25 de Abril mais um Aborto da Nação – Porquê?

“Mais quero Burro que me leve que Cavalo que me derrube”

UM SISTEMA PARTIDÁRIO GERADOR DE MEDIOCRIDADES

António Justo

“Mais quero asno que me leve, que cavalo que me derrube”, é o mote encoberto da classe política portuguesa (e da nação), bem descrita na “ Farsa Inês Pereira “ de Gil Vicente. A classe política prefere ser levada por um povo asno (Pero Marques) do que ter um povo esperto (cavalo) que a controle.O mesmo se poderia dizer do povo.

Inês Pereira é uma moça interesseira e preguiçosa que vive insatisfeita na monotonia do dia-a-dia. Por isso pretende arranjar um marido progressista que a tire da pasmaceira duma vida insignificante. São-lhe apresentados dois pretendentes: Pero Marques (conservador, bom, rico, ingénuo e simplório) e o Escudeiro Brás da Mata (progressista, homem com maneiras, controlador e refinado). A dificuldade de Inês na escolha do marido, vem-lhe do conflito que traz consigo. Nela debatem-se duas mundivisões: a medieval (Pero Marques) e a moderna (Cavaleiro). Inês recusa o primeiro pretendente Pêro Marques, mas ao notar que o Escudeiro Brás da Mata (segundo pretendente) é demasiado exigente e não a honra; Inês, logo que se livra dele, casa com Pero Marques. Este é tão bobo e saloio, que cantando e bailando a leva às costas a um ermo onde ela pode dormir com um falso Ermitão (antigo amigo). Inês Pereira é ajudada por vários personagens, todos eles só estão interessados no negócio com o casamento.

Na Farsa, além do fadário do país na sua luta entre a visão tradicionalista e a visão modernista, reconheço a classe política representada pela protagonista Inês Pereira (oportunista) que trai o marido Pero Marques (povo tradicional) e não sofre as consequências disso. Em Inês podemos reconhecer tanto o rescrito da nação como dos partidos. Inês serve-se da esperteza para granjear a simpatia. A classe política também se tem servido da alcoviteira Lianor Vaz e dos judeus Latão e Vidal (TV, Media, etc.), dos Moços (do partido), dos Ermitãos (maçonaria e interesses internacionalistas, republicanismo mercenário, etc.) e da Mãe (Presidentes da República cúmplices dos jogos da classe política), para se servir a ela e aos seus acólitos.

Uma nação incapaz de integrar nela mesma a terra (conservadorismo) e a ideologia (progressismo) está predestinada a não se encontrar a si mesma e a expressar-se partida. Por isso a sociedade portuguesa não cresce organicamente de maneira continuada. A sua evolução dá-se, aos soluços, de crise em crise, num processo de querer adquirir o perdido nunca alcançado. Isto agravou-se a partir do séc. XIX. A partir daqui a ideologia assume o lugar da terra.

A Nação perdeu o Sentido da Realidade

 “Casa onde falta o pão todos ralham e ninguém tem razão”. A crise financeira portuguesa de 1891, (http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1218726298J7kLR2hh1En65AF7.pdf) acompanhada das revoltas republicanas. culminou na abolição da monarquia em 1910. A Carbonária (“defensores da Pátria”), braço direito da maçonaria matara o rei e o infante em nome da defesa dos interesses nacionais e do modernismo, com a mesma ligeireza com que tinha atraiçoado a pátria ao saudar as invasões francesas como libertadoras. A 1ª república acaba também falida no golpe militar de 28 de Maio de 1926, que instala a ditadura militar até 1933. Com a Constituição de 1933, forma-se o “Estado Novo” (regime autoritário com tendências fascistas mas que não assume o fascismo); este entende-se já não como fruto da ideologia mas como tentativa de reabilitar o Estado através do corporativismo económico e social, compreendendo-se como “um Estado pluricontinental e multirracial”. Salazar tenta dar uma nova tarefa ao país: olhar para a terra e defender o ultramar.

A 25 de Abril de 1974 é demitido o regime autoritário de Salazar. A Junta de Salvação Nacional das FMA nomeou como presidente da República o General António de Spínola a 15 de maio de 1974. Segue-se o período anárquico dos revolucionários em torno do PREC (Processo Revolucionário em Curso). Surge o 25 de Novembro de 75 a corrigir um pouco a direcção anárquica com o Presidente da República Ramalho Eanes. A impaciência da liderança partidária e a pressão de “estrangeirados” como Soares, Cunhal, etc., interessadas em arrecadar para si o sol de Abril apressam a tarefa de impor os seus interesses partidários. A 25 de Abril de 1976 a terceira república restabelece o regime democrático, com a nova Constituição de orientação comunista e com as eleições.

Com a derrocada do regime autoritário de Salazar, o 25 de Abril de 1974 restabelece o caracter ideológico da primeira república com muitos avanços a nível de ideias e retrocessos a nível da terra. Portugal desconcilia-se ainda mais e continua a viver na superficialidade de ondas de ideológicas. Para Portugal ser fiel a si mesmo e se reconciliar internamente teria que permitir-se uma discussão séria entre conservadores como Salazar e socialistas como Azedo Gneco; doutro modo seguirá o mau caminho de dupla personalidade (esquizofrenia) à medida dum Mário Soares republicano comunista que depois salva a raposa republicana tornando-se socialista estrangeirado. A tática do seu PS foi difamar e defraudar sistematicamente a direita e a Igreja de maneira a criar na opinião pública num anti-conservadorismo como tinha criado com o anticlericalismo na primeira república (perpetuando uma mentalidade mesquinha do contra, seja ela anticlerical ou anticomunista). Assim um republicanismo jacobino consegue, através dum socialismo estrangeirista vaidoso, impor à nação uma prática cultural extremamente ideológica. Torna tabu tudo o que é conservador esquecendo que uma política séria e dinâmica teria de ter um aspecto conservador e outro progressista como partes integrantes e expressões duma só realidade. Enquanto o país não for capaz de equacionar uma política conservadora e uma política progressista teóricas próprias, auto-conscientes e bem fundamentadas, de origem e convergência nacionais, continuará nas mãos dum internacionalismo para inglês ver.

O país ainda não digeriu a revolução liberal (invasão francesa)! Não conseguindo apaziguar a terra com a sua ideia, vivendo ao rumo de ideologias interesseiras e estrangeiras. Também a primeira república, embora engordada pelos bens Igreja não serviu mais que os interesses dos que a fizeram, fomentando os barões do 5 de Outubro que em 16 anos produziu 39 governo e acabou na bancarrota em 1926. Afinal, o benefício do 25 de Abril foi dar à nação o desenvolvimento que os governos dos países vizinhos, sem o desvio da revolução, deram ao seu povo; caracterizou-se, no seguimento da primeira república, por criar novos barões (os novos ricos) quando o que se esperava era que produzisse cidadãos.

Tal como aconteceu na primeira república, a sociedade portuguesa, em vez de discutir objectivamente a melhor maneira de construir um Portugal solidário independente e de impedir a falência do Estado, é levada a cultivar um discurso partidário em torno duma rectórica de culpas e desculpas geralmente à margem da “coisa pública”. O maior impedimento momentâneo para o desenvolvimento do país encontra-se num estado ocupado a nível de estrutura e inquinado por um discurso unilateral do ou… ou… Neste sentido, o desinteresse da nova geração pelos seus pais, que ocupam a opinião política e pública, só poderá ser de benefício para a nação para o momento em que assumam eles a responsabilidade de dirigir o país.

A sociedade desperdiça-se no partido do contra

A sociedade portuguesa tem vivido dum grande equívoco: o equívoco de identificar os interesses de Portugal com os interesses dos partidos e o equívoco de identificar lógica (rectórica) com a realidade objectiva. 

De facto o que temos é uma nação travada pelas peias dos partidos sempre a mancar atrás do acontecimento e com uma classe política (de conservadores envergonhados e progressistas arrogantes a governar no enclave de Lisboa) a viver da improvisação (Cavaleiro) e a servir de manequim à moda que o estrangeiro produz.

Os que levaram o Estado português à ruina apresentam-se como a solução e, o que é mais grave, Portugal não tem alternativa de escolha: só pode escolher entre maus e piores (aliás uma tendência geral contemporânea!). Neste contexto, também o fenómeno Sócrates não é mais que um sintoma dum Portugal adolescente, melindrado e doentio, dum querer ir ao restaurante sem ter de pagar a conta, dum Portugal Inês Pereira.

Uma cultura democrática, que limita o discurso político à satisfação de adeptos, como se o Estado fosse um relvado onde os políticos jogam o seu jogo perante um povo reduzido a assistência, uma população de claques logo satisfeitas com a perda do clube contrário, desautoriza-se e impossibilita, ao cidadão, a capacidade de referência à realidade. Suficiente parece ser o calor da afronta, pertencer-se ao partido do contra; é-se moderno e sabido na medida em que se tem opinião contra isto ou contra aquilo: contra o governo, contra a Igreja, contra a esquerda, contra a direita, contra a justiça e contra a injustiça… A essência do discurso político e popular parece reduzir-se a duas palavras: ser contra, pertencer aos contras dos contrários. O ser do contra acrítico confere estatura moderna e encobre a ignorância do contra e do contrário. Este espírito de contradição impede a formação duma cultura conservadora crítica séria e profunda e impede também a formação duma cultura progressista crítica séria e aferida ao país. A inveja e a pretensão completam-se…

Um povo é levado ao engano pelos modelos que se lhe apresentam. Só lhe resta a oportunidade de comparação entre os que o sistema político lhes apresenta e estes são reles porque o húmus republicano que os produziu, mais que na ideia, baseia-se num pragmatismo parasitário e oportunista condicionado e condicionante: um sistema de pensamento de matriz partidária.

A República Portuguesa, uma realidade muito enredada e mal feita, (talvez demasiado vergonhosa para poder ser contada nas aulas de História!) só poderá tornar-se frutífera depois dum autoexame crítico sem recalques. Sem o reconhecimento dos erros dos conservadores e dos progressistas, a partir duma grelha da cultura nacional, o país não sairá do ciclo vicioso de extremos pendulares. Fruto de ideologias importadas e mal digeridas, a república, têm conduzido Portugal de insolvência em insolvência, não conseguindo produzir políticos, à altura do povo histórico luso, nem da realidade contemporânea. Herdou da monarquia e da Idade Média os vícios que pretensamente queria combater com a mudança, mas que, de facto, ainda exacerbou ao incorporar as aspirações do “Escudeiro”: nobreza (elite) decadente, aventureira e parasita que vive da trafega do vinho azedado em odres novos!

Portugal na Avalanche do Efeito Decoy

Portugal ainda não terminou a guerra civil. Apenas transformou a guerra civil armada em guerras ideológico-partidárias, numa guerra da cidade contra o campo, do moderno contra o tradicional, do povo contra o povo. Os conflitos armados encontram a sua perpetuação através dos conflitos ideológicos nos partidos numa luta desigual de conservadores intimidados e de progressistas atrevidos.

