Ética da Responsabilidade pressupõe uma Educação para a Liberdade

A liberdade passa pela revisão da gramática – Nossa matriz da vida

Por António Justo
É essencial o empenho pelo estudo dos problemas humanos sob a perspectiva duma ética da insubmissão, porque a prática do hábito e da submissão levou a História a repetir-se, na continuidade de um poder medíocre e violento, que governa o mundo.

Hoje já se reconhece a submissão, a rotina e o medo como factores que impedem o desenvolvimento humano e sociológico, porque conduzem à subjugação, à técnica e aos automatismos do imediato consumista e a uma moral ad hoc. Albert Einstein advertia: “Os grandes espíritos sempre sofreram oposição violenta das mentes medíocres. Estas últimas não conseguem entender quando um homem não se submete, sem pensar, aos preconceitos hereditários e usa a inteligência com coragem.”

Não se trata de educar para uma revolta violenta contra os sistemas vigorantes (isso foi o que se fez durante toda a História em lutas, guerras e guerrilhas reactivas); a consistência ou inconsistência dos Estados actuais é o resultado dessa prática do grupo mais forte que impôs o regime, em que cada país se encontra no momento. Enfim, a História tem sido uma cadeia ininterrupta de assaltos e contra-assaltos. Como este é um dado de sustentabilidade negativa, no prolongamento de um passado centrado na violência e no poder, sem sentido pelo viver, será necessária a propagação de uma revolta integral da consciência (alma e inteligência acordadas e reunidas na intuição) que possibilite uma maneira de estar pacífica centrada na pessoa e não nos grupos de força, de maneira a acordarmos para o sentir integral da vida.

O conhecimento oficialmente propagado é confuso e baseia-se na divisão e confusão que conduzem à concorrência, ao conflito e à violência; isto porque assim se estabiliza os grupos de atitude violenta.

A acção pragmática e a razão, no seguimento da ambição, conduzem à eficácia mas não produzem felicidade; em vez de integrarem os polos extremam-nos no sentido de dividir para imperar (veja-se a definição partidária na sua dinâmica contra o integral); comporta uma dinâmica do abstrato e da generalização, distante da vida baseada na moral da lei, mas não no indivíduo concreto; o sistema da autoafirmação na definição contra o outro já assume, em si, o princípio da corrupção e da violência.

Como vimos no quarto estádio da ética, o estádio do amor que integra as partes numa dinâmica de maximização do indivíduo e da comunidade (à imagem da fórmula trinitária) a perspectiva deve incluir todas as perspectivas centradas na pessoa. (O aspecto utópico talvez se situe apenas no momento de projectar a acção e responsabilização individual para o grupo).

A mudança qualitativa só poderá dar-se mediante a mudança da gramática! Aprender a aprender para libertar/responsabilizar o Sujeito

A actividade escolar orienta-nos para o utilitário e eficaz impondo a luta competitiva numa estratégia do ‘alarga os ombros e deita abaixo’, se queres subir. Trata-se de uma educação irreflectida, feita de automatismos que conduzem a um viver no sótão do pensamento muito longe da vida concreta e em que se procura compreender tudo menos a nós mesmos, menos o nosso sentido e o sentido do nosso viver. Não respeita as características do indivíduo. Começa por forçar o intelecto e negligenciar a emoção e a acção, não se preocupando com o desenvolvimento da personalidade.

A escola e a educação partem de diretrizes e planos de enquadramento destinados a encaixar o cidadão numa dada intenção política, que ensina, à sua maneira, a perceber o que é, mas não a perceber o como é nem o como podia ser. Instrumentaliza-se o indivíduo, a vida e até os ideais dela. Na escola, deixa de haver indivíduos concretos para serem desvirtuados no mundo do rebanho centrado num pensar abstracto desresponsabilizador. Na sociedade, tal como na escola, só há lugar para a manada de complementos tornados predicativos de sujeitos indeterminados. Há que personalizar e reabilitar o sujeito indeterminado. A frase com o seu sujeito, predicado e complementos torna-se no símbolo de uma sociedade (massa) e de uma vida empedernida em funções sem respeito por cada termo em si; aplica-se uma gramática/didáctica que não compreende o termo/palavra independentemente da sua função e, deste modo, não lhe possibilita liberdade nem responsabilidade própria. Uma gramática das funções contrapõe-se à realidade da mudança contínua porque fixa os termos/pessoas no tempo cronológico e num meio já determinado. Para mudarmos a sociedade e a vida teremos que começar por consciencializar a gramática, nosso rescrito de vida, para assim, consciencializando-nos dos seus parâmetros, sermos capazes de criar novos, o que pressupõe começar por revolucionar a gramática (reflectindo o seu caracter estigmatimo) ou pelo menos a sua didáctica! A mudança qualitativa só poderá dar-se mediante a mudança da gramática!

Aristóteles e a Platão apresentam-nos achegas de reflexão sobre os valores perenes que nos resguardam de um viver de slogans alienantes formadoras de atitudes e virtudes oportunas para o momento socioeconómico em que se vive. O valor perene é integrante e como tal não define (é inclusivo não colocando o fim, o limite), destrói barreiras porque parte de uma visão integral da vida que deixa de ser esquartejada no tempo e consequentemente desconhece o medo enfreador. Onde há medo há sofrimento, há um ferido e uma batalha perdida. Quem propaga o medo é inimigo do homem e da liberdade. Por isso a missão é libertar todo o homem, seja ele muçulmano ou cristão, seja ele socialista ou capitalista, porque só então cairão as correntes e as muralhas dos prisioneiros que se encontram dentro e fora dos muros. O autoconhecimento conduz à experiência do suor de sangue no Horto das Oliveiras e à expressão individual de cada um na qualidade de ressuscitado.

As palavras são como o vento que passa e o exemplo é como a torrente que arrasta. O problema da mudança permanece bicudo pelo facto de um sistema só se mudar qualitativamente quando os seus membros se mudarem, isto é, quando grande parte dos indivíduos se mudarem, o que significa um processo de mudança imensamente lento, porque centrado em cada pessoa.

Obedecer/desobedecer para crescer!

A lei, a ideologia, o pensamento não muda basicamente, o que faz mudar é a atitude, o comportamento. Enquanto construirmos a nossa identidade identificando-nos com um sistema, país, religião, filosofia ou cultura, estamos a fugir de nós e a procurar a segurança fora de nós. Esta é a tragédia. Esperamos de fora no ter o que não somos conscientemente (no ser interior). Isto não quer dizer que não devamos pertencer a um partido, a uma religião, ou a um grupo qualquer, como meio e campo de acção, mas não como algo de identificação ou onde se procura a honra ou o poder. A natureza não conhece nenhum elemento que em nome do grupo se mate ou mate alguém. Só o Homem chegou a tal corrupção desnaturada prescrevendo a morte de pessoas em nome do grupo ou instituição; tal corrupção é tão descarada a ponto de a inscrever como norma em livros sagrados! E o que é mais grave a palavra mágica “religião” serve para conter as inteligências políticas e os intelectuais que se desobrigam na confusão das interpretações ao gosto da bondade ou maldade do cliente, em vez de se centrarem na qualidade da filosofia da religião.

O país, a nação, a política, a ciência e a religião não existem para serem servidos, devem ser meios de servir e fazer o bem. O ser humano é superior às instituições, está antes delas; estas são para o servirem e não o contrário. É contra a natureza o fanatismo bem como considerar uma instituição material ou espiritual como o bem. Estas pecam por delimitarem, definirem (ao determinarem o limite, o fim) de uma realidade que o não tem. O poder reside na divisão! Toda a ideologia como toda a instituição comete o pecado de se arrogar e usurpar a bondade que se encontra na pessoa. Só a pessoa é o lugar do bem e do mal. As instituições e até o sistema mental transferem a vida individual para as ideias e para as relações humanas de maneira a serem servidas por estas; conseguem-no ao determinarem a sua identidade na fronteira que separa o que deveria estar unido e rouba ao indivíduo a sua auréola pessoal transladando-a para a instituição e fomentando a dependência do indivíduo em vez da sua independência (Confrontar o dolo e o beija-mão de personalidades mesmo non gratas à população!). O Jardim infantil das sociedades em que nos encontramos faz lembrar a dança em torno do bezerro da Babilónia! Age-se sob o pressuposto que o que as pessoas precisam é de uma música qualquer para poderem dançar, independente do valor ou ética da “música”. Fala-se de emancipação mas na realidade a mesma sociedade que a defende, a rebaixa, entregando a dignidade humana às feras da praça pública. Isto não elimina o reconhecimento dos dons e do serviço em comunidade, com a comunidade e para a comunidade. Na comunidade há uma relação de sujeitos e não de objectos (o lado oposto da moral de Nicolau Maquiavel) o que permite uma outra interpretação dos dons e serviços porque a comunidade amplia o membro na complementaridade, não o rouba. É necessário criar uma pedagogia da certeza do incerto. Para isso são necessárias pessoas adultas e de boa vontade.

A Certeza do incerto

Temos de reconhecer também os limites do nosso sistema de pensamento e tornarmo-nos conscientes do seu condicionamento ao preconceito; de facto não há conceito sem preconceito. As forças de poder material ou ideológico usam do preconceito sem passarem pela reflexão; usam até da lógica para embrulharem a razão; servem-se na escola do preconceito, ensinando-nos a viver dele sem nos consciencializarem de que o preconceito é apenas um instrumento necessário para chegarmos à apreensão da realidade intelectual, sendo ao mesmo tempo uma oportunidade e um perigo falsificador de realidade. O problema da realidade começa com a ideia dela.

Se atribuo a uma percepção ou ideia a mesma realidade existencial (o mesmo conceito de existência) que dou à realidade das coisas, identifico imaginação ou ficção com a existência do objecto, dando-lhe assim uma outra forma de existência. Daqui o necessário respeito por cada instrumento de acesso à Realidade seja ele os sentidos, o sentimento, o intelecto ou a intuição. Aqui se situa o busílis da questão entre real e irreal, religião (fé) e ciência (opinião). Por isso prefiro situar-me na realidade da metáfora ao descrever ou interpretar as manifestações de um real mistério que é o mistério do real presumido na metáfora ou nas diferentes parábolas físicas, linguísticas ou culturais. Razão é a capacidade de julgar entre duas ideias, no caminho da crença ou da opinião; o problema começa com a valorização do juízo feito.

O primeiro passo a encetar será a consciencialização e auto- consciencialização da estrutura falsa e falsificadora vigente em nós mesmos e nas diferentes estruturas sociais. Não podemos destruí-las porque se o fizéssemos destruiríamos o homem e a sua a cultura. Uma nova educação terá de tender a distinguir entre os preconceitos necessários e os preconceitos nocivos e a encarar a resolução de problemas sob uma perspectiva individual responsável que parta da perspectiva do nós para o eu gratificado.

Não se encontra a certeza no ser pelo que, para o bom viver, há que se dedicar aos modos de ser. Na falta da certeza há que descobrir e experimentar como é o falso e como é o verdadeiro. Trata-se de começar a gatinhar.

Urge uma revolução cultural centrada na formação individual para se poder libertar a pessoa de velhas estruturas para tornar possível a transformação do homem e, através deste, da sociedade; uma revolução que parta do interior integral e se oriente para o interior de cada um (autoconhecimento, consciência da ipseidade) através da aquisição de um novo sistema de pensar e dum novo conhecimento. O entendimento e o pensamento são como a língua; a linha da fronteira de uma língua limita o horizonte do falante; limita o horizonte intelectual e limita a circulação fora dela. Trata-se portanto de criar uma linguagem universal que toque o coração de cada indivíduo e a inteligência das instituições.

O ser humano é um milagre em contínua criação que não deve ser domesticado nem encarneirado por instituições em quem a manada projecta a aura e o horizonte do próprio ser, com desejos provindos de recalcamentos num eu não consciente. Também a borboleta para poder voar teve que passar pela mudança progressiva. A meta da pessoa não é o paraíso nem o nirvana, mas sim a sua floração no ressuscitado.

A degradação do Homem e da sociedade parece irreparavelmente inexorável porque as instituições que a constituem (fruto da precaridade individual), são incapazes e, consequentemente, produtoras de crises. Neste sentido torna-se inoportuna uma avaliação dos valores que nos conduzem à precaridade da consciência (hipocrisia, inveja, sede de poder, nacionalismo, racismo, etc.). Temos construído a casa sobre a areia, partindo do princípio que se alcança paz com mãos de guerra. Enquanto a esperança se basear no medo não haverá solução pacífica. Por isso Cristo resume a vida integral: “eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Para lá chegar é preciso aprender a pensar fora dos modelos que nos prendem.

À maneira de conclusão

Se queres ver a Lua não esperes pela noite, o seu melhor rosto é ao pôr-do-sol. Porque não vivemos o presente na realização da felicidade, adiamo-lo e com ele a nós para um amanhã em que projectamos esperanças (tornamo-nos progressistas ou conservadores sem ter consciência do agora que culpa o passado ou espera no futuro, encobrindo, deste modo, a própria violência interior, que se revela na carência do presente). Reféns da causalidade, adiamos a resolução da paz para outros, para os vindouros, tornando-a um energúmeno do futuro que nos leva a fugir de nós e a distrair do presente. O passado (é a memória feita tempo), presente (o acontecer no eixo do tempo/fora do tempo) e futuro (é projecção feita tempo); passado e futuro são aspectos de algo que deveria ser só presente (Kairós), o fora do tempo. A vida inteira é viver e morrer, esforço e paz, contínua mutação num processo de integração dos próprios polos.

A via tem dois sentidos e a vida também. Seguindo no sentido contrário da via dificultamo-nos a existência, dando-lhe pernas de aflição e ambição/conflito, porque atados à trela do tempo. O hábito e a acomodação é tempo morto na rotina que nos empedernece.

No escurecer do pensamento levanta-se o amor que não é desejo mas sensação inocente do infinito; então chega a intimidade da noite escura onde só as estrelas falam do milagre que o universo faz brilhar nos nossos olhos. Só na noite surgem as estrelas, só no silêncio da mente se ganham asas para voar até ao firmamento onde o muro das ideias, culturas, anseios e preocupações já não fazem sombra.

Somos levados pelas ondas das influências políticas, religiosas, individuais e sociais de que nos temos de libertar. Eu noto em mim uma grande prisão, que é a consciência da defesa de valores cristãos que reconheço como inalienáveis para o futuro mas que me levam a ter medo do Islão. Um medo que me leva a não viver no presente com o medo do que acontecerá no futuro.

Num mundo em que se aspira a autoridade e posição social já não se é livre, o mesmo se diria pela ânsia de ser virtuoso ou bom; contudo, na falta de liberdade é melhor estar-se preso pela ética, desde que se tenha consciência disso. Se tenho a força de ser eu já não tenho medo de ser bom nem mau; na virtude e no pecado assumo ser eu conscientemente. Então desta perspectiva compreenderei a própria compreensão e a dos outros, ciente de que nesse entremeio se realiza a transformação que possibilita o milagre. Se me compreender compreendo o mundo e ao compreender-me viverei em paz com ele. Uma cultura ou uma pessoa fechada na própria órbitra como a Terra em volta do Sol circunscreve-se a si subestimando a realidade do universo. Se queremos descobrir o universo teremos de não dar relevo à própria giratória. Esta é a diferença entre um satélite e uma estrela.
©António da Cunha Duarte Justo
Jornalista e Ex-professor de filosofia aplicada
www.antonio-justo.eu

Níveis da Justiça e da Ética no Desenvolvimento das Pessoas e das Culturas

A Virtude da Tolerância desafia a Virtude da Coragem

Por António Justo

O medo, o anseio por segurança, a leviandade mental são característicos de uma sociedade em redemoinho que destrói a personalidade e impede a reflexão individual do cidadão para o engavetar em padrões sociais medíocres.

A insegurança e o medo domam as energias criativas e impedem a compreensão da vida, conduzindo a uma situação de pânico que provoca uma reacção de ânsia de sucesso imediato material e espiritual. A insegurança e a arbitrariedade no julgamento de práticas políticas e religiosas fomentam um moralismo preconceituoso e precipitado longe de uma ética reflectida abrangente. Deixa-se de combater por ideais nobres para se pelejar com guerrilheiros que se encontram mais próximos ou que são mais oportunos.

A falta de discernimento conduz a opiniões precipitadas e intolerantes, pela positiva ou pela negativa. Daí a importância de distinguir entre ética e moral e de constatar a evolução da ética e dos costumes a nível de pessoas, instituições e civilizações para possibilitar um diálogo interactivo e produtivo entre pessoas e culturas. As culturas só têm a oportunidade de se aproximarem ou de se guerrearem. Se a sociedade continuar com a mesma política dos últimos 60 anos a guerrilha proliferará de maneira avassaladora.

Ética é a orientação consciente por regras ou normas; implica uma conduta de vida criteriosa e ter a capacidade de decidir com discernimento entre acções boas e más.

Moral diz respeito ao cumprimento das normas por que se orienta a maioria e que correspondem a determinadas ideias/imagens na vida interpessoal. As normas adoptadas podem ser aplicadas consciente ou inconsciente.

Podemos considerar quatro etapas do desenvolvimento da ética e das sociedades que a praticam:

Na primeira etapa é permitido castigar uma acção sofrida com uma acção pior. Exemplo: alguém rouba algo e como castigo é-lhe cortada a mão (cf. lei da Sharia no islão); o homem é o lobo do homem (homo homini lupus!). Na segunda etapa da evolução ética passa a ser aplicado o princípio de talião que corresponde a responder a uma acção com outra acção correspondente: “olho por olho e dente por dente” (vingança igual). A terceira etapa que se encontra já no Antigo Testamento, no Hinduísmo, Confucionismo e na Filosofia grega, orienta-se pela “regra de ouro” que determina: “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti” ou “Faz aos outros o que queres que te façam a ti”. A quarta etapa da ética é a ética das Bem-aventuranças, a ética do amor ao inimigo e do vingar o mal com o bem; é declarada no Sermão da Montanha mas muito difícil de praticar e em certos conflitos levará até à eliminação do bem, tal como aconteceu com a crucificação do maior Mestre aparecido na História. Pelas obras se mede a qualidade ética das acções, que se tornam mais ou menos virtuosas.

Virtude é a capacidade de comportamento determinado por um valor. Pressupõe uma decisão baseada numa atitude e numa mundivisão (experiência de vida, idealismo). A virtude tem como actor contra ela (o vício) a agressão (o outro lado da calma) dado a agressão parecer o meio natural de autoafirmação (movimento egoísta contra altruísta) na intenção de formar e afirmar identidade.

O filósofo Aristóteles distinguia entre duas espécies de virtudes: As virtudes racionais (dianoéticas) inteligência, sabedoria, o pensamento científico, etc. e as virtude éticas ou da vontade. Para se determinar a virtude, Aristóteles elaborou o padrão do Meio-termo, o meio justo (Mosóteles), vulgarmente dito na expressão, “a virtude está no meio”. Por exemplo, coragem é o meio entre covardia e imprudência (Temos o momento da falta, o momento da virtude e o momento do exagero, exemplo: falta: Sofrer de injustiça – virtude: justiça – excesso: praticar a injustiça).

A virtude depende de um valor mais alto. Na história da ética reconhece-se como valor mais elevado, a felicidade, Deus, o paraíso (nirvana), espiritualidade… A virtude pressupõe educação, hábito e relação interior através da compreensão, da alegria e do sofrimento.

Max Klopfer, na sequência de Aristóteles, nomeia, para a determinação de cada virtude, as seguintes características gerais: a) o meio entre dois extremos (aspecto formal), b) fundamento num bem maior (aspecto material); e para uma determinada virtude as características especiais dela: a) baseada numa determinada situação e b) relacionada a uma determinada pessoa (subjectividade).

As virtudes encontram-se todas numa relação de reciprocidade. Platão fala de quatro virtudes cardeais: sabedoria, coragem, prudência e justiça. Aristóteles fala de 14 virtudes: Sabedoria, coragem, prudência, justiça, serenidade, serenidade nobre, generosidade, magnanimidade, elevação, honra, amizade, dignidade, indignação justa, sinceridade, destreza social.

O cristianismo acrescentou-lhes, fé, esperança e caridade. A Burguesia do século XIX acrescentou-lhes as virtudes secundárias: ordem, aplicação, limpeza, pontualidade, etc. Hoje, a sociedade europeia parece esgotar-se na virtude da abertura e da tolerância esquecendo que estas são virtudes secundárias de outras virtudes oprimidas por uma sociedade demasiado preocupada com o pragmatismo político.

O homem no decorrer do tempo histórico foi deixando as marcas do seu desenvolvimento ou reacção às experiências sociológicas e antropológicas prévias.

Ética da lei

Na tradição judaico-cristã vale a orientação pelos dez mandamentos, em especial o amor ao próximo e a Deus (Mat. 22,37-40). Não se trata aqui de preceitos exteriores mas de configurações internas fluidas, não empedernidas na letra mas a serem sempre actualizadas pela atitude sempre nova e viva. A referência cristã mais que de um livro ou norma é a pessoa do JC. A ideia base é a igualdade de todas as pessoas baseada na semelhança de toda a humanidade com Deus. Friedrich Nietzsche lamenta a herança cristã dizendo: “Na igualdade das almas perante Deus é dado o padrão de todas as teorias dos mesmos direitos para todos”.

A ética muçulmana, essa sim, é uma verdadeira ética da lei ou do livro que dificulta qualquer teologia porque Deus se formaliza no Corão não dando lugar à teologia, quase se esgotando na jurisprudência.

Ética do dever – orientação pelo senso comum

Kant criou a ética do dever como um tipo especial da ética que se fundamenta na racionalidade humana. Para o filósofo o dever é claro e incondicional; a acção não depende de condições pelo que se torna num imperativo categórico desde que o modo de agir possa ser generalizado e a dignidade e liberdade da pessoa respeitada.

Os estoicos já tinham ligado a moral ao dever, fundamentando-a na ideia do direito natural, baseado na natureza e que tinha como objectivo o domínio dos afectos e do prazer. Seguir o prazer pressuporia desconhecer a essência do próprio ser; para o estoico, é sábio e livre quem ultrapassa a felