Categoria: sociedade
CIÊNCIA E FÉ SABOREADAS NUM GOLE DE CAFÉ
No café da Praça de São João da Madeira, dois amigos de infância, Elias e António, encontravam-se para uma conversa habitual. Elias era um físico apaixonado pela ciência, enquanto António era um filósofo e teólogo dedicado. Entre goles de café, a conversa aprofundou-se sobre uma questão que sempre os intrigara: a relação entre ciência e fé.
— Elias, a ciência tornou Deus supérfluo? — perguntou António, com um tom cético, como quem quer provocar a discussão.
Elias sorriu pensativamente e respondeu::
— A ciência busca entender como o universo funciona, mas isso não significa que tenha todas as respostas. Ela não pode provar nem refutar a existência de Deus porque trabalha apenas com o que é mensurável. Perguntas como “por que existe algo em vez de nada?” ou “qual é a intenção ou sentido último da existência?” ultrapassam os limites do método científico.
António acenou com a cabeça e continuou:
— Exato. E, no entanto, a própria ciência parece apontar para algo além de si mesma. A ordem do universo, as leis precisas que regem tudo, a capacidade que temos de raciocinar e entender a realidade… Isso não sugere uma mente inteligente por trás de tudo?
Elias apoiou o queixo na mão, pensativo:
— Há quem argumente que tudo pode ser explicado por processos naturais, mas admito que a regularidade e a inteligibilidade do universo são fascinantes. Se o cosmos fosse um mero acaso, por que é que ele seguiria leis tão bem organizadas?
António sorriu de forma expressiva:
— E há mais. Se a nossa mente fosse apenas um produto do acaso, como confiaríamos em nossa própria capacidade de compreender a realidade? O fato de podermos raciocinar e fazer ciência sugere que há algo mais do que processos cegos em jogo.
Elias ergueu as sobrancelhas e perguntou com um ceticismo silencioso:
— Mas então, se aceitarmos que pode haver uma causa inteligente, como evitamos cair no dogmatismo?
António inclinou-se ligeiramente para a frente e respondeu com voz firme:
— A fé não deve ser um salto cego, mas sim uma decisão racional baseada em evidências e experiências. Como a ciência, ela também se baseia na busca da verdade. O problema surge quando um lado ignora completamente o outro. Se apenas aceitarmos o que é mensurável, limitamos a nossa compreensão da realidade. Por outro lado, se desprezarmos a razão, caímos na superstição.
Elias deixou o pensamento assentar e acenou lentamente com a cabeça:
— A ciência e a fé são complementares e não contraditórias.
António recostou-se e concluiu com um sorriso satisfeito:
— Sim. A ciência ajuda-nos a entender como o mundo funciona, e a fé ajuda-nos a encontrar um propósito para essa existência. Ambas são necessárias, pois cada uma responde a questões diferentes e usa métodos distintos.
Os dois sorriram, percebendo que, apesar de suas diferenças, estavam em busca da mesma coisa: a verdade. E nessa busca, ciência e fé caminhavam juntas, não como adversárias, mas como aliadas na compreensão do mistério da existência. E nesta evidência parecia até a realidade irmanar-se no aroma de um novo café que os dois encomendaram ao Garçon do Café Colmeia.
Ao lado na praça, os repuxos de água refrescavam o ar quente do ambiente enquanto pombos, como que internalizando a paixão do debate – num prazer que dura, se repete sem desgaste – corriam atrás das pombas em arrulhos que faziam lembrar o prazer do orgasmo intelectual produzido no nosso diálogo habitual.
Elias e António permaneceram em silêncio por alguns instantes, como que permitindo que as palavras proferidas se dissolvessem no ar, misturando-se ao aroma do café recém-chegado. O líquido escuro e fumegante parecia refletir a profundidade da conversa, como se cada gole fosse um convite a mergulhar mais fundo no abismo das perguntas que seguiriam ad eternum. O café, ali, não era apenas uma bebida, mas um símbolo daquilo que os unia: a busca por sentido no meio do efémero.
António ergueu a chávena, observando a luz do entardecer a refletir-se na superfície líquida do granito da praça e deixava pequenos lampejos dourados, lembrando, por vezes restos de arco-íris.
— Sabes, Elias — disse António, com um tom que parecia ecoar séculos de pensamento — há algo de sagrado neste momento. Não no sentido religioso, mas no sentido de que estamos diante de algo que transcende o cotidiano. Este café, esta praça, esta conversa… são como momentos kairós, pequenos fragmentos de eternidade.
Elias inclinou a cabeça, como se tentasse decifrar um enigma.
— Eternidade? — perguntou, com um sorriso que incorporava cepticismo e curiosidade.
