DECISÕES DA ASSEMBLEIA FINAL DO CAMINHO SINODAL ALEMÃO

Uma Provocação alemã? Se sim – qual o porquê?

Medidas concretas tomadas pela assembleia sinodal para a Igreja na Alemanha:  de futuro em todas as dioceses serão possíveis celebrações de bênçãos para casais homossexuais. Já tinha havido uma reforma da lei católica do trabalho em 2022, segundo a qual a igreja também não despede uma gerente de creche que viva numa relação lésbica. A igreja católica emprega cerca de 650.000 pessoas a tempo inteiro, das quais 500.000 trabalham para a Caritas. E mais de 600.000 pessoas trabalham como voluntárias da Igreja Católica.

Leigos empossados, homens e mulheres, também podem pregar nas diferentes liturgias da igreja de modo a que a igreja se torne sinodal com mais participação em todos os níveis.

A bênção da igreja não será mais negada aos divorciados que se casem novamente.

Na última assembleia sinodal em Frankfurt, no terceiro dia (19.03) foi eleito um “Comitê Sinodal” que consta de 27 bispos diocesanos, 27 membros eleitos pelo ZdK (Comitê Central dos Católicos Alemães) e outros 20 membros agora eleitos pela assembleia (1). O “Comitê Sinodal” manterá o processo de diálogo entre representantes dos bispos alemães e representantes dos leigos e trabalhadores da Igreja.

Na assembleia do caminho sinodal (2) os membros revelaram-se capazes de compromissos embora alguns aspectos doutrinais tivessem de ficar em aberto para serem resolvidos no sínodo no Vaticano pelo Papa Francisco (diaconado para mulheres, celibato). Houve um clima de discussão-argumentação nas reuniões, muito característico do espírito discursivo alemão. Bispos e líderes leigos têm-se debatido de forma mais política do que piedosa por encontrar compromissos. As resoluções do caminho sinodal têm um aspecto de recomendações e de apelo ao Vaticano.

Houve muita discussão sobre a abertura do sacerdócio às mulheres e sobre o celibato (3). Os bispos exigiram abertamente o diaconado para as mulheres. 93% da assembleia geral e 80% dos bispos votaram a favor; neste assunto aassembleia sinodal alemã apenas fez um apelo à igreja universal e ao Papa Francisco.Em outubro será realizado o sínodo mundial no Vaticano e também tratará das decisões da assembleia alemã.

Certamente o sínodo em Roma surpreenderá muita gente e não desiludirá muito os defensores de reformas. Quanto à bênção dos homossexuais e a abolição do celibato obrigatório tudo leva a entender que a assembleia sinodal de outubro no Vaticano oferecerá diferentes soluções para as respectivas culturas e igrejas regionais, obedecendo ao  lema: diversidade e unidade na igreja universal. Acho que tais mudanças são possíveis sem que a Igreja Católica se torne protestante; o seu maior problema será o da politização nas suas fileiras! A discussão pública na Alemanha sobre o caminho sinodal tem sido controversa e polarizada fazendo lembrar uma discussão entre partidos sobre uma instituição de grande relevância social, mas conduzida sob aspetos políticos sem grande preocupação espiritual. A discussão dos problemas é ainda mais dificultada pelo facto de nos encontramos num contexto político-social histórico adverso ao cristianismo por razões de domínio de caracter político que tende a reduzir a pessoa a mero cliente.

Alguns críticos temem que as discussões possam separar a Igreja Católica na Alemanha da Igreja universal. Outros veem no caminho sinodal uma oportunidade para a Igreja enfrentar os desafios da sociedade moderna.

Um dos argumentos teológicos em favor da mudança baseia-se na atitude cristã primitiva de interpretar os sinais dos tempos (um elemento da revelação) para que a igreja não se ausente da vida real.

No meio de tanta discussão o Papa encontra-se numa situação desconfortável e difícil porque o poderá levar a sentir-se só com o Espírito Santo: não será fácil conciliar a fé cristã com uma política mundana orientada por maiorias. Por outro lado, os sinais dos tempos não parecem indicar que se deva submeter a doutrina bíblica e eclesial a simples tradições de ética sexual, sejam eles do passado ou do presente. Tentar limitar hoje a sexualidade ao matrimónio sacramental revela-se ainda mais difícil que manter o celibato obrigatório para todos os padres.

Numa altura em que a pastoral (aplicação prática da doutrina e dos sacramentos sob orientação do bispo) tende a acentuar-se sobre a teologia (ciência que procura penetrar o conteúdo da fé por meio do método discursivo e da reflexão para dar resposta  às vicissitudes do presente, e uma resposta para o futuro) seria uma oportunidade para a mística cristã (religiosidade da vivência do encontro pessoal com Deus e da contemplação dos mistérios divinos) poder vir a assumir (finalmente!) um papel mais determinante na vida eclesial.

O Papa certamente continuará fiel à sua exortação sinodal “Querida Amazónia” defendendo uma reforma a partir da base, sem masculinizar as funções da mulher, mas que deve feminizar a praxis eclesial (4).

Na cultura alemã sobressai a racionalidade e a natureza científica envolvidas por uma forte ética de trabalho e amor pela ordem e estrutura deixando pouco espaço para a espiritualidade/religiosidade. Embora a religião cristã continue a ser uma parte importante da herança cultural alemã e da vida cotidiana de muitas pessoas, ao mesmo tempo observa-se uma perda crescente da fé e uma dispersão em práticas espirituais alternativas. Há muita procura e vontade de experimentar em práticas e filosofias espirituais alternativas, tendência esta que corresponde ao espírito do tempo que aposta mais na afirmação do ego e do hedonismo. A religiosidade é mais crença do que fé (pistis). É sintomático o facto de a língua alemã usar uma só palavra (Glaube) para designar crença e fé (Pístis).

Pelo que pude observar nestes últimos três anos da discussão dos temas do Caminho Sinodal, esta mais me parecia uma discussão político-social com pouco a ver com o espírito religioso ou com a fé. Fica-se mais pela liturgia da palavra do que pelo aspecto místico da devoção sendo a religião muito psicologizada e, como tal, orientada para as coisas deste mundo. Encontra-se tudo mais centrado e conotado com valores socialmente utilitários como justiça, solidariedade, direitos humanos, democracia e paz. Sente-se a falta de valores cristãos como fé, amor a Deus, devoção, respeito ao próximo, caridade, bondade, esperança e paz. Por vezes sobressai a impressão de se procurar apenas a autorrealização, e de se querer salvar e melhorar o mundo por conta própria.

O discurso público e religioso encontra-se unilateralmente politizado, facto que se observa cada vez mais na opinião pública europeia; a politização da vida ameaça empurrar para longe todas as outras áreas da vida pública.

Na edição de fim de semana do jornal alemão que assino verifico que párocos católicos e evangélicos no seu espaço do jornal falam de temas da actualidade com alguma possível referência final bíblica, mas quase nunca há uma referência a Jesus Cristo ou a algo que tenha a ver com espiritualidade (o pároco está presente, mas ausente a conotação da religião/espiritualidade que representa). Resume-se tudo a alimento para a mente como se fosse embaraçoso falar de Jesus Cristo ou de espiritualidade. Mesmo em textos do episcopado sobressai uma linguagem administrativa mais adequada à teologia do que à pastoral. Na pastoral, muitas vezes, são usadas palavras muito sensatas que têm mais a ver com temas e sistemas seculares de pensamento do que com um sistema religioso de atitude cristã em relação com Deus. Pela impressão que tenho da maneira de ser alemã centro-norte, a pessoa está mais centrada em si mesma procurando encontrar em si a força para agir não contando muito com o apoio de outras dimensões da realidade como a fé, a graça e a oração. Na consciência social a espiritualidade encontra-se bastante privatizada.

Se os alemães exageram o debate a ponto de o politizarem e polarizarem, os portugueses mantêm uma cultura de debate público subdesenvolvida e por isso a opinião pública assume uma dimensão apenas vertical quando uma eclésia e uma verdadeira democracia deveriam dar mais valia à horizontalidade (fraternidade dos filhos de Deus)! Tudo cresce de baixo para cima!

António CD Justo

Pegadas do Tempo

(1) Após o término do Caminho Sinodal, as deliberações sobre as reformas da Igreja Católica devem continuar em um “Comitê Sinodal”. Para garantir que essas resoluções não fiquem apenas no papel, as coisas devem continuar – há uma série de tarefas: algumas coisas devem ser implementadas pelos bispos individualmente, algumas coisas pela conferência dos bispos, outras ainda precisam de mais trabalho em novas comissões e grupos de trabalho, e no que diz respeito ao ensinamento da Igreja, é submetido ao Papa em votação.

O Comitê Sinodal deve continuar e implementar o trabalho do projeto de reforma nos próximos anos. Bätzing: “O caminho sinodal não leva a uma divisão nem é o começo de uma igreja nacional. Rejeito firmemente tais alegações obscuras mais uma vez.”

(2) O objectivo do caminho sinodal é encontrar novas maneiras de proclamar com credibilidade o evangelho de Cristo. Para que isso aconteça, os membros da Assembleia sinodal seguem uma dupla escuta: por um lado, todos os membros se escutam sinceramente e, por outro lado, escutam o Espírito Santo. (Na escuta dos membros entre si geralmente trata-se de uma escuta a nível de elites imbuídas da cultura típica que as envolve!). Inclui os membros da Conferência Episcopal Alemã, 69 representantes do Comitê Central dos Católicos Alemães e outros representantes de serviços espirituais e escritórios eclesiais, jovens e indivíduos (Assembleia sinodal é composta por 230 pessoas). Resumo das quatro Assembleias sinodais em alemão:  https://katholisch.de/artikel/44051-beschluesse-offene-enden-und-hindernisse-wo-steht-der-synodale-weg

(3)  Até 1023 havia padres casados. O que é decisivo é a capacidade e o chamado de Deus para transmitir o amor a Deus.

(4) Sobre exortação sinodal “Querida Amazónia”: https://antonio-justo.eu/?p=5803

 

CONFIANÇA DIMINUÍDA NOS MEDIA DE SERVIÇO PÚBLICO (ESTATAIS)

Na Alemanha, as pessoas estão sobretudo preocupadas com as mudanças climáticas, a guerra na Ucrânia e a desinformação nos social media (meios de comunicação social) de serviço público (estatais).

Apenas 70% confiam na cobertura política dos media de serviço público (oficiais).

Segundo dois estudos na Alemanha Ocidental, 73% dos cidadãos consideram as notícias políticas credíveis e na Alemanha oriental apenas 58%.

Interessante as percentagens a nível partidário: 96% dos eleitores do partido Os Verdes confiam nos media de serviço público e 81% dos eleitores SPD. A cifra é de 78% para os partidários da CDU/CSU e de 65% para os votantes do FDP e apenas 16% do AfD.

Um pequeno grupo considera as notícias dos social media (os media oficiais/estatais) como fake news controladas pelos “poderosos”.

O estudo é baseado em pesquisas do Instituto de Pesquisa de Opinião Infratest e do Instituto de Pesquisa de Opinião USUMA.

64% têm muito ou muito medo da desinformação e seu impacto na sociedade. Oito por cento mais do que há dois anos, de acordo com um estudo da Fundação Konrad-Adenauer (HNA, 20 de março de 2023)

Interessante de notar que os eleitores dos partidos do governo são os que mais confiança depositam nas informações dos media oficiais (aqueles media para que todo o cidadão é obrigado a contribuir mensalmente). As emissoras de serviço público (estatais) na Alemanha, ou seja, ARD, ZDF e Deutschlandradio, são financiadas com a taxa de licença. Atualmente, a ARD tem nove emissoras estatais sem publicidade (NDR, RB, WDR, hr, SR, SWR, rbb, MDR, BR e além disso, a Deutsche Welle).

A taxa trimestral de transmissão para as emissoras públicas é atualmente de 55,08 euros, isto é 220,32 euros por ano. Quem é proprietário de apartamento ou more nele, é legalmente obrigado a se registrar. Estão isentos os que vivem da assistência social

Em 2021 as taxas de transmissão para as emissoras públicas de TV e Deutschlandradio somaram 8,4 bilhões de euros. Não é sem motivo que o Estado disponibiliza tão grandes quantias possibilitadoras de ordenados altamente exagerados! Da informação depende tudo!

António CD Justo

Pegadas do Tempo

AS 15 ESTAÇÕES DA VIA SACRA

VIA SACRA

No seguinte texto vou reflectir um pouco no sentido da espiritualidade da via crucis. Inicialmente meditava-se sobre as 8 estações do calvário referidas nos evangelhos; posteriormente foram ampliadas.

  1. Jesus é condenado à morte

Ao ser condenado à morte, Jesus não abre a boca; ele sabe que perante quem se arma em juiz não há argumento profundo porque o juiz segue uma visão dualística que não permite um diálogo ao nível de sujeito para sujeito (de caracter inclusivo).

Em todo o interrogatório das autoridades romanas e do sinédrio Jesus apenas responde a Pilatos dizendo que é o „testemunho da verdade”). Pilatos pergunta “o que é a verdade?”. Jesus não responde certamente porque sabia que Pilatos, não entenderia uma resposta que desse porque só a equacionaria no sentido do discurso de direito (racional, na tradicional mentalidade exclusiva do ou… ou); este discurso não conhece pessoas nem relação, apenas conhecem objectos e interesses, prémio ou castigo.

Os interesses que se juntam em torno dos juízes, do direito, da política e da religião, muitas vezes à custa da relação humana e de uma verdade mais profunda. A verdade é processo e, a nível real-místico, só se encontra na relação pessoal, na inter-relação do eu e do tu com o nós.

O caminho do calvário é a resposta do silêncio a uma sociedade empedernida, incapaz de compreender o que é a Verdade dado esta ser relação e nunca uma abstracção intelectual a serviço deste ou daquele poder. Por tudo isto Jesus emudeceu! Só tinha a hipótese de calar, mesmo perante a boa vontade de Pilatos que perguntava num cenário de mentalidade dualista do poder, a mentalidade ordinária do dia-a-dia; uma resposta a nível de justiça só poderia contribuir para o barulho e confusão de que a lei vive.

  1. Jesus toma a cruz aos ombros

Depois do encontro com as autoridades Jesus pegou na cruz aos ombros, não uma cruz culpabilizante nem justificadora; era a cruz da vida e dos males acumulados pela história da vida…. Foi então desprezado pela multidão do povo, porque também este só repete o que os chefes pensam, dizem e mandam… O povo fraco, geralmente coloca-se ao lado dos fortes, numa reacção compensatória da própria impotência. Mas Jesus não vinha para os fortes da sociedade nem para os que tinham adquirido o mérito de bons à custa da objectivação do que é sujeito, do inobjectivável…

Os dirigentes e o povo não aceitam reconhecer em Jesus as próprias feridas porque inconscientemente sabem que se tivessem a nobreza de alma de Jesus teriam de questionar a vida leviana a que foram acostumados e em que investiram…

Os soldados vendam-lhe o rosto, para lhe poderem bater; estão habituados a não encarar a vida de rosto no rosto; contentam-se com viver uma vida em segunda mão, uma vida de outros que é a negação da vida. Jesus, na tradição do servo de Deus (Is 53,33 s) suporta os pecados dos outros.