Na tribuna pública da sociedade portuguesa (TV) reina o discurso partidário e a sociedade não se pode resguardar porque não tem infraestruturas capazes de criar alternativas reais e independentes. Não há grupos de imprensa fortes nem correntes de pensamento de relevância nacional capazes de provocar impacto político que obrigue a nação a reflectir para crescer organicamente. Um Estado ocupado por um sistema de bajulações e de “guetos secretos” pouco mais pode produzir que mediocridades a nível económico, político, cívico e social. Neste sistema, a correspondente ascensão partidária favorece a formação de líderes medianos de espírito mais esperto que inteligente, animais políticos, frutos de influências e jogos; expressam neles mais a esperteza árabe do que a inteligência francesa. Na falta de modelos políticos, económicos e sociais consistentes, Portugal não conhece alternativas aferidas à realidade. Apenas conhece alternativas partidárias, que centram a atenção em modelos particulares inferiores.A República só tem vindo a gerar alternativas atrofiantes. Nenhuma delas tem a qualidade de dominar a outra ou de ser integral. A opinião pública, dado adquirir o conhecimento político através da via demagógica, só é capaz de equacionar os problemas em alternativas binárias partidárias ou na irresponsabilidade de partidos pequenos com ideias luzidias mas não aferidas à realidade portuguesa. Considera como satisfação do seu ideal o servilismo a um partido, quando o ideal passaria por uma terceira via, fruto de uma análise científica fria independente, baseada na realidade, que o sistema impossibilita. Mesmo o povo pensante, aquele que não reduz a sua erudição ao saber acomodado da TV, não é confrontado com uma alternativa real, deixando-se levar pelo efeito Decoy. Assim, o sistema político português não gera alternativas adequadas ao povo e às necessidades da nação. São muitas vezes alternativas copiadas de países também elas decadentes porque baseadas na divisão e na exploração do mais fraco.

No seguimento de quem dá a ideologia e o pão

Lugar-comum das nossas revoluções tem sido o adiar da nação em nome de liberdades coloridas: Tal como elites portuguesas se tinham outrora colocado do lado do invasor napoleónico, também no 25 de Abril, os seguidores do mesmo espírito, se puseram ao lado da União Soviética passando as províncias ultramarinas portuguesas para a influência comunista. Agora, o 25 de abril tropeça na própria ideologia, porque, na realidade “quem dá o pão, dá a criação”. No tempo de D. Manuel o magnânimo, tínhamos os quintos das especiarias, depois o ouro do Brasil, as remessas dos emigrantes e os fundos perdidos. A incapacidade política do país, para acompanhar a nação e a evolução dos tempos, leva-a a viver num estado esquizofrénico (de personalidade fendida). Os egos dos partidos têm sido construídos à custa do povo e contra o ego da nação.

Gil Vicente, quando escreveu a farsa de Inês Pereira, certamente já previa na política de José Sócrates o Escudeiro Brás da Mata e, na de Passos Coelho, o Pero Marques! Na rotação, de noivado em noivado, Portugal emigra, envelhece e não gera.

O remédio é acordar e redescobrir a lusofonia!

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@gmail.com

www.antonio-justo.eu

 

Boas Festas

BOAS FESTAS DE PÁSCOA

António Justo

Boas festas, aleluia

É Páscoa é Primavera

Sol e graça já acenam

Em desejos de alegria

 

O verde, de olhos no céu

Congrega a vida a orar

Na procura do milagre

Da Páscoa a brotar

 

A natura se ergue nas flores

Da seiva rescende o sonho

No aroma das cores

 

É Domingo da ressurreição

Na frescura dos aleluias

O amor enche a criação

 

No ovo da ressurreição

Se esconde a liberdade

Em sonhos de terra germinada

A despertar para a eternidade

 

Boas Festas, aleluia, aleluia!

António da Cunha Duarte Justo

Diálogo inter-religioso e intercultural – Um Desafio adiado?

Será que o Islão é agressivo?

António Justo

 

O incremento do diálogo inter-religioso e intercultural, necessário para assegurar a paz e a boa convivência entre os diferentes grupos, é contrariado por uma praxis agressiva que se dá em nome da ideologia e da religião. Actualmente, a religião mais perseguida é a cristã com um número de vítimas superior a 105.000 em 2012, segundo regista o “Observatório da Liberdade Religiosa”. A grande maioria das vítimas regista-se nos países islâmicos e comunistas. Um outro aspecto muito dificultador do diálogo intercultural é o facto de os grupos islâmicos imigrados se isolarem e exigirem para os seus grupos direitos que não reconhecem aos outros nos seus países. Isso é sentido por muitos cidadãos europeus como uma atitude não transparente numa tática de conquista suave. A Noruega já proibiu a Arábia Saudita de financiar mesquitas enquanto não permitirem a construção de igrejas no seu país. O ministro dos negócios estrangeiros norueguês Jonas Gahr Stor defende a reciprocidade de relações entre países e culturas e já anunciou que a “Noruega levará este assunto ao Conselho da Europa”.

 

Cada cultura nasceu duma religiosidade que se expressa num conteúdo de fé à volta do qual construiu a correspondente identidade. Assim se foram formando identidades contra identidades: umas mais guerreiras, outras mais pacíficas. Sob a capa da luta religiosa escondem-se tendências hegemónicas que em nome da religiosidade afirmam constructos de poder dominadores da pessoa e doutros grupos. O islão é hoje, com o sistema político chinês, o sistema com mais potencialidades de expansão e “conquista”, porque não permitem a formação de consciências complementares.

 

Experiência acrescida

O escritor Martin Walser, ao falar de religião, diz: “Religião é uma maneira de expressão como literatura, pintura, música…, fé é uma capacidade, um talento”. Religião é também uma experiência humana enriquecedora que fomenta a vida interior e alarga o horizonte humano ao procurar o desconhecido. A experiência da fé é pura e única, acontece para lá dos credos, das imagens, dos dogmas, dos mitos e das culturas. Estas deveriam preparar o caminho para a vivência do inefável na vivência da paz universal. O brilho não vem da capacidade lógica mas do talento da fé (vivência) amorosa, ao contrário dos poderes que se aproveitam daquela ânsia genuína humana.

 

Só temos uma terra com muitos sistemas ecológicos naturais/culturais e com grande diversidade. A diferença é uma constante num mundo feito de retalhos complementares. Se se pretende a paz verdadeira, a afirmação da identidade pela diferença não pode deixar de reconhecer o seu caracter subsidiário em relação ao todo.

 

Iniciativa histórica

Uma iniciativa histórica em prol do diálogo inter-religioso foi a criação da “Jornada Mundial de Oração pela Paz” em 1986 (em Assis, Itália), por iniciativa do papa João Paulo II, onde cristãos, judeus, budistas, muçulmanos e representantes de religiões africanas e americanas se reuniram para rezar pela paz mundial. Joao Paulo II queria iniciar assim uma “viagem fraterna” dos diferentes caminhos das religiões na procura da Verdade. Isto pressupõe o diálogo inter-religioso como caminho das religiões no sentido de afirmar a dignidade do Homem e da natureza, onde todos se empenham em minorar as causas do sofrimento de pessoas e grupos e onde verdades coexistem de modo a possibilitar a probabilidade que leva ao desenvolvimento.

 

Para se falar dum diálogo inter-religioso que honre o seu nome teria de se pressupor que cada um dos parceiros reconhecesse a liberdade religiosa e respeitasse a decisão individual. O Vaticano II reconheceu esse direito mas as elites do islão não o reconhecem, tropeando assim qualquer forma de diálogo. Aposta no querer ter razão, substituindo assim a experiência interior (fé) por um sonho intelectual, por uma estratégia de dividir para dominar. Os muçulmanos que vivem no ocidente, talvez, num dia distante, provoquem uma espécie de concílio islâmico que o torne compatível com outras culturas.

 

Direitos humanos em conflito com direitos culturais

Na sociedade ocidental domina o primado do direito (direitos do Homem) e da democracia enquanto nas sociedades de influência árabe domina o primado da religião e do grupo. Enquanto o Ocidente educa o cidadão para o respeito dos direitos individuais, as elites muçulmanas empenham-se na afirmação dos seus valores culturais religiosos à custa dos direitos pessoais; partem também duma posição dogmática que não reconhece à sociedade permissiva o direito de exigir contrapartidas na práxis. Muitas vezes, lutam pela imposição e reconhecimento legal dos seus costumes (direitos culturais contra direitos individuais) sem se preocuparem com o espírito base das leis dos países de acolhimento. O próprio direito europeu e direitos nacionais europeus já têm sofrido retrocesso chegando a consignar valores culturais como superiores ao valor da pessoa humana: prática da circuncisão (RFA), imposição das leis da sharia em questões de divórcio (Inglaterra), imposição de ementas próprias em instituições públicas, isenção de aulas de biologia e de ginástica para mulheres, etc.

 

Uma minoria hermeticamente fechada e uma maioria indiferente

É notória a falta de cooperação entre os grupos minoritários e o grupo maioritário. Praticamente este só cede, sem contrapartidas. Da parte da sociedade acolhedora (cristã) observa-se uma atitude que vai da tolerância à indiferença. A parte maometana permanece dogmática. Quem se julga na posse da verdade não está disposto a procura-la. Não há disponibilidade enquanto dominar a doutrina declarada dum Islão autossuficiente, hegemónico, totalizante e intolerante. As comunidades maometanas encontram-se demasiadamente preocupadas na sua afirmação como grupo para poderem reconhecer os outros bem como a diversidade de necessidades individuais dos próprios membros. Não comportam lugar para a diferença. Por isso os países muçulmanos oprimem e discriminam quem não professar a sua fé porque consideram a opinião diferente como um atentado a uma ideologia que quer tudo igual. Talvez vejam na religião muçulmana o potencial de poder a contrapor ao imperialismo económico. Respondem a um imperialismo com outro imperialismo; um abusa dos cidadãos (democracia), o outro abusa da crença.

 

Cada cultura faz a sua interpretação do mundo, do homem e da sociedade com diferentes metáforas. Cada religião tem a sua maneira de equacionar e enroupar o misterioso transcendente. Este não pode ser exclusivo dum biótopo religioso nem duma experiência cultural antropológica ou sociológica. Cada pessoa, cada biótopo natural/religioso tem algo de diferente que o vizinho não tem. Para se reconhecer a diferença é necessário depor-se as armas do combate e da conquista para se permitir o crescimento espiritual no próprio biótopo religioso.

 

No reino da ecologia os biótopos, as realidades/verdades encontram-se, umas ao lado das outras, sem a necessidade de se negarem. Também deveria ser lógico e natural que num ‘biótopo’ cultural muçulmano fosse possível a coexistência, sem perseguição nem discriminação de outras religiões e vice-versa. Também deveria ser natural que cada religião se sentisse, intra muros, como a melhor sem necessidade de negar as outras.

 

A não existência de acordos bilaterais suborna a cultura ocidental

Na Europa, a discussão intercultural e inter-religiosa é orientada apenas para o folclore religioso cristão, judeu, hindu e muçulmano sem que se expresse algo das suas filosofias, antropologias, sociologias e teologias. Assistimos a abordagens superficiais em curto-circuito ou com afirmações e negações reducionistas à medida do politicamente correcto. Os governos e a sociedade laica não estão interessados numa discussão pública objectiva porque, a fazê-lo, o seu actuar seria questionado pelos interesses democráticos da sociedade acolhedora. Nos conflitos específicos maometanos com a sociedade maioritária, o politicamente correcto está interessado em reconhecer neles apenas questões de religiosidade individual. Reina o interesse, o medo. Também a Igreja não pode falar claro porque se o fizesse logo os cristãos que vivem em estados muçulmanos seriam objecto de maior discriminação e perseguição.

 

Por várias razões, o Estado laico não se tem preocupado com o diálogo intercultural internacional nem em estabelecer acordos bilaterais a nível de direitos de religião. Com o tempo, devido à presença massiva muçulmana, os estados europeus ver-se-ão na necessidade de reconhecer valor ao diálogo inter-religioso, tendo de o colocar na agenda das convenções internacionais.

 

A sociedade civil, ao não exigir bilateralidade na concessão de direitos religiosos, está a subornar a cultura ocidental e a contribuir para um futuro muito problemático. Enquanto o mundo cristão se empenha em propagar a tolerância possibilitando o exercício livre do islão e a construção de mesquitas na Europa, os estados muçulmanos como a Arábia Saudita, a Turquia e os países muçulmanos em geral, proíbem a construção de igrejas, sinagogas e escolas nos seus países, e, por outro lado, financiam a promoção do islão e a construção de mesquitas no estrangeiro. A tolerância religiosa ocidental é por vezes interpretada pelos que se aproveitam dela como sinal de fraqueza e como reconhecimento da superioridade do islão. Não compreendem que um grupo com convicção de verdade religiosa possa aceitar o outro.Em termos de poder e de estratégia, a atitude hegemónica muçulmana tem-se revelado como óptima para a sua ofensiva. Os estados europeus, ao considerarem a religião subjacente à própria cultura como coisa privada, e ao reconhecerem, por outro lado, o islão, como expressão religiosa, política e social desestabilizam o Estado laico e ao mesmo tempo reduzem a posição da maioria cultural e cristã ocidental ao nível duma minoria.

 

Aquela tolerância que parecia haver na Europa entre crentes, agnósticos e ateus tornar-se-á cada vez mais frágil atendendo à afirmação dum islão rígido, resistente à integração, que tende a qualificar e legitimar os cidadãos na categoria de crentes e de ímpios. Na Post-democracia a sociedade dá indícios de querer orientar-se já não por princípios de democracia partidária mas, paulatinamente, possibilitar a representação do poder estatal por grupos étnico-religiosos. A sociedade cede assim a sua concepção duma sociedade construída na base de valores e direitos humanos (filosofia cristã) a uma sociedade construída na base de valores e direitos não individuais mas culturais (filosofia islâmica).

 

Caminho difícil

O diálogo com o islão torna-se muito complicado porque este se definiu e define sobretudo na demarcação em relação ao judaísmo e ao cristianismo. Uma hipótese de diálogo estaria no caracter ambivalente (confuso) em que suras (versículos) do Corão se contradizem. A sua ambiguidade poderia possibilitar uma interpretação que acentue as suras do Corão benévolas em relação ao judaísmo e ao cristianismo. De facto, no Corão há as suras provenientes da primeira fase (Meca) em que Maomé era benévolo em relação ao cristianismo e ao judaísmo e as suras posteriores (de Medina) que são aguerridas contra o Cristianismo e o judaísmo. Nas mesquitas, os imames orientam-se por estas últimas. Por outro lado o islão só reconhece os crentes de Alá, não conhecendo a ideia do amor ao próximo como no caso do cristianismo e do judaísmo. Também por isso nunca se ouve uma autoridade islâmica criticar publicamente os terroristas islâmicos. Dado a ambivalência facilitar também a arbitrariedade, seria porém fácil demostrar aos fundamentalistas islâmicos que o seu fundamentalismo é relativizado pelo mesmo Corão, doutro modo teriam de aceitar que Deus muda de ideia na passagem da fase do Corão em que Maomé vivia em Meca para a outra fase em que passou a viver em Medina.

 

O diálogo entre islão e cristianismo é difícil de tratar, atendendo às diferentes abordagens e perspectivas com que pode ser exposto e aos interesses a elas implícitas e às diferentes sociologias e antropologias subjacentes a cada cultura. Um outro factor dificultador do diálogo vem da estratégia humana de argumentação, uma argumentação para ter razão, e que para defender uma posição como verdadeira tende a declarar a outra como falsa. Este extremismo tem sido acentuado especialmente a partir do iluminismo sob o manto do espírito crítico e cientista.

 

A discussão hodierna entre judeus, cristãos e muçulmanos procura partir dos pontos que os une. O Vaticano II afirma mesmo que os muçulmanos acreditam no mesmo Deus que judeus e cristãos. Isto embora entre as concepções de Deus haja diferenças enormes.

 

Uma exegese islâmica, que desse prioridade às suras do Corão da sua primeira fase, em que Alá era benigno, possibilitaria um diálogo autêntico.

 

O diálogo entre cristãos e judeus torna-se mais fácil. As diferenças não provocam conflitos na convivência social, dado a súmula do Antigo e do Novo Testamento se resumirem na mesma premissa “Ama a Deus e ao próximo como a ti mesmo”. No Cristianismo, como no judaísmo, o caminho de Deus passa pelo próximo e o próximo é o outro, o diferente. O caminho do Homem passa por Deus no próximo e no mundo. Na prática o resumo da Bíblia é “não faças aos outros o que não queres que te façam a ti”. Deus é o mesmo, o resto tradição.

 

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

antoniocunhajusto@gmail.com

www.antonio-justo.eu

 

União Europeia contra a Economia avançada do Mercado Social

VW dá um prémio de 7.200 euros aos seus 100.000 Trabalhadores

 

António CD Justo

Muitos trabalhadores alemães ainda beneficiam da economia social de mercado, um modelo tendente a desaparecer devido às leis da EU (União Europeia) que implanta na europa um capitalismo agressivo à medida do modelo anglo-saxónico.

 

Na Alemanha, em 2013, mais de 100.000 empregados da VW recebem 7.200 € como prémio de comparticipação dos lucros da empresa, a acrescentar ao seu ordenado; em 2011 tinham recebido 7.500 €  e em 2006 já tinham recebido 2.710 €. 10% do lucro operativo da Empresa VW ( 22 mil milhões de  € em 2012) são pagos com prêmio aos trabalhadores. A Audi, em 2011, deu um prémio de 8.000 € aos seus 45 mil empregados; Porsche tinha dado um prémio de 7.600 € e a Mercedes Daimler 4.100 €. Com a comparticipação dos empregados nos lucros, a firma reconhece o seu trabalho e motiva o trabalhador pela positiva. A Troika procura, em nome do euro e com o apoio de governos incautos, impor à sociedade a abdicação de regalias “standards” duma economia desenvolvida.

 

Dólar contra o Euro

 

Na Europa assiste-se a uma luta desenfreada do turbocapitalismo anglo-saxónico contra o capitalismo (moderado) do mercado social.

 

A Comissão da EU levantou uma acção no Tribunal de Justiça Europeu (TJE) contra a” lei da VW” que não permite a um accionário ter mais que 20% dos direitos a voto reservando para o Estado da Baixa Saxônia uma quota de 20,2 %. Esta quota impede que accionários, só interessados nos lucros e na exploração da empresa e empregados assumam o senhoreio da empresa e a explore até à última. Com a acção em tribunal a EU quer destruir um modelo de economia, contempladora da pessoa, para impor o modelo anglo-saxónico (actual turbocapitalismo) que considera o operário também como mercadoria.

Os países do sul da Europa tornam-se as maiores vítimas desta política de mercado que destrói por completo a economia social do mercado e se demostra radical contra o modelo nórdico de economia (ainda mais beneficiador das classes operárias).

 

 

A economia social de mercado é um modelo económico sociopolítico que surgiu depois da segunda grande guerra e que pretendia uma economia competitiva mas de rosto humano baseado na doutrina social da Igreja (encíclicas sociais que consideram o ser humano como centro da ordem social). Ao modelo de economia social de mercado também se dá o nome de capitalismo renano (Rheinischen Kapitalismus) que é uma variante de capitalismo com rosto humano pretendendo ter uma equidade social o mais justa possível; contrapõe-se ao modelo anglo-saxónico que assenta em pleno liberalismo e vive das grandes desigualdades sociais. Assim se salvaguardam os princípios da solidariedade da subsidiariedade e da Justiça social

 

 

O capitalismo renano sentia-se responsável também pelo bem-comum e reconhecia o ser humano como o ponto central da vida social e económica. O capitalismo anglo-saxónico vem, através do desvio da EU favorecer os grandes capitalistas, entre eles também os alemães. O cómico da situação está no facto de a acção em tribunal, no caso da EU ganhar vir, por um lado, destruir na Alemanha dos trabalhadores os direitos adquiridos dos trabalhadores alemães para entregarem a VW à ganância brutal dos grandes capitalistas internacionais e alemães (tudo à custa dos direitos sociais do povo. Se a VW perder quererá isso significar que também a Alemanha (se aceitar a decisão do tribunal europeu) abdica totalmente do modelo da economia social de mercado.

 

Com a construção da EU à imagem dos USA, assistimos à destruição do modelo da economia social do mercado (capitalismo moderado) em favor dum capitalismo anglo-saxónico feroz.

A EU tem intenção de anular a lei da VW para dar a possibilidade aos monstros da economia de dominarem empresas e nações, tal como fazem agora com a Grécia, Portugal, Espanha, Itália, etc. que não têm capacidade económica para resistir ao redemoinho capitalista em voga e em que as suas elites se reservaram um pé-de-meia que brada aos céus, à custa do bem-comum e dum povo entregue à bicharada.

 

A luta concertada, a nível da EU (campanhas na opinião pública), contra o papado não tem só a ver com as fraquezas do Vaticano mas especialmente com a tentativa de desacreditação da única entidade global que sem empenha na defesa duma sociedade justa e ainda tem força para o fazer. Neste sentido leiam-se também as encíclicas sociais da doutrina social da igreja católica, que são mais exigentes, na defesa dos trabalhadores que qualquer ideologia política.

 

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@gmail.com

www.antonio-justo.eu

Papa Bento XVI e os Sinais dos Tempos – Do Perigo dos Talibans da Opinião e dos Monopolistas da Verdade

O ser (o Bem) é mais que o valer (Valores)

António Justo

Impossibilidade dum Papa à la Carte.

Ser Papa implica ter um perfil impossível de conciliar com “dogmatismos” tradicionalistas ou progressistas. Os progressistas parecem querer fazer do catolicismo o que os evangélicos já são e os conservadores parecem ignorar o facto que o mundo segue aqueles que o mudam. A realidade apresenta diferentes perspectivas de avaliação. É impossível conseguir um papa à medida dos diferentes interesses de pessoas e grupos que exigem dele ser o seu peixe sem espinhas. Uma instituição exerce poder, por natureza, sendo como tal injusta na perspectiva individual; o mesmo se dá com o indivíduo ao exigir uma instituição à sua medida, quando a instituição terá de ser tecto para todos com as suas diferenças (o mesmo dilema se encontra entre a lei constitucional e a lei forense). Como é impossível ter um Papa à medida de todos mas, possivelmente, à medida do todo, há na Igreja as diferentes igrejas e responsáveis inseridos em diferentes situações éticas, étnicas e políticas; mas todos numa atitude de obediência a Jesus e de abertura ao Espírito Santo. Ser Papa (servo dos servos) significa seguir a cabeça da Igreja que é Jesus e estar atento ao Espírito Santo que se expressa em todo o lugar dentro e fora da Igreja. “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome lá estarei eu no meio deles” (Mt 18,20). Neste grande corpo somos todos irmãos embora com diferentes carismas e missões, a serem respeitadas. O magistério do Papa tem um caracter constitucional (constituição viva) mas tem de ser interpretado pelas comunidades locais num ambiente de tolerância recíproca superadora da arrogância dogmática do criticador e do criticado, à luz do E. Santo. Observa-se também na eclésia, entre membros e instituição, um discurso, por vezes, mais orientado para a divergência do que para a convergência. Este é um estilo machista baseado na concorrência que, em vez de tentar unir as pessoas, propaga um jogo não criativo de uns contra os outros, como se o Mestre não estivesse no meio deles. A igreja é de todos os pecadores, sejam eles tradicionalistas ou conservadores, papas, teólogos, doutores, pastores ou rebanho. O Espírito sopra em toda a seara.

A Igreja precisa de rejuvenescimento

Bento XVI, o teólogo na cadeira de Pedro, merece todo o respeito pelo passo corajoso da sua renúncia. Esta não foi uma decisão instantânea até pelo facto de, contra o habitual, não terem sido programadas viagens papais para o ano de 2013. Um Papa é eleito vitaliciamente mas o direito canónico dá-lhe o direito de renúncia. Com o seu gesto de resignação, Bento XVI dá oportunidade a um “recomeço”, numa Igreja que se entende como “semper renovanda”.

Bento XVI nem sempre sintonizou com certas manifestações do século XXI, também porque algumas delas (absolutização do individualismo e redução da pessoa a mercadoria) corrompem os fundamentos do cristianismo.

Toda a pessoa está sujeita ao envelhecimento biológico e ao envelhecimento social; biologicamente, a nível de gerações e socialmente porque o mundo/sociedade em que vivemos não pára e até nos chega a ultrapassar.

A eleição dum novo Papa será mais uma oportunidade para a Igreja estar atenta aos sinais dos tempos sem se deixar sorver pelo remoinho do espírito do tempo. Numa altura em que a sociedade ocidental se abre cada vez mais aos valores da feminidade seria oportuno repensar-se novas funções da Igreja para a mulher (Diaconado!); também no que respeita aos divorciados que queiram casar novamente, neste sentido seria uma boa altura para alargar os factores que justificam o reconhecimento de invalidez do casamento efectuado, etc. No século XXI seria uma das suas grandes missões o fomento não só do Adão (masculinidade) mas também da Eva (feminidade) como maneira de estar também na instituição.

Salvo erro, na época que atravessamos, penso que a eleição dum Papa africano ou asiático corresponderia, mais uma vez, à antecipação da Igreja (através do Paráclito) em relação ao decurso da História.

No pontificado de Bento XVI sobressai a intelectualidade/teologia

Bento XVI é um intelectual, fiel a si mesmo e à eclésia e coloca-se, com a sua renúncia, mais próximo do povo. “As minhas forças em consequência da minha avançada idade (85 anos) já não são razoavelmente apropriadas para exercer o serviço de Pedro”.

A primeira preocupação do seu pontificado foi a acentuação do amor. Neste sentido escreveu a encíclica “Deus é Amor” (Deus caritas est) apelando à fé no amor (característica cristã) que é também eros e caridade.

A sua segunda preocupação foi a Verdade. Contra o relativismo corrente, afirma que é no cristianismo onde a verdade se pode reconhecer melhor. Na encíclica “esperança cristã” (Spe salvi) apresenta a fé como esperança. A sua encíclica social “caridade em verdade” (Caritas in Veritate) versa vários temas socioeconómicos e a crise económica e financeira.

Também esclareceu que opiniões mesmo institucionais estão sujeitas aos condicionalismos (manifestações) do tempo. As reacções estão muitas vezes determinadas pelo tempo mas o que importa é a atitude de fundo que prevalece.

Admoestou todos os cristãos, católicos e não católicos, a estarem atentos ao essencial. “Deus actua silenciosamente” (baixinho, discretamente).Teólogos protestantes louvaram os livros de Bento XVI sobre Jesus, afirmando que eles também poderiam ter saído duma pena protestante. Bento XVI é certamente o maior teólogo do nosso tempo, e de grande relevância para uma reflexão comum, como reconhecem também altos dignitários evangélicos. Também seria pertinente que os construtores da União Europeia lessem atentamente os seus escritos, devido à sua pregnância cultural, e aos perigos que esta corre e que ele admoesta a evitar. O Cristianismo (Igreja Petrina) é a mãe da Europa e duma globalização a ser realizada em serviço do Homem e não apenas em serviço da economia.

O presidente da Alemanha, Joachim Gauck, antigo pastor evangélico, reagiu à sua renúncia dizendo „A sua fé, a sua sabedoria e a sua humildade humana impressionou-me profundamente”.

A sua aura foi enevoada com o escândalo de abusos, Vati-leaks-Affäre, com os documentos roubados da sua secretária e com o drama da irmandade Pio XII. Procurou conciliar a liturgia pós-conciliar com a anterior e assim superar a separação com os tradicionalistas em torno de Marcel Lefebvre (irmandade Pio X). A sua preocupação principal foi a união da igreja (impedir a formação duma igreja retrógrada – a irmandade Pio X) e apelar à renovação interior das pessoas; empenhou-se na defesa dum mundo de valores humanos globais, da ecologia e da mudança social; ele lamentou o pecado na Igreja pedindo perdão. Embora não tenha sido um reformador estimulou os crentes a ocuparem-se com as consequências do mundo moderno. Bento XVI foi um mártir do silêncio. “Eu sou apenas um simples pequeno trabalhador na vinha do Senhor”. A História reconhecê-lo-á como um padre da Igreja que dedicou toda a sua vida à pergunta de Deus; da resposta a ela depende a subsistência duma civilização.

Os Talibans da Opinião

A Igreja tal como o ser humano é santa e pecadora. Somos portadores da gene divina e da gene “diabólica” tanto a nível individual como institucional. O problema da arrogância tanto institucional como individual vem da propensão para a autoafirmação/individuação à custa de alguém; por trás duma crítica destrutiva ou duma afirmação absoluta esconde-se um grande ego que se branqueia, esquecendo o aspecto negativo da própria gene. Daqui resulta uma crítica destrutiva, exclusivista que esquece o aspecto complementar de tudo o que é real, não notando que a certeza com que se condena o adversário tem o mesmo fundamento do que se condena ou defende e o mal e o bem que se encontra no outro se encontra latente em nós também.

Por vezes predomina amaldade do julgamento e a absolutização da própria opinião perante a razão. Muitos papitas aproveitam-se do que acontece no vaticano para vociferar contra o Papa identificando a Igreja e o Papa com o Vaticano. Forças políticas e económicas, da globalização estão interessadas em enfraquecer a voz da primeira organização global que manifesta a voz de quem não tem voz; interessa-lhes ter o povo indefeso à disposição sem alguém que lhes leia os Levíticos. Uma instituição com a missão de garantir a continuidade dos valores fundamentais não poderá agradar nem a tradicionalistas nem a progressistas, nem tão-pouco ao turbocapitalismo e às ideologias. A sua missão é mediadora no seguimento humilde do Espírito.

A Igreja petrina terá de continuar a assegurar a memória de Cristo e de viver na convergência, a exemplo do seu Mestre, para poder garantir a continuidade. Espera-se da Igreja o discernimento de distinguir entre o espírito (o bem) e os valores, entre o ser e o valer. Facto é que o espírito/o bem é e os valores valem. O espírito é eterno e permanente, os valores são circunstanciais, limitados. O espírito, o bem (o ser) é mais que o valor (o que vale moralmente). O que vale aqui (ocidente) pode não valer acolá no oriente. Os valores estão ao serviço do ser, da felicidade. Bento XVI actuou no sentido duma ética do ser, uma ética da convergência. A crítica positiva ou negativa ao seu actuar tem mais a ver com posições legítimas mas que não podem ser dogmáticas nem infalíveis; ao contrário do que se observa na expressão pública.

Na vida real primeiro vem o comer e só depois o dever. A moral (dever) não pode porém ser subjugada ao comer, ao espírito do tempo que julga tudo pela onda (situação) em que se encontra envolvido, fazendo dela um dogma. A polarização e o ecletismo não levam a nenhum lugar, o que importa é a síntese. Neste sentido Bento XVI usa um discurso modesto e irénico (conciliador, integrador) e não apologético dialético. Há muito que aprender dele.

A vacância papal.

A vacância papal começa no dia 28 de Fev. às 20 horas. O conclave dos cardeais será convocado para Março. Bento XVI recolher-se-á no mosteiro carmelita do vaticano. O novo Papa será eleito pelos cardeais (120) que ainda não atingiram os 80 anos de idade. O Papa para ser eleito terá de conseguir dois terços de todos os votos.

Especulações de possíveis cardeais papáveis fazem referência aos cardeais: Peter Turkson do Gana, Francis Arinze da Nigéria, Otto Schrerer do Brasil, Marc Quellet do Canadá e Ângelo Scola da Itália.

Resta esperar que os cardeais reunidos em conclave se abram ao Espírito Santo, conscientes de que a Igreja não é o Vaticano, mas que o Vaticano tem muita responsabilidade, não se podendo deixar  subjugar por interesses de poder ou de facções.

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

antoniocunhajusto@gmail.com

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