— Sim — respondeu António, com um brilho nos olhos. — A eternidade não precisa de ser algo distante, inalcançável. Ela pode estar aqui, neste instante, na maneira como o tempo parece suspender-se quando duas mentes se encontram irmanadas em diálogo ou dois corpos se unem num só. Sim, a ciência pode medir o tempo, mas não pode aprisionar o seu sabor.
Elias riu suavemente, como quem reconhece a beleza de uma metáfora bem colocada.
— Então, estás a dizer que a eternidade tem o sabor de um café?
— Por que não? — respondeu António, com um gesto teatral. — O café é feito de grãos que nasceram em solos distantes, foram colhidos por mãos que talvez nunca conheçamos, torrados e moídos em processos que envolvem tanto a precisão da ciência quanto a arte do mestre torrador. E agora, aqui está, nesta xícara, servindo de ponte entre nós. Não é isso a eternidade? Uma conexão que transcende o tempo e o espaço à semelhança de um clímax?
Elias olhou para o café, como se o visse pela primeira vez.
— Nunca pensei nisso — admitiu. — Mas faz sentido. A ciência explica o processo, mas não consegue capturar a experiência. A fé, por outro lado, permite-nos saborear o que está para além do processo, sim, porque a sua essência é relação.
António anuiu, satisfeito, recordando-se de Tomás de Aquino.
— Exatamente. A ciência diz-nos como o café foi feito, mas é a fé (experiência do encontro) — ou, se preferires, a poesia — que nos permite apreciar o seu significado.
O silêncio que se seguiu foi preenchido pelo som dos repuxos de água na praça, cujos jorros pareciam dançar ao ritmo de uma música invisível. Os pombos, agora mais calmos, arrulhavam em coro, como se fossem testemunhas daquele diálogo que transcendia o mundano. O ar quente do fim de tarde carregava consigo o cheiro das árvores que rodeavam a praça, misturando-se ao aroma do café e criando uma sinfonia de sensações.
Elias olhou para António, com um brilho de admiração nos olhos.
— Sabes, António, às vezes penso que a tua mente é como um labirinto. Cada vez que entro nela, descubro novos caminhos, novas perspectivas.
— E a tua, Elias — respondeu António, com um sorriso — é como um telescópio. Permite-nos ver além do que é visível, explorar os confins do universo.
Ambos riram, e o som das suas gargalhadas misturou-se ao arrulhar dos pombos e ao rumor das águas. Naquele momento, parecia que a própria praça conspirava para celebrar a harmonia entre ciência e fé, entre razão e poesia.
Elias ergueu a chávena, como se fosse em brinde a unir os dois.
— À eternidade, então. E ao café, que nos lembra que ela pode estar mais perto do que imaginamos.
António fez o mesmo, e os dois beberam em silêncio, saboreando não apenas o café, mas a profundidade daquele instante.
Enquanto o sol mergulhava no horizonte, tingindo o céu de tons alaranjados e purpúreos, os dois amigos permaneceram ali, sentados no café da praça de São João da Madeira, unidos pela busca da verdade e pela certeza de que, no fundo, ciência e fé são duas faces da mesma moeda — uma moeda cujo valor não se mede em números, mas em significado.
E, assim, enquanto o dia se transformava em noite, o aroma do café continuava a pairar no ar, como um testemunho silencioso daquela conversa que, talvez, tivesse tocado os limites da compreensão e do eterno.
António da Cunha Duarte Justo
“Flashes de vida”
Pegadas do tempo
UNIÃO EUROPEIA PROPAGA IDEOLOGIA ISLÂMICA DISCRIMINADORA DA MULHER
Instituições da UE promovem símbolos islâmicos em materiais de divulgação, gerando controvérsia
Nos últimos anos, instituições da União Europeia têm incluído, em materiais de divulgação, imagens de crianças utilizando lenços de cabeça, um símbolo religioso do Islão. Um exemplo notável ocorreu numa brochura do programa Erasmus+, com a referência “Prémio Europeu para o Ensino Inovador”, onde uma criança com hijab foi destacada. Essa prática tem gerado críticas de diversos setores, incluindo políticos e organizações de defesa dos direitos das mulheres.
A deputada Monika Hohlmeier, do Parlamento Europeu, manifestou-se contra a utilização desses símbolos, argumentando que eles estão associados à opressão religiosa de mulheres e meninas. Segundo ela, “a Comissão está a promover símbolos problemáticos, que perpetuam estruturas de discriminação de género”. A corroborar estas críticas, membros do Parlamento Europeu dirigiram-se à Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, exigindo uma revisão dessa abordagem. Os parlamentares afirmam que a banalização de símbolos religiosos, como o hijab, em materiais oficiais da UE, é preocupante e carece de justificação.