Não o querem na cidade, querem-no extramuros; numa reacção inconsciente querem-no nos caminhos fora dela onde se encontram os excluídos da sociedade (esquecem, porém, que lá é que se encontra Deus a incluir toda a humanidade). Ao colocá-lo fora dos muros fizeram inconscientemente como manda o dia-a-dia da normalidade… Carregam-no com as traves (um símbolo da horizontalidade a outra da verticalidade; Jesus leva o mundo às costas no que ele tem de pesado; transporta o peso da própria cruz não o deixando para os outros; com uma consciência superior assume também os males dos outros.

Querem-no fora porque, no seu entendimento, um messias teria de andar pelos seus caminhos e seguir a obrigação de perfeccionismos e de virtude passadas a ferro pela sociedade, teria de seguir a ordem social e familiar como qualquer outro… Nem tão-pouco os amigos aguentam a realidade de um homem adulto que encara a vida de frente sem culpar ninguém. Eles querem Deus, à sua maneira, pelo que Jesus terá de ir morrer como o enforcado fora do povoado e, longe dos homens e de Deus; Jesus, porém segue o caminho sempre em frente em silêncio; ele sabe que na mentalidade do povo um condenado pela lei é considerado um amaldiçoado de Deus (Dtn 21,23).

Deus permite tudo isto porque assim mostra que uma vida vivida só orientada pela lei é destrutiva, individual e institucionalmente… Jesus encontrava-se repleto de Deus e mostrava, no seu andar, quão diferentes são os caminhos da Verdade em comparação com os caminhos da normalidade de povo, governantes, religiosos e políticos. Como se mantêm prisioneiros de uma visão dualista da vida pensam que Deus se vingou em Jesus como se Ele fora um amaldiçoado de Deus.

Não, aqui não se trata de castigo; aqui está em jogo o assumir de uma nova consciência, de uma nova maneira de ser e estar no mundo que integra o mundo todo em si. No calvário não se trata de realizar uma pena devida à humanidade; Deus não é nenhum justiceiro como o quereria a mentalidade dualista e instrumentalizadora de quem nos governa. Deus não precisa de resgate… Ele caminha connosco, contigo e comigo, de maneira inclusiva e amorosa, assumindo também o sofrimento, numa reacção positiva à vida.

  1. Jesus cai sob o peso da cruz

Ninguém podia entender o núcleo da sua boa nova onde não há as instituições da violência e da repressão. Jesus tinha ferido profundamente a religiosidade popular e institucional do povo ao criticar a instituição e as práticas religiosas e ao afirmar a Boa-nova da alegria que não culpabiliza ninguém e deste modo desmascara os cães de guarda de Deus e do Estado. A crença e a lei constituíam elementos impeditivos de uma relação mais directa com Deus e com o povo. O JC anuncia uma metanoia para a liberdade e insujeição mostrando com a sua vida o preço da liberdade. As instituições querem, muitas vezes, um Deus grande, um Estado grande à custa da humanidade e do povo; Jesus Cristo convida a não nos orientarmos tanto por regras e moralismos, mas para através da relação com o interior divino… Jesus traz uma mensagem de alegria e não de tristeza. Ele quer as pessoas libertas do jugo do medo, por isso apela à mudança porque toda a vida é processo e transformação, não algo meramente estático fixado em lei ou normas que nos distraem do essencial: a relação pessoal e interpessoal. Jesus acaba com o pensamento em branco e preto, em termo de certo ou de errado; para Ele basta a fé, a experiência de amor que salva (Mc 5,13).

  1. O encontro de Jesus com Maria 

A mãe lá está, bem à margem do caminho, sofrendo no silêncio o mau caminho do seu povo. A mãe pensa como o filho e sente como mãe, por isso não fala, fica em silêncio (Há momentos em que só o silêncio pode falar, a conversa torna-se em barulho de altifalantes pensantes ensurdecedores: um falar para não ouvir a voz do coração, o outro a falar em nós).

Não são homens que batem, são as fardas dos soldados que chicoteiam o inocente em nome da ordem e da instituição.

O encontro de Maria realiza-se, sem falas, de coração para coração numa troca de olhares porque a verdadeira vida não é experimentável no mundo das ideias e das palavras. No brilhar das lágrimas dolorosos que saem do encontro de seus olhos sai uma luz, uma experiência diferente da vida ordenada e secular. Naquele olhar brilha o dia de Páscoa, aquele Dia em que é sempre dia sem adormecer e em que a dor não estorva. No encontro verdadeiro não há palavras porque estas só distraem da profunda vivência que só é possível no encontro de rosto com rosto.

Para chegar à luz da experiência daquele encontro houve o caminho solitário no silêncio da dor que liberta; no mesmo caminho da fé se encontram mãe e filho na consciência de que o caminho da fé é diferente porque leva ao encontro que chega até a abstrair da razão para chegar a “compreender” numa vivência de que tudo se encontra unido e não separado. No momento do encontro a mãe percebeu a dureza das palavras que o filho lhe dissera quando a evitou (colocando a coisa de Deus acima das coisas familiares e lhe disse “não sabias que me devo ocupar das coisas de meu Pai?” Lc 2,49 s); naquela trocar de olhares de mãe e filho a mãe compreendeu novamente que o caminho de Deus não contempla a amarra de laços sanguíneos; no encontro Maria viu que seu filho sempre teve razão, porque empenhado na libertação das pessoas olhando cada uma de olhos nos olhos, não se podendo por isso deixar perder em nenhuma delas, por mais amável que fosse; no encontro de olhos nos olhos ateia-se um novo fogo, o fogo do amor que torna tudo presença. Naquele encontro se realiza a metanoia (para lá do pensamento) que exige um repensar da normalidade que nos prende e cativa; neste olhar se realiza a maternidade de uma mãe que se alegra nos crentes e incrédulos. No encontro dá-se uma fecundação que gera nova realidade.

  1. Simão de Cirene ajuda Jesus a levar a cruz

Os soldados têm pressa e colocam a cruz aos ombros de um homem de fora, um homem da margem que viu pela primeira vez Jesus. Um homem de fora, que se encontrava ali por curiosidade, ajuda Jesus a transportar a cruz (Lc 23,26). Que terá levado Simão a observar a via crucis de Jesus? Ele sentiu-se levado por aquela força que nos leva a assistir quem precisa no momento oportuno. Simão são muitos, são a multidão que ajuda de fora sem perceber o que realmente está a acontecer.

  1. Verónica chega a Jesus o sudário para limpar o rosto

A Verónica, numa reacção espontânea, limpou o suor do rosta de Jesus, como refere a legenda do séc. 12. Verónica aquela mulher já preparada pela vida para a encarar de rosto no rosto, desejava que as dores e o suor não escondessem o rosto do Senhor. Na visibilidade do verdadeiro rosto de Jesus que se marca no lenço encontra-se a intenção de mostrar que, no que acontece no calvário, se esconde um verdadeiro rosto que é vivo e vivificante; as pessoas não devem continuar do lado de cá da vida fixadas a ver as marcas do caminho.… Jesus tem um rosto que nos olha. Na sua cara cada um de nós tem a oportunidade de reconhecer e ganhar um rosto.

  1. Jesus cai pela segunda vez

Encontramo-nos num mudo levedado pelo poder dualista de fariseus e Herodes que vivem de súbditos e dependentes; sistemas democráticos ou não democráticos tendem em manter o povo a olhar de baixo para cima e à procura do pão. A Tora, a lei encontra sempre um motivo para colocar alguém debaixo da cruz.

Os amigos assistem ao acontecimento de longe. Não querem ser identificados como seguidores de um condenado. Não entenderam nada de Cristo, encontravam-se como que aturdidos sob as enxurradas de ideias que lhes passavam pela cabeça. As ideias substituem o sentir e a empatia com Jesus; de Jesus tinham ouvido muita coisa que lhes ficara na cabeça e nos lábios, mas não tinha passado da barreira do entendimento para o coração, para acção. Não entenderam nada, ficando a girar no intelecto como o hamster a pedalar no seu criceto.

  1. Jesus encontra as mulheres chorosas de Jerusalém

As mulheres choravam como se tratasse de um caso de luto. Jesus que bem percebia o engano das pessoas que o seguiam e que não entendiam realmente o que se estava a passar. Então Jesus vendo que mortos choram os mortos, quebrou o silêncio e disse: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim, chorai por vós e pelos vossos filhos!” Sim, Jesus previa aqui que muitos dos seus seguidores não entenderam que o que estava a acontecer era vida, e que apenas conseguiam ver o que se encontra sob as mortalhas (Lc 23,27-31); Jesus pressentia que as estruturas que ele criticara e revogara continuariam a subsistir sem que as pessoas tivessem um olhar de olhos nos olhos como o de Maria e Jesus, uma experiência vivência que eleva o Homem para Filho de Deus; elas entendiam muito de sentimentos, ideias, de leis e moral permanecendo prisioneiras delas sem assumirem a vida divina, a vida da cruz que cada filho de Deus é chamado a levar; não, os mortos são os que choram aquele que está bem vivo e aguenta com a dor sem a projectar em ninguém. Jesus via através das lágrimas aquilo que as motivava e ao constatar a comédia que a vida organiza não aguentou mais … e quebrou com o seu silêncio. As lágrimas não seriam em vão se no outro dia as pessoas fossem diferentes… Jesus quebrou o silêncio ante tanta falta de entendimento.

  1. Jesus cai pela terceira vez sob o peso da cruz

Se Jesus tivesse ficado na Galileia como muitos outros, como fazem aqueles que procuram o sucesso da vida, nada disto teria acontecido e o mundo continuaria na mesma, prisioneiro de ideias a viver ideais, longe da vida; se não tivesse levado tão a sério o seu Pai, se tivesse sido mais diplomático e hipócrita como todos nós, o sofrimento seria um pouco anestesiado pelo dia-a-dia. Em última análise Jesus é que foi o culpado por querer afirmar no mundo uma nova consciência de ser humano; uma consciência de homem livre e sem medo, liberta de opiniões e outras sujeições. Ele é culpado por ter ousado querer fazer de cada um de nós o caminho a verdade e a vida e não apenas expectadores e seguidores de seja quem for.

Jesus superou as medidas do bom pensar e do bom sentir. É abandonado dos homens bem-pensantes que se sentem obrigados a controlar e determinar o que é bom e o que é mau, o que é verdadeiro e falso. Sob a verdade destes homens sofre a Verdade que é vida e contacto directo com Deus. (Imaginem que alguém se distanciasse das escolas de ensino, das estruturas religiosas e políticas, das opiniões dominantes, seria deitado ao ostracismo tal como Jesus o foi. A malta quer é teatro para aplaudir ou condenar para seguir as práticas e as regras do jogo que se destinam a manter a hipocrisia, o domínio e as vaidades; imaginemo-nos que nos encontraríamos com Jesus de cara a cara de olhos nos olhos; isso não pode acontecer porque teríamos de nos tornar nus para não cairmos no equívoco de pensarmos que nos encontramos com o outro quando na realidade nos encontramos com a ideia que fazemos dele,  presos que andamos nos argumentos, do cálculo, da insensatez numa tática de vida a meias entre proveito e ânsia de vaidade,

Entendiam que Jesus deveria reagir à sua maneira, uma maneira dialética e polar do que é bom e mau pensar. De todos abandonado sem braços acolhedores, nem seio de mãe que o acolha fica entregue à liberdade dos braços de Deus. Dois criminosos a seu lado Lc 23,32

10. Jesus é despojado de suas vestes

Jesus confessa: “O Filho do Homem será entregue aos seres humanos”. Os discípulos não entendiam o significado daquelas palavras (Lc 9,44s).

Os soldados roubaram-lhe a roupa, mas embora ladrões, foram justos, à maneira mundana, no repartir entre eles a roupa (Jo 19,23-24). Roubaram-lhe a dignidade humana, a ética e agora fazem negócio com os seus restos.

11. Jesus foi pregado na cruz

No alto do monte, lá onde as ideias e as palavras se cruzam em sequências lógicas, Jesus é pregado na cruz e em nome da lei. Aquele Jesus queria levar tudo conscientemente até ao fim recusando mesmo o mórfico.

No contemplar da cruz, a inteligência e os sentimentos escurecem até à mudez. Jesus encontra-se sozinho e a sós com o Pai.” Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste?” (Sl 22,2).

 12. Jesus morre na cruz

Mais forte que a morte é o amor. Crucificaram-no “à terceira hora … e à hora nona (15h00) morreu” (Lc 15.44). Jesus não morreu para apaziguar o medo daqueles que têm medo de Deus… Jesus morreu como viveu, dando testemunho do Homem livre e comprometido com o Homem, perdoando sempre (Lc.23,34). “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46).

 13. Jesus é descido da cruz

Jesus morre abandonado dos seus e um estranho vem descê-lo da cruz. Já antes um samaritano (Lk 10,30-37), um estrangeiro cuida do homem roubado, não o padre, nem o doutor da lei. José de Arimateia- um homem honrado que esperava pela vida do messias, cheio de compaixão arranjou um lugar para colocar o corpo de Jesus, doutro modo teria sido colocado na vala comum dos crucificados… José tirou-o da cruz e envolveu-o num manto (Mk 15,42 – 46). Em torno da morte de Jesus também havia justos como este José (Lc 23,51).

 14. O Corpo de Jesus é colocado no sepulcro

Deus não é um Deus dos mortos mas dos vivos (Mc.12,26s), por isso tem de ser procurado entre os vivos. A José junta-se Nicodemos que trouxe mirra e aloés para ungir o Senhor. Depois o sepulcro encontra-se vazio; Jesus adiantou-se, “o túmulo se esvaziará tal como o meu, um dia, se esvaziará”!

 15. Deus despertou Jesus!

Teresa de Lisieux dizia, “não olheis para a cruz! Olhai para o crucificado!” Nele Deus continua a história de cada um de nós. Não procureis entre os mortos quem vive, Ele ressuscitou. O nosso Deus não é um Deus do destino, ele é um Deus da relação, um Deus que se trata com denominativos como: paizinho, mãezinha… Se Jesus tivesse morrido a revolução não teria sentido porque permaneceria abandonada à violência em sequências de ritos e rituais repetitivos através da História. Assim permanece um paradigma da vida e de relação de pessoas, da humanidade que é uma família divina a querer encontrar-se e a erguer-se para se encontrar de olhos nos olhos.

Nas sombras das asas do Senhor (PS 63,1-9), nas sombras do seu caminho minha alma se refresca da sede que tem de ti!

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e pedagogo

Pegadas do Tempo

DEPOIMENTO ESCLARECEDOR DA CAMPANHA CONTRA A IGREJA CATÓLICA EM PORTUGAL

DEPOIMENTO
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Paróquia do Monte de Caparica, 12.3.2023:
“A simplificação de qualquer coisa é sempre sensacional.”
“As falácias não se tornam menos falácias porque se tornaram modas.”
“Imparcialidade é um nome pomposo para a indiferença, que é um nome elegante para a ignorância.”
Chesterton
Ponto de partida:
Escrevo mandatado pelo meu compromisso com a Fé católica — e por isso com o mundo, a quem sou enviado a “Anunciar”. Acredito, na Verdade, por isso falo, procurando a Verdade.
Impõe-se-me a convicção de que não posso deixar de dizer. Com fé. Portanto, também com autenticidade e clareza. Bem sei que “nem a minha pregação nem a minha vida estão à altura da missão que desempenho” (S. Gregório Magno).
Não fujo:
existem vítimas de toda esta abominável história de abuso de menores. Há que dar-lhes o melhor e o devido apoio. Quanto me é possível, tenho participado concretamente, nesse dever da comunidade eclesial. Obviamente, a Igreja deverá colocar todos os seus recursos, humanos e espirituais, na luta contra esta miséria. Para um cristão não poderá haver qualquer hesitação nesta matéria.
Já não assim para o extremismo de esquerda e o esteticismo vanguardista. Os exemplos abundam.
À distância de um click descortinar políticos, jornalistas, escritores, artistas, promotores da pedofilia.
A Igreja não pode cessar de se purificar. Entrou numa demorada Quaresma da qual não poderá sair quando este tema deixar a pressão mediática. Purificar é uma expressão de sabor evangélico.
Mas “purificar” não significa, de modo algum, conformar-se aos ditados da comunicação social e à pressão da opinião publicada. Repudio o “travestimento” face ao mundo, que se julga dono da boa doutrina para a Igreja! Com efeito, ajustar contas com a Doutrina e a Tradição não é “purificar”.
Todavia, eis que não poucos espreitam a ocasião de pôr tudo em questão: a verdade objectiva; os sacramentos celebrados no vínculo do discipulado; o celibato associado ao sacerdócio e reservado aos homens — como amigos do Esposo, que O seguem e Lhe entregam toda a sua humanidade. Portanto, também a inteireza do seu corpo —; o casamento entre homem e mulher; a eutanásia — aí estão os temas perante os quais a pulsão “purista” pretende conformar tudo, face aos ditados do mundo.
Lobos ideologicamente treinados, colocados nos melhores lugares do anfiteatro
eclesial, têm espalhado a confusão. Refiro-me, àqueles que são Poder e não abrem a boca sem projectar no Sacerdócio a sua ambição de Poder. Vejam-se os bons exemplos, de péssimos exemplos, vindos da Alemanha: os abusos sexuais percebidos como a prova de que é necessário “adaptar o ‘movimento religioso’ iniciado por Cristo” (Lamentabili, 59). Doutores plásticos face às novas exigências da sociologia e da psicologia. Pugnadores da doutrina e da pastoral decididas a votos. São os mesmos, aliás, que tentam capturar a intuição veneranda do Sínodo reduzindo-o a astúcias partidárias.
Baudrillard distinguiu conceitos relevantes neste contexto: “Dissimular é fingir não ter o que ainda se tem. Simular é fingir ter o que não se tem.” Dentro da Igreja, há quem dissimule não ter poder nenhum. Excepto — repito — o de publicar nos grandes jornais e possuir jornais online, e ser aqui e ali convidado para a Corte. Ou melhor, para a TV. São quem domina a agenda eclesial. Simulam, também, docilidade ao Evangelho quando o que se ouve é apenas mundo e tudo o que o mundo projecta sobre a Igreja. Reconhecem-se nesses que têm que começar os seus discursos com actos de fé “eu que, aliás, sou católico…”. Lançam-se no típico discurso dos escribas: encontrar a salvação, não na ignominia da Cruz, mas na adesão cidadã à opinião dos Príncipes.
“Pensar globalmente, agir localmente”! Se olharmos com alguma amplitude para a história recente do papado verificaremos que teve de se confrontar com poderosas operações de oposição em mesmo de perseguição. De facto, e como grandes orquestrações da opinião pública, é de referir a tentativa de colar Pio XII aos nazis. Diz-se que teria que ver com a intenção soviética de condicionar o Concílio, impedindo-o de ser agressivo com a ideologia ali originada. Depois foi Paulo VI, óptimo Papa até 1968, terrível desde que publicou a Humanae Vitae. De seguida João Paulo II, fortemente atacado por causa da fixação da opinião pública na questão do preservativo. Acresce Bento XVI, sempre colado à imagem que trazia cosida à pele, de “panzerkardinal” e inquisidor. Hoje, habilmente, os “purificadores” apresentam etereamente todo o seu amor dualístico pelo Papa Francisco (esses mesmos que sempre desdenharam a devoção do povo católico a Pedro), não tanto para que ele apareça na sua autoridade apostólica, mas, isso sim, para acusarem a cúria e os episcopados de mais não serem do que aparelho reacionário.
Todavia, a grande novidade não desponta aqui, na critica a este ou àquele Papa, por causa disto ou daquilo. A estratégia de comunicação passou por internacionalizar a percepção pública da Igreja como “a” produtora da pedofilia. Por estes dias, alguém sem relevo público escrevia num jornal de referência um artigo com o título “O fim da Igreja Católica como referência moral”. Concordo! Está em acto, desde o final dos anos 90, esta operação “global” que se apresenta como anti -pedofilia e que visa cercar a Igreja. E apenas a Igreja. E é esse o propósito dos Príncipes. Simulado e dissimulado, “óbvio ululante”. Portanto, impedir que a Igreja tenha uma palavra limpa a dizer sobre o quer que seja já que, ela mesmo, é apresentada como a mais que desautorizada sede da sujeira…
Em novembro de 2021 a Hierarquia da Igreja em Portugal propôs a criação de uma Comissão dita independente que realizasse um relatório sobre todos estes horrores. A Comissão é, indubitavelmente independente. Da Hierarquia. Mas isso não é, de modo algum, garantia de imparcialidade. Verdade, também aqui, que “quem semeia ventos colhe tempestades
”: aceitar a bondade inicial deste Relatório, a realizar por quem o fez, com as metodologias de que se serviram, prenunciava o que veio a suceder. Quando na passada 6ª feira, dia3 de Março, se realizou a conferência de imprensa em Fátima, os senhores Bispos tentaram dizer que teria que haver respeito por “direitos, liberdades e garanti as”. Mas as televisões e os jornais — e os Príncipes — queriam mais. Queriam guilhotina. Pasme-se que, também o senhor Presidente da República mostrou uma valentia que lhe desconhecia até ao presente momento do seu mandato, tantas os seus tangentes circunlóquios.
10º
Pena, grande pena, pois, que a mesma Comissão, não se tenha apresentado a si mesma com franqueza e rigor. Por exemplo, qual o percurso exacto dos seus membros do ponto de vista de outras manifestações da perversão pedofila na vidadas nossas instituições? Que tipo de dificuldades outros processos de índole idêntica criaram aos seus executores? Que pertenças e aprioris ideológicos os seus membros têm em relação à Igreja? Seria importante que Pedro Strech testemunhasse, em primeira pessoa, sobre as dificuldades que enfrentou no processo Casa Pia. Gostaria de saber o que o levou a abandonar tal processo. Do mesmo modo, não seria a hora da figura senatorial de Daniel Sampaio se referir às vítimas da Casa Pia com a “compaixão” que exige dos Bispos? Qual a sua intervenção cívica a favor da compaixão com as vítimas quando os tribunais deram por encerrada essa questão? Será que está agora a projectar sentimentos de culpa face ao seu silêncio nessa circunstância?
Note-se, todavia, que limito-me apenas a levantar algumas questões!…
11º
Por estes dias, o Cardeal Patriarca tem sido zurzido, fora e dentro da Igreja. A culpa dele? Ter assinalado que “um envelope sigiloso contendo os nomes dos membros da Igreja acusados de terem abusado sexualmente de crianças” (Público, 7.3.2023) não é uma sentença do Tribunal que deva transitar em julgado! O Público acompanhou a notícia com uma fotografia do D. Manuel Clemente a guiar dentro de um carro com a janelas fechadas e a sorrir. Tudo mensagens sobre fechamento, fuga, insensibilidade, passadas pelo Poder que se abate sobre um pastor bom a quem procuram isolar.
Acresce que, com mais ou menos dialética episcopal, D. Manual Clemente tem razão na precisão da argumentação jurídica: “Ainda está em uso a antiga terminologia da suspensão a divinis para indicar a proibição de exercer o ministério imposta como medida cautelar a um clérigo. É bom evitar tal designação, bem como a de suspensão ad cautelam, porque na legislação em vigor a suspensão é uma pena e, nesta fase, ainda não pode ser imposta A forma correta para designar tal disposição será, por exemplo, proibição do exercício público do ministério” (in Vademecum, Vati cano, 2ª ed, 2022).
12º
Como já tive oportunidade de dizer noutra circunstância, a isenção e equilíbrio do Relatório tem que ser questionadas! Parece-me que a reverência que lhe é dedicada trás consigo um misto de servilismo e de convencionalismo.
Não é um documento homogéneo. Se há relatos tremendos na sua veracidade, há outras páginas inaceitáveis do ponto de vista da racionalidade e, portanto, também da justiça. De facto, não acolho como imparciais as suas evidências. Por exemplo, na pg. 200 apresenta-se uma Tabela de quantifi cação de outros casos de pedofilia que seriam do conhecimento das vítimas que fizeram os seus depoimentos à Comissão:
Assim, “delineamos um exercício de quantificação. Nos testemunhos em que as respostas são precisas e especificas, contabilizámos o número exato de pessoas mencionadas. Nos restantes, usá mos uma série de equivalências que pondera as respostas de forma muito conservadora [Por baixo, digo eu]”. Portanto, é a parti r desta Tabela que se chega à estimativa de 4815 vítimas.
