisivos para levar a efeito a defesa dos seus direitos contra a construção da A32.

A A32 vem servir São João da Madeira, Oliveira de Azeméis, Albergaria-a-Velha e Águeda, apesar de, junto a estas cidades, já passarem duas auto-estradas no sentido Porto-Lisboa. De início, com o governo PSD, só tinha sido projectado o troço até S. João da Madeira e de S.João da Madeira até à A29 em Ovar, como resposta a uma política de alargamento da área metropolitana do Porto (Cfr. Decreto-Lei n.º 210/2003, de 15 de Setembro). O Governo PS, que parece só conhecer Lisboa, quer fazer daquela iniciativa regional, uma terceira auto-estrada no sentido Norte-Sul até Lisboa. O povo da Branca bem se ergue nos bicos dos pés para dizer que o Norte também existe e deve ser contemplado nos seus interesses. É uma luta de David contra a megalomania centralizadora do Golias Governo. Para se tornar eficiente terá de usar a fisga tribunal, doutro modo, eles comem tudo e no deixam nada…

O traçado a nascente (PDM) constitui um abuso de poder e além do mais passaria por um espaço de reserva ecológica nacional. Comporta a construção dum viaduto de 995 metros, com pilares de 35 metros de altura, com pendente constante de 6%, passando pelo meio de casas. O traçado destruiria, na encosta do monte de S. Julião, 35 minas e pontos de água. O património histórico seria destruído, e a imagem paisagística da Branca seria irremediavelmente destruída além da poluição de águas, poluição sonora e atmosférica. O impacto ambiental seria irreparável. A fauna e flora da área (falcões, esquilos, javalis, etc.) seriam abatidas.

O Prof. Doutor Humberto Flávio Xavier, professor de direito público e advogado, esteve numa sessão de esclarecimento da “AURANCA” (Associação do Ambiente e Património da Branca) para ouvir e dar esclarecimentos sobre estratégias a seguir em defesa dos direitos em causa.

Para que a acção popular tenha resultados positivos será preciso intentar várias medidas na fase pré-contenciosa para depois se passar à fase contenciosa. Será necessário alertar a Greenpeace internacional e as autoridades competentes da Comissão Europeia chamando a atenção para o incumprimento do direito ambiental e para a transgressão de direitos humanos. A União Europeia não poderá disponibilizar verbas a serem aplicadas em projectos que transgridem o direito europeu. Além disso há uma directiva europeia que impede empreendimentos que destruam a imagem da zona, que destruam zonas paisagísticas expressivas e específicas dos locais.

Como ultima ratio e paralelamente será necessário colocar a questão, primeiramente, em tribunais nacionais. Para isso proprietários de terrenos por onde passaria a auto-estrada e cidadãos prejudicados com a passagem do traçado pelo local e terceiros deverão juntar-se para mover uma acção colectiva em tribunal. Foi proposto que a “Auranca” assumisse o papel de fazer o levantamento das pessoas implicadas no processo e dispostas a custear as despesas de tribunal. Assim se manteriam baixos os custos duma acção de grupo que nomearia os representantes para o representar nas questões processuais jurídicas. Acabadas as férias urge meter mãos à obra. Doutro modo os políticos continuarão o jogo das escondidas com a EP (Estradas de Portugal) e a não levar a sério os cidadãos e seus representantes directos: Junta da Freguesia e Câmara Municipal votaram contra o traçado a nascente.

Além do mais, há matéria para ocupar o tribunal europeu em Bruxelas, não sendo de desprezar também uma acção por desrespeito dos direitos humanos.

É de considerar que, neste projecto público como noutros, o Governo só parece interessado em gastar dinheiros sem ter também em conta as despesas de manutenção que hipotecarão o futuro dos mais jovens.Não permitam que o governo continue a atirar alcatrão contra a população!

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

Eleições europeias revelam desinteresse numa Europa desalmada

TOMADA DE POSSE DOS EURODEPUTADOS EM BRUXELAS

António Justo
Numa União Europeia (EU) de 493 milhões de cidadãos registou-se 57% de abstenção às eleições para o parlamento europeu, realizadas de 4 a 7 de Junho de 2009.

No dia 14 de Julho (no espírito da revolução francesa), 736 deputados de 27 estados da EU irão iniciar em Bruxelas a legislatura de 2009-2014.

O salário bruto dum eurodeputado é de 7.665 euros, acrescido de 17.450 euros para despesa de secretariado e assistentes e de 4.200 euros para despesas gerais.

Quanto mais o povo desconfia mais os políticos se aconchegam numa plataforma olímpica a que o povo não tem acesso. Teimam em construir uma Europa distante, de livres-pensadores e materialistas com uma nomenclatura de burocratas superiores e um proletariado rasteiro, cada vez mais igual, numa Europa cada vez mais conforme e chata. Parte do folclore permitido consta do lenço na cabeça e duns cachecóis de futebol, o resto quer-se desnudado de espírito. A luta duma oligarquia cada vez mais safada contra cidadãos queridos plebe, cada vez alastra mais, como nevoeiro serrado que aperta todos os países da Europa. Assim a avaliam os votantes e a admoesta o Tribunal Constitucional alemão com uma decisão que dá razão aos críticos do Tratado de Lisboa. Afinal, estes revelaram-se os verdadeiros defensores da democracia e da soberania ao criticarem a União Europeia dos funcionários. Os alemães, os beneficiados do Tratado de Lisboa com os países grandes europeus, revelaram-se, com a decisão independente do tribunal, verdadeiros democratas.

A Europa descobriu o mundo e mudou-o. Ela é fruto duma ideia progressiva universal que depois de tanto se expandir para o exterior, segundo a força centrífuga à procura do universo, sente no espírito do povo a necessidade dum crescimento interior, uma força centrípeta que a leve a redescobrir-se. Só na auto-mudança se mudará a Europa e com ela o mundo. O cristianismo universalista e global, que lhe deu o ser no respeito pelo indivíduo e pelas consciências individuais e sociais, não poderá ser desqualificado na construção da nova Europa e do mundo do globalismo.

Torna-se óbvio que o desenvolvimento estrutural da Europa deverá ser acompanhado pela consciência do povo. O povo não pode votar no que desconhece. Mais que ter terá de ser.
A Europa ainda não está madura para dar o passo na sua direcção. Precisa duma metamorfose. Como ponta avançada das civilizações ainda terá de realizar em si a descoberta do outro na aceitação da sua diferença e particularidade.

Os políticos ainda se encontram muito verdes na matéria, continuando com uma mentalidade tutelar e dirigista. Armam-se em progressistas de rosto luzidio e cabeça leve. A ideologia materialista marxista, já ultrapassada científica e politicamente, ainda se encontra demasiado jacobina e à vontade nas estruturas da Europa. Se os políticos não se encontram à altura do que pretendem, que dizer do povo…

A actual crise económica é consequência da perda de valores morais e da falta duma ideia forte de identidade comum à Europa e ao Ocidente em geral.

A Europa precisa, de novo, duma ideia forte e renovada, baseada no humanismo cristão e no respeito pela natureza. Não chegam interesses económicos de elites mercantilistas nem ideologias de livres-pensadores à la 14 de Julho, nem duma devoção constitucional para se construir um povo com identidade própria.

Por interesses ideológicos e por respeito à Turquia os mercenários querem uma Europa sem cristianismo, sem via espiritual, uma Europa só para eles, longe do povo e das tradicoes. Esquecem que por detrás de toda a realidade se encontra uma energia espiritual. Contra a religião e contra a identidade nacional não se constroem complexos com bom fundamento. O povo pressente o espírito que está por detrás da EU: o espírito materialista liberal determinista e mecanicista da física que teve alardes de universalidade até às descobertas da nova física quântica.

Não chegam os interesses duma elite, de eunucos da vida, que aspira ao poder mundial sob os auspícios do dinheiro. O povo vê o proveito deles e nota que o próprio ordenado é cada vez mais miserável e inseguro. O cidadão sente-se cada vez mais controlado e explorado por um Estado e instituições que só conhecem o valor do dinheiro e da concorrência como reguladores das relações humanas. Isto significa a abdicação de valores humanos. Numa Europa riquíssima em relação ao passado, assiste-se à expropriação dos direitos nacionais e humanos. Fazem da nação monte tal como o pós-guerra fez da província terras degradadas, em serviço duma política de enquartelamento do povo nas cidades. O pvo reage instintivamente.

É preciso arredar dum pensar redutor que se encontra longe da dimensão espiritual nobilitadora do Homem e do Povo; não chegam instituições de escravos da lei. Na democracia ocupada “eles comem tudo e não deixam nada”… Comprazem-se em oferecer pseudo liberdades e sexo… Quando se apanham em Lisboa, tornam-se irreconhecíveis, ninguém os conhece mais, e uma vez em Bruxelas logo ficam com a auréola de consagrados!…

No tempo da Internet a consciência torna-se rasante no seu desenvolvimento o que poderá apressar um processo de desenvolvimento da estrutura EU e da consciência individual. Isto pressupõe uma nova ordem baseada na originalidade e na personalidade individual.

O poeta Novalis, no seu livro „Cristandade ou Europa” confessa: “Só a religião pode acordar a Europa de novo e proteger os povos”. Os partidos usam e abusam do povo e da nação. O Cristianismo foi a alma da Europa e o seu garante, não será que estamos a construir uma Europa desalmada, uma Europa só para alguns?

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

BENTO XVI PROPÕE UMA NOVA ORDEM FINANCEIRA MUNDIAL

“Uma Economia sem Ética conduz à catástrofe”
António Justo
Precisamente no dia anterior à abertura da Cimeira G-8, Bento XVI publicou a encíclica “Caritas in Veritate”(Amor em Verdade). Nela, o Papa reclama uma nova ordem mundial de finanças com novas regras para o comércio. A crise proporciona a oportunidade de “requer uma nova e profunda reflexão sobre o sentido da economia e dos seus fins bem como uma revisão profunda e clarividente do modelo de desenvolvimento, para se corrigirem as suas disfunções e desvios. Na realidade, exige-o o estado de saúde ecológica da terra; pede-o sobretudo a crise cultural e moral do homem, cujos sintomas são evidentes por toda a parte.”

Neste sentido sugere: “Para não se gerar um perigoso poder universal de tipo monocrático, o governo da globalização deve ser de tipo subsidiário, articulado segundo vários e diferenciados níveis que colaborem reciprocamente… urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial… A referida Autoridade deverá regular-se pelo direito, ater-se coerentemente aos princípios de subsidiariedade e solidariedade, estar orientada para a consecução do bem comum comprometer-se na realização de um autêntico desenvolvimento humano integral inspirado nos valores da caridade na verdade. Além disso, uma tal Autoridade deverá ser reconhecida por todos, gozar de poder efectivo para garantir a cada um a segurança, a observância da justiça, o respeito dos direitos. Obviamente, deve gozar da faculdade de fazer com que as partes respeitem as próprias decisões, bem como as medidas coordenadas e adoptadas nos diversos fóruns internacionais.”

E continua; “As actuais dinâmicas económicas internacionais, caracterizadas por graves desvios e disfunções, requerem profundas mudanças inclusivamente no modo de conceber a empresa…a gestão da empresa não pode ter em conta unicamente os interesses dos proprietários da mesma…” Deve “conceber o lucro como um instrumento para alcançar finalidades de humanização do mercado e da sociedade…É preciso evitar que o motivo para o emprego dos recursos financeiros seja especulativo.”

As finanças devem estar ao serviço de todos: “o primeiro capital a preservar e valorizar é o homem, a pessoa, na sua integridade: « com efeito, o homem é o protagonista, o centro e o fim de toda a vida económico-social »

Bento XVI admoesta os políticos a usar o seu poder no sentido dum mundo social, justo e fraternal vincado de verdade e amor. Apela para a coerência dizendo: “não pode ter sólidas bases uma sociedade que afirma valores como a dignidade da pessoa, a justiça e a paz, mas contradiz-se radicalmente aceitando e tolerando as mais diversas formas de desprezo e violação da vida humana, sobretudo se débil e marginalizada“… “Em muitos casos, os pobres são o resultado da violação da dignidade do trabalho humano, seja porque as suas possibilidades são limitadas (desemprego, subemprego), seja porque são desvalorizados os direitos que dele brotam, especialmente o direito ao justo salário, à segurança da pessoa do trabalhador e da sua família”… “Sem verdade, sem confiança e amor pelo que é verdadeiro, não há consciência e responsabilidade social, e a actividade social acaba à mercê de interesses privados e lógicas de poder, com efeitos desagregadores na sociedade, sobretudo numa sociedade em vias de globalização que atravessa momentos difíceis como os actuais.”

Amor ao próximo e responsabilidade pela criação são mais importantes que o lucro pessoal: “As modalidades com que o homem trata o ambiente influem sobre as modalidades com que se trata a si mesmo, e vice-versa…É necessária uma real mudança de mentalidade que nos induza a adoptar novos estilos de vida, nos quais a busca do verdadeiro, do belo e do bom e a comunhão com os outros homens para um crescimento comum sejam os elementos que determinam as opções dos consumos, das poupanças e dos investimentos”

Uma sociedade não pode funcionar mesmo que todos observem direitos e obrigações. Além disto são necessários valores como misericórdia, gratidão, respeito perante a dignidade das pessoas. “A « cidade do homem » não se move apenas por relações feitas de direitos e de deveres”.

Apela também para a consciência de que “comprar não é apenas um acto económico, mas é sempre um acto moral”. Verdadeiro desenvolvimento não é apenas obra do Homem mas uma oferta de Deus.

A encíclica não se perde no concreto. Desenvolve a filosofia base para uma economia justa desenvolvendo temas que passam pela actividade sindical, emigracao, intercultura desenvolvimento e outros. “Há urgente necessidade moral de uma renovada solidariedade, especialmente nas relações entre os países em vias de desenvolvimento e os países altamente industrializados.”

A encíclica identifica em cada pessoa o dever de usar racionalmente da liberdade que lhe foi dada.

Uma carta de alta actualidade para o globalismo contra a mentalidade do lucro e a falta de moral e de ética no mundo económico-financeiro. “Toda a economia, todas as finanças têm de ser usadas como instrumentos segundo medidas éticas, de modo a criarem condições adequadas para o desenvolvimento do Homem e dos povos”.

Esclarece que a globalização não é o mal em si, o que precisa é de novas regras: “ a globalização a priori não é boa nem má. Será aquilo que as pessoas fizerem dela. Opor-se-lhe cegamente seria uma atitude errada, fruto de preconceito, que acabaria por ignorar um processo marcado também por aspectos positivos.”

Esta encíclica segue a tradição das encíclicas sociais que são o fundamento da doutrina social católica. O Papa cita, entre outras, a Rerum Novarum (1891, sobre as Coisas Novas) onde é criticada a situação dos trabalhadores; Pacem in Terris (1963, Paz na Terra) que apresenta o bem-comum mundial como o objectivo mais importante da acção política; Laborem excercens (1981, Trabalho Humano) onde se acentua a prioridade do Homem e dos direitos do Homem também no processo produtivo. Estas encíclicas, independentemente de algum conteúdo religioso deveriam constituir leitura obrigatória para políticos, sociólogos, patrões, sindicalistas etc.

“O Papa? Quem é ele? Quantas divisões é que tem?” gozava Estaline. Os sistemas passam e a Igreja continua. Na realidade Estaline e o seu sistema socialista encontram-se no caixote do lixo da História com a ajuda de João Paulo II. Quem opta pelo indivíduo e não pelas ideologias persiste na História.
António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com