A crítica centra-se no facto de que a promoção de vestuário religioso, especialmente em contextos dirigidos a crianças, é de ser interpretada como uma forma de imposição ideológica. A discriminação de género, enraizada em estruturas patriarcais, é um problema global, e mesmo dentro do Islão, os papéis tradicionais de género têm sido questionados. A publicidade de símbolos religiosos em materiais institucionais pode, inadvertidamente, reforçar estereótipos e práticas que limitam a liberdade das mulheres. A política islâmica está consciente que ao controlar a mulher tem o controlo da tradição. É de lamentar como uma instituição europeia que se mostra tão meticulosa em questões consideradas picuinhas de costumes europeus sirva de propaganda para fomentar discriminação justificada por supremacia cultural islâmica.
Na Alemanha, organizações como a Terre des Femmes, dedicada à defesa dos direitos das mulheres, têm defendido há anos a proibição do uso de véus por crianças em instituições públicas, como creches e escolas. A organização argumenta que o uso precoce do véu pode estar associado a pressões familiares e sociais que restringem a liberdade das meninas. Há relatos de alunas que usam véus e que, por vezes, exercem controlo sobre colegas que não seguem as tradições religiosas. Além disso, algumas crianças são impedidas pelos pais de participar em atividades escolares, como aulas de educação física ou viagens, devido a restrições religiosas. Desta forma parece haver uma política interessada em fomentar o gueto.
A situação expõe uma contradição na sociedade contemporânea: enquanto há um esforço significativo para evitar linguagem discriminatória (como o uso de termos considerados ofensivos, por exemplo, “cigano”), há, ao mesmo tempo, uma querida indiferença em relação a práticas que perpetuam a discriminação de género e a opressão religiosa sob o manto do islão. Essa postura é vista por muitos como hipócrita, uma vez que ignora o impacto real dessas práticas na vida das crianças e na promoção da igualdade entre homem e mulher na vida social.
Em suma, a utilização de símbolos religiosos em materiais institucionais da UE tem levantado questões importantes sobre a neutralidade das instituições europeias e o seu papel na promoção dos direitos humanos e da igualdade de género. A discussão continua, com apelos para que a Comissão Europeia reavalie suas práticas de comunicação, garantindo que estas estejam alinhadas com os valores fundamentais da União Europeia.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do tempo
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL HUMANIZADA
Era uma vez um reino antigo, onde homens e mulheres, com as suas mãos e engenho, haviam construído maravilhas. Desde os primeiros instrumentos de pedra até às catedrais que tocavam os céus, a humanidade sempre encontrou formas de transformar o mundo ao seu redor e humanizá-lo à sua maneira. Mas, com o passar do tempo, algo novo surgiu na modernidade: um ser sem corpo, sem alma, mas de raciocínio veloz e aparentemente ilimitado. Chamavam-lhe Inteligência Artificial.
Um sábio salesiano da província portuguesa, padre Teobosco, observava com admiração e receio as novas invenções. Ele sempre acreditara na grandiosidade do espírito humano e na sua insubstituível criatividade. “É espantoso”, pensava ele, “como estas máquinas podem recordar tudo o que foi dito e até podem imitar, prever e sugerir. Mas podem elas sonhar? Podem elas amar? Podem elas sentir o vento frio da manhã e refletir sobre o sentido da existência?”
Certo dia, um jovem aspirante chamado Ramiro aproximou-se do padre com uma questão inquietante.
— Padre Teobosco, se estas máquinas pensam mais rápido que nós, se fazem cálculos mais precisos e aprendem com cada erro, não corremos o risco de nos tornarmos obsoletos? O que nos resta se elas puderem fazer tudo por nós?
O padre sorriu e apontou para uma árvore centenária no jardim do mosteiro.
— Vês esta árvore, Ramiro? Foi plantada pelos nossos antepassados. Nenhuma máquina teria sentido a necessidade de a plantar sem que um humano lhe dissesse para o fazer. Porque falta-lhe o desejo, a emoção, a saudade do amanhã. A Inteligência Artificial pode analisar todas as histórias já contadas, mas jamais criará um mito verdadeiramente novo, pois falta-lhe o mais importante: a centelha da alma, o reflexo divino.
David refletiu sobre aquelas palavras. Mas ainda tinha dúvidas.
— E se um dia elas conseguirem imitar até isso? Se aprenderem tanto sobre nós que consigam criar ilusões perfeitas de sentimentos e pensamentos humanos?
O padre suspirou, pegando num velho livro de histórias.