Eis alguns exemplos que me parecem muito significativos, retirados dessa mesma Tabela: Se a vítima que fez o seu depoimento dá uma “resposta exacta” (tal como a designa o Relatório) assume-se esse número sem mais: “todas as minhas primas”significam, seguramente, “7” raparigas. Acresce, que onde a vítima diz “não sabe; não sei ” os cientistas do Relatório sabem e contabilizam “1”.
E o mergulho no arbitrário expressa-se mais exageradamente ainda, quando quem apresenta o seu testemunho à Comissão dá respostas do tipo “todo o colégio” (a que corresponde o número de 200 pessoas segundo o Relatório) ou “todos os rapazes da Freguesia” (a que correspondem 20 pessoas) … Ciência? Justiça? Aqui fica a pergunta.
13º
Acresce que o Relatório não faz distinções conceptuais importantes: quais os abusos de menores que pertencem à categoria pedofilia (DSM IV, “actividade sexual com uma criança ou crianças na pré-puberdade — geralmente com 13 anos ou menos) e os outros— que são igualmente “abusos de menores” — mas cuja “tipologia” tende a não poder ser nomeada? Tabus e interditos, auto-censura no vocabulário dos autores do Relatório …
14º
Gostaria, ainda, de perguntar aos relatores: o que é que mudou tanto na sociedade portuguesa para que a descrição tenha imperado no processo Casa Pia (conhece-se algum Relatório? Está acessível uma única história relatada na primeira pessoa pelas vítimas?) e agora, desta vez, tudo fosse exposto, com todos os detalhes obscenos, em horário nobre das tv’s?
Num país institucionalmente idóneo, o que foi recolhido neste relatório não deveria ter dado origem a averiguações subsequentes que salvaguardassem “direitos, liberdades, garantias”? Quem não se dá conta do julgamento sumário que se montou na praça pública?
15º
Já perto do fim, penso que é relevante perguntarmo-nos se tudo isto significa que chegámos a uma nova fase da nossa vida em sociedade, onde o compromisso contra a pedofilia se apresenta firme?
Diria que não me parece! Façamos, por exemplo, essa mesma pergunta ao Observador e verificaremos que a fixação no tema da pedofilia é exclusivamente anti -católico. Nesse mesmo jornal, em Janeiro passado, os 100 anos de Eugénio de Andrade foram festejados sem uma alusão que fosse à sua militância pró-pedofilia! Pelo meu lado, penso que até surgir de novo, nesse jornal, um número de telefone disponível para receber outras denuncias de pedofilia, que não só as eclesiásticas, o seu propósito parcial e o seu descompromisso anti -pedofilia estão ostensivamente à vista.
16º
Permito-me antecipar cenários: não tardará muito, parece-me que mais cedo do que tarde, será a Igreja Católica a única instituição, neste lado do mundo chamado Ocidente, a dizer que a pedofilia é uma perversão!
Quem acompanhe o que se diz, por exemplo, em França, Itália ou Holanda e Bélgica sabe-o. Em Espanha, em Setembro passado, a ministra Irene Montero disse que não havia mal na vida sexual acti va das crianças, com adultos desde que consentida (htt ps://poligrafo.sapo.pt/fact-check/ministra-da-igualdade-de-espanha-disse-que-criancas-podem-ter-relacoes-sexuais-com-adultos-se-houver-consenti mento).
17º
Parece-me que reduzir as questões dos abusos de menores à Igreja católica tem permitido aos senadores e aos poderes do regime sublimar as cumplicidades e omissões no Processo Casa Pia. Ali, à guarda do Estado, guardas do Estado atingiram “as mais desgraçadas [crianças] em termos de história pessoal”.
18º
Ora, o que é certo é que o “bode” tem mudado de nome, de raça, e o seu holocausto tem sido prati cado através de rituais diversos. Todavia, certo é também que não há nenhuma configuração de sociedade que não faça uso abundante dos seus próprios bodes expiatórios de eleição. Carregar os miseráveis 3% de clérigos sinistros com os 97% de crimes de pedofilia que ocorrem na sociedade serve outro propósito que não o de esclarecer sobre o que se está a passar.
19º
Tudo o que acabo de escrever apenas indicia uma atitude conservadora? Olhar para o que foi dito nessa perspectiva serve apenas para encurralar-me ideologicamente. Fechado e rígido, insensível, são, de imediato, ideias afins a este tipo de classificação. Permitem antecipar a conclusão sem ouvir o argumento. Seguro, porém, é que não tenho nada a ver com os “jovens turcos” do Observador, importante club do conservadorismo liberal. Dessa relação promíscua resultou um jornalismo trans-
tornado e grande conservador — do liberalismo. Na húbris da indiscriminação da incriminação.
Por entre os militantes deste tipo de liberalismo (haverá outros) descortina-se a postura de quem luta para que o Estado esteja fora dos negócios … e a Igreja longe da vida.
Curioso: também aqui os extremos se tocam. Desta vez, no adro da igreja, onde as causas Woke e os radicais do liberalismo se coligaram no comum desprezo pela densidade do real. Embriagados de parcialidade recusam-se a pensar a complexidade. 1 comentário:
20º
Acontece que sou católico. Por conseguinte, a perspectiva que me interessa diz respeito ao “todo”: da vida, dos factos sociais, da amplitude do perguntar, da organicidade do real, da equidade das soluções, das relações reais de compromisso entre as pessoas, da busca de um modo de estar no visível que não silencie o invisível. Portanto, contra as soluções abstractas e ideológicas do sistema, das teses mais amadas do que as pessoas, do insignificância dada à questão do sentido da existência, do desprezo pelas instituições, da eminência do jornalismo acimados factos, desprezando os factos, inchando ou esquartejando os mesmos.
21º
Todavia, mutati s mutandis, não ando longe do pensamento de Adriano VI quando em 1523, perante a crise protestante, assim escreveu: “Nós reconhecemos livremente que Deus permiti u esta perseguição da Igreja por causa dos pecados dos homens, particularmente dos sacerdotes e prelados. A mão de Deus, de facto, não se retirou e ela pode salvar-nos. Mas o pecado separa-nos d’Ele e impede-O de salvar-nos. Toda a Sagrada Escritura ensina-nos que os erros do povo têm a sua fonte nos erros do clero…
Sabemos que, desde há muitos anos, também na Santa Sé foram cometidas muitas coisas abomináveis: tráfico de coisas sagradas e transgressões dos mandamentos em tal medida que tudo se tornou um escândalo. Não nos podemos espantar que a doença tenha descido da cabeça ao corpo, dos papas aos prelados. Todos nós, prelados e eclesiásticos, desviámo-nos do caminho da justiça. (…) Cada um de nós deve honrar a Deus e humilhar-se perante Ele. Cada um de nós deve examinar-se e ver em que pecado caiu. E deve examinar-se muito mais severamente de quanto não o será por Deus no dia da Sua ira. Consideramo-nos tanto mais comprometi dos a fazê-lo porquanto o mundo inteiro tem sede de reforma”.
….
Que a justiça dos homens faça o seu caminho, é o desejo recto de qualquer um de nós. Certamente que alguns dos mais dissimulados e poderosos pedófilos escaparão à justiça dos homens. Assim, muitos nomes grandes da cultura e das artes europeias e nacionais contemporâneos.
[…]
Sabemos, no entanto, que ninguém escapará o severo juízo de Deus. Para o fogo eterno aqueles que escandalizaram os pequeninos. Portanto, também o clero que impenitentemente assim o fez e assim se manteve simulando exercer as responsabilidades santas, horrivelmente pervertidas.
2
Dediquei-me a ler o Relatório publicado na 2ª feira passada. Já li perto de metade. Não serei redundante a repetir o que é consensual, obviamente sobre a tragédia que se abateu sobre quem foi abusado.
Mas o Relatório não é apenas consensual. É também discutível. Muito discutível e em não poucas páginas, para mim, inaceitável. Ou será que sou obrigado a considerar como absoluta e inquestionável a sua metodologia, os seus propósitos e resultados? “Pensar é dizer não” [Alain, seminário de Derrida], ensinava um filosofo francês aos seus alunos. Nem sempre, mas muitas vezes, permito-me acrescentar eu. Sobretudo quando nos colocamos perante as afirmações do Poder sem rosto, como o designava Pasolini. Portanto, e por vezes, negar não é fazer a afirmação contrária. Ou seja, não me passa pela cabeça dizer que não existe responsabilidades brutais de clero pedófilo.
É antes recusar o modo como se configuram novas crenças que se pretendem límpidas e pudicas e transpiram principalmente uma vingança cultural, generalizações e massacre de uma instituição secularmente na mira dos que pretendem o Progresso sem o Desenvolvimento. O progresso entendido assanhadamente como ruptura — como revolução— face às convicções tradicionais sem por isso o Desenvolvimento da pessoa na sua vida pessoal e comunitária. “, o aborto, a eutanásia e fantasiosas ‘famílias” que não desenvolvem a vida de ninguém. Antes a implodem.
3
Mas retomo o Relatório. A certa altura é referido que a “Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa” foi entrevistar os nossos Bispos. Levavam cinco perguntas preparadas. A primeira questionava o seguinte: “— Como se tornou um homem de fé́?
Percorria-se depois um roteiro por várias outras: pode-nos falar sobre a sua infância, a família e a comunidade onde cresceu?
Como surgiu a vocação e em que lugares adquiriu formação para se tornar sacerdote ou membro de uma ordem religiosa?”(Copy paste, pg 122. Note-se o pouco rigorosa na ortografia).
Ora, pergunto eu, a entrevista era sobre “Abuso de menores” ou servia para classificação e julgamento sociológico e psicológica do episcopado? Repete-se em todo o relatório que se acolheram as pessoas entrevistadas. Neste caso, não se está a fazer um juízo de valor sobre as pessoas entrevistadas?
Com efeito, qual o relevo desta pergunta senão a de julgar os prelados da Igreja?
Exagero? Veja-se o comentário que se segue sobre as entrevistas aos superiores das ordens religiosas, femininas e masculinas:
“Se algumas irmãs tinham vestido o hábito de freira nas entrevistas, os superiores gerais (com exceção de um) apresentaram-se descontraidamente vestidos com roupa comum. Com todos, sem exceção, o ambiente criado durante a entrevista foi excelente. Ao contrário dos bispos, apesar de tudo mais formais e racionais no trato e no uso da linguagem, os superiores e as superioras gerais deixaram mais frequentemente soltar as suas emoções e dúvidas, o seu humor e, sobretudo, a sua perspetiva crítica face ao conservadorismo da hierarquia da Igreja portuguesa, na sua linguagem, na atitude de certos bispos. Apenas com eles/elas ouvimos frases como «sinto-me uma pessoa realizada», «sou uma mulher feliz»”.
Bom, se era tão relevante conhecer o “ambiente” em que cresceu a hierarquia, porque não utilizar o mesmo método na auto-apresentação da Comissão.
[…]
Que razões levaram a Comissão a passar por cima de tudo o que são direitos, liberdades e garantias, dando um passo no sentido em que a vida pública seja não só é atingida pelo populismo, que pretende que os políticos sejam substituídos pelos juízes, como agora, também, que os juízes sejam destituídos por psiquiatras.
Sim, porque não tenhamos dúvidas: o Relatório é uma sentença.
Daquelas em relação às quais já não se pode apresentar recurso.
4
Significativa, no Relatório em apreço, a tentativa de branquear a conexão, todavia estatisticamente irrefutável, entre abusos de menores e perfis homossexuais. As afirmações ideológicas e declarações de intenção, são redundantes: Assim na pg 75: “Sabe-se que a maior parte dos abusadores de crianças são, na sua forma socialmente assumida e ainda na sua estruturação emocional, heterossexuais, muitos deles tendo relações com adultos de sexo oposto ou sendo pais de crianças. Por outro lado, a quase totalidade dos homossexuais vive a sua vida emocional e afetiva com pessoas de faixas etárias superiores a 18 anos de idade e orientação idêntica, sem que sequer se constitua esta mesma questão de abuso. Embora esta questão esteja hoje absolutamente clarificada do ponto de vista científico, ela é ainda objeto de vulgar confusão entre vários estratos das sociedades, incluindo em posições que persistem como um dogma dentro da própria Igreja que, por exemplo, nega casamentos entre pessoas do mesmo sexo ou a confissão e a comunhão a quem não tenha assumido orientação heterossexual.” Ora, de novo, ‘pensar é dizer não’.
Mas não me acusem, para já, de ser troglodita.
Faço, aliás, um parenteses para homenagear pessoas homossexuais que conheço e de quem sou amigo e que nada têm de pedófilas. É obvio que homossexualidade não é sinonimo de pedofilia.
Mas é obvio, também, que há no Relatório uma preponderância de pessoas com práticas homossexuais pedófi las. E aí o relatório não é isento.
Com efeito, não obstante o texto que acabo de citar e que tenta dissociar em absoluto estas duas práticas, por exemplo, nas pg 250 ou 271 ou 371, os episódios hediondos aí relatados são, paradoxalmente, referidos a pessoas identificadas como homossexuais.
Mas, por outro lado, já os 4 casos contados nas páginas 223 a 227 descrevem com detalhe praticas homossexuais sem nomear a homossexualidade desses predadores.
Então, todo o meu propósito resume-se a condenar as pessoas homossexuais?
Não e não.
Sem pejo, porém, relembro a tese de Pasolini, aliás um homossexual, segundo a qual a tragédia contemporânea tem que ver com um Poder [com P grande] sem rosto. Esse, Poder, digo eu, que tem conseguido colar a Igreja, o seu clero e as suas práticas rituais e instituições a uma cambada de tarados e de lugares sinistros.
Ora, o que o Poder pretende com isto é que da identificação da Igreja com tais horrores decorra a insignificância e impotência e o desprezo por qualquer coisa que a mesma Igreja tenha a dizer sobre o homem e organização da sua vida em sociedade. Aborto, Eutanásia, fantasmas sobre o que é ser homem ou mulher, família tradicional ou novas configurações da mesma nascidas da perda do centro, tudo isso deixa de poder dialogar com o pensamento católico a quem não deixa de se colar a pequeníssima parte como expressiva de um todo sistémico.
E, eis, que aí estão, de novo, à solta, velhos ressentimentos anticlericais a pedir que se “esmague a infame” Igreja.
5
E a propósito de números e % permito-me, também, dizer que não considero expressivos e suficientes os números alcançados. 34 depoimentos presenciais, 512inquéritos online validados, a extrapolação para 4800 vítimas de abusos não é ciência, não é direito, não é justiça. É manipulação. Brutal manipulação.
Note-se aliás que o Relatório diz na pg. 138“
Uma das questões com que qualquer equipa de pesquisa se confronta quando recolhe dados junto de uma população através de técnicas como entrevistas ou inquéritos por questionário é a questão da veracidade das respostas obtidas. Apesar de todos os cuidados postos na redação do guião, da exclusão de testemunhos manifestamente falsos, pode-se sempre discutir genericamente se quem responde está ou não a contar a verdade, ou se aquilo que afirma corresponde ao que exatamente viveu, sem construção do que é descrito como a ocorrência de «falsas memórias». Este é um tema recorrentemente discutido na literatura científica, nomeadamente na área da psicologia social, facto que, por si mesmo, constitui uma forma estruturada de corretamente enquadrar este tipo de dúvidas.
Em vez de «verdadeiras» ou «falsas», devemos ter em conta que as respostas obtidas são sempre elaboradas no quadro da relação que se estabelece entre quem pergunta e quem responde. São mediadas pela representação mental que a pessoa constrói da situação a que está a responder e é essa mesma narrativa interna que constitui o próprio resultado da inquirição
.”
6
Contenho-me no meu exame ao relatório para chegar a uma pergunta necessária e dolorosa:
Porque é que a hierarquia se lançou a este desafio de pedir para se fazer este relatório.
Seria melhor escondermo-nos?
Não e não. Não sou desses.
Não me revejo em comportamentos corporativos! Não sou de nenhuma “congregação”.
O que me parece é que, por exemplo, como em Espanha, não se deveria ter aceite fazer um inquérito desta natureza exclusivamente à Igreja Católica. Sim, os estudos de referência indicam que depois de tudo vasculhado na Alemanha e nos EUA a responsabilidade dos clérigos andará pelos 3%.
Sim, é brutal, mas não exclusivo nem predominante. E foi esse, segundo me parece, o efeito social criado com este Relatório: como se a Igreja fosse a fábrica e a sede destes horrores
O que se passou então para hierarquia avançar para este Relatório. Não possuo especial informação sobre as decisões da CEP. Obviamente a pressão era muita, mas permito-me lamentar 3 factos:
·
Cedência às elites clericalizadas: clero e leigos que pensam “mundo”. Refiro-me aos que dentro da Igreja estão mundanizados, mentalmente colonizados pelo Poder. Refiro-me aos que desejam que, no que diz respeito à doutrina, a Igreja diga o que o mundo dita à Igreja. Refiro-me, de um modo geral, ainda que com honrosas excepções, àqueles católicos de serviço que têm acesso a publicar na grande imprensa. Àqueles que de algum modo aspiram a uma versão do cristianismo descrito ironicamente pelo Cardeal Biffi a propósito do anti -Cristo: no futuro ele “será vegetariano, pacifista, bonzinho e aberto ao diálogo”.
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Como segunda nota, e como agora se diz, recusa de um modelo sinodal de Igreja. Ou seja, confundir opinião publicada com o sentido da fé dos fiéis. Só gente muito mundanizada desejava este Relatório. Os fiéis-fieis, quer dizer os que vão à Missa fielmente, os que tem filhos e família, os que visitam familiares e vizinhos doentes, os que rezam, sabiam e sabem que este foi um exercício que lançou o pânico nos simples. Eles queriam a verdade, sim. Não queriam, porém, serem colocados de novo na arena dos novos Coliseus. Penso nos que nada sabem de sociologia e estatística. Mas que conhecem a Cruz, a dor, o perdão, o serviço desinteressado.
·
Por último, penso na confusão pretendida entre os abusos como abuso de poder clerical e os ardis da perversidade. Considerar a autoridade como má é abrir caminho à ditadura das minorias agitadoras, elas sim, empenhada sem reescrever um evangelho que seja aceitável por quem tem vergonha de pregar Cristo e Cristo crucificado.
7
A terminar, sobre mim mesmo, queria dizer que não vivo detrás de nenhuma muralha a bombardear a cidade.
Por desígnio da Providência, e circunstâncias da minha vocação ligada antes de mais a uma comunidade terapêutica e ao facto de ser capelão de uma prisão, penso que já ajudei — mais ou menos— dezenas senão centenas de pessoas abusadas sexualmente. Sim, sou testemunhada privilegiada de percursos de redenção, de ressurreição. Acresce que também já ajudei uma meia dúzia de pessoas pedófilas; também por elas Cristo morreu na Cruz. Não me escondo nas sacristias, não ando na rua disfarçando o meu sacerdócio. Não aceito ser nomeado reacionário por quem vive a temer a opinião dos grandes da opinião. Sou, porém, dos que considera que “a missão da Igreja não é ser credível, mas acreditar!”
8
Termino recorrendo, uma vez mais, ao querido e grande Cardeal G. Biffi :
“Charles Journet veio ao nosso Seminário e falou-nos da Igreja. Tocou-me a sua capacidade didática, de facto extraordinária. Mas, sobretudo, fascinou-me o seu pensamento, rigoroso e vibrante, todo ele tomado de amor pela verdade de Deus e pela sua ‘Esposa’ (como ele lhe chamou desde o primeiro minuto). Particularmente era admirável o equilíbrio, a inteligência e o espírito de fé que marcavam o seu modo de afrontar o tema espinhoso da questão da existência na Igreja de santidade e pecado. Todas as contradições são eliminadas — observava ele — se se compreende que os membros da Igreja pecam não enquanto estão ligados a ela, mas quando a traem. De modo que a Igreja, que não existe jamais sem pecadores, é sempre, em si mesma, sem pecado. Essa, de facto, assume em si tudo o que é santo, também nos pecadores, e deixa fora de si tudo o que é reprovável, também nos justos. Os seus confins passam, por isso, pelos nossos corações.”
Paróquia do Monte de Caparica. Tema Simples. Com tecnologia do Blogger
Pe. Joaquim Pedro Lobo Cardoso

SUÉCIA COM A MAIS BAIXA TAXA DE MORTALIDADE EXCESSIVA NOS ANOS CORONA!

 

O centro de estatística sueco SCB, com base em dados estatísticos da UE, Eurostat, chegou à conclusão que nos anos Corona de 2020 a 2022, a Suécia teve estatisticamente a menor taxa de excesso de mortalidade em toda da Europa.
Em comparação com os três anos anteriores ao Corona, de 2017 a 2019, a taxa de mortalidade na Suécia aumentou 4,4%. A maioria dos que morreram tinha mais de 70 anos, muitos haviam sido infectados em lares de idosos.
Na Alemanha os mortos atingiram um valor acrescentado bastante mais alto de 8,6 por cento. A taxa foi mais elevada na Eslováquia com 18,7% e na Bulgária com 19,8%.
O governo da Suécia foi muito liberal quando se tratou de decretar medidas contra a pandemia.

Há que atender que de país para país se observam grandes diferenças na maneira como definem e registram as mortes por corona. A Suécia superou a pandemia com uma taxa de mortalidade excessiva relativamente baixa. Mas ainda é muito cedo para se tomarem conclusões de que as medidas corona não têm efeito ou que fazem mais mal do que bem.
Por outro lado há malefícios que que só mais tarde poderão vir a ser avaliados!
António CD Justo
Pegadas do Tempo