— As fadas e os encantadores de antigamente criavam ilusões que pareciam reais, mas eram apenas sombras da verdadeira magia da vida. O perigo não está nas máquinas, mas no modo como nós, homens, nos deixamos enfeitiçar por elas. Se aceitarmos a sua assistência como ferramenta, serão aliadas. Mas se nos entregarmos a elas de corpo e alma, deixando que decidam por nós, então seremos marionetas nas mãos de algo que nem sequer entende o que é ser humano.
O jovem, então, compreendeu. A IA não era um inimigo, mas também não poderia ser um soberano. Afinal o soberano é a pessoa e o último juiz de si mesmo, tal como tinha aprendido na catequese. O futuro do homem continuaria a depender da sua consciência, da sua responsabilidade e da sua capacidade de sentir, sonhar e criar algo verdadeiramente novo. Afinal, por mais avançada que fosse a máquina, ela jamais saberia o que é o calor de um abraço ou o brilho da esperança no olhar de quem ama.
E assim, naquele reino antigo, o povo continuou a avançar, usando a tecnologia como aliada, mas sem nunca esquecer que o coração da humanidade pulsava em algo muito maior do que qualquer código ou algoritmo poderia jamais compreender. Só o espírito humano é ilimitado.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do tempo
DILEMA POLÍTICO EUROPEU
Com quem fazer coligação para se poder governar?
A política europeia enfrenta um dilema cada vez mais evidente: como formar coligações governativas eficazes sem cair na armadilha da paralisia institucional? A sociedade alemã oferece um exemplo paradigmático desta dificuldade. O governo formado pelos Verdes, o SPD e o FDP (apelidado de “coligação semáforo”) tem-se revelado uma experiência conturbada, com constantes bloqueios internos devido às posições ideológicas inflexíveis de cada partido. O resultado é uma Alemanha cada vez mais paralisada e com sinais de decadência económica e social com populações movidas nas sendas de um pensar único. Em 2023, a economia alemã recuou 0,3%, e a instabilidade energética agravou a crise industrial do país.
Coligações formadas com base em táticas partidárias de curto prazo, ao invés de uma visão estratégica para o país, tornam-se prejudiciais para a sociedade. Falta-lhes uma linha de orientação clara e coerente. Parece não haver uma saída fácil para este impasse porque também a União Europeia pretende prescindir do sentir do povo e das inteligências e dos interesses dos países membros; em vez disso premeia o oportunismo de governantes e políticos de perfil em quadros partidários contando com estratagemas de formatar a vontade popular.
A crise da dicotomia esquerda-direita
O debate político atual continua excessivamente centrado na dicotomia esquerda-direita, mas esta abordagem tem-se revelado insuficiente para compreender e responder às necessidades contemporâneas. Em vez de oscilar entre um polo e outro, a sociedade exige uma estratégia que lhe permita avançar, aproveitando os pontos positivos de ambas as perspetivas (progressistas e conservadores) para traçar um caminho baseado na racionalidade e não se perder no beco sem saída da defesa de interesses partidários de modelo atrasado.
Há elementos de valor nos dois extremos ideológicos, mas alianças mal calibradas podem ser desastrosas. Uma coligação com o PS ou Verdes, enraizada na sua mundivisão marxista, poderia perpetuar a atual crise económica e social, na Europa e especialmente em Portugal que continua a apresentar dos mais baixos níveis salariais e de produtividade da Europa Ocidental. Por outro lado, uma aliança com a chamada extrema-direita pode arrastar os partidos do centro-direita para um pragmatismo radical, afastando-se também ela, das tradições culturais judaico-cristãs, gregas e romanas que moldaram a Europa.
Deste modo, tanto o socialismo dogmático (e esquerda oportunista) como o radicalismo da direita conduziriam a becos sem saída. O resultado seria a continuação da erosão da cultura ocidental de reminiscências cristãs, que tem sido a base do humanismo europeu.
A necessidade de um conservadorismo renovado
Os conservadores deveriam buscar alianças dentro da direita, mas sem abdicar dos valores fundamentais da filosofia cristã e de uma moralidade aberta ao diálogo. Se esta identidade se perder, o conservadorismo corre o risco de se tornar apenas uma ferramenta para implementação do marxismo e seu prolongamento maoísta, como tem acontecido até agora.
O humanismo cristão, que coloca o indivíduo no centro da soberania, constituiria a verdadeira base de uma verdadeira democracia. O socialismo marxista, sendo um filho desgarrado do humanismo cristão, poderia reencontrar-se com as suas raízes. Tal como na parábola do filho pródigo, poderia utilizar o património do pai para reconstruir um projeto sustentável, sem necessidade de destruir as suas próprias heranças e fundações.
Para que isso aconteça, o Poder concentrar-se-ia na sua tarefa real e principal, que consistiria em evitar danos causados ao povo, mas para isso o Poder teria de se converter ao Povo e à sua vontade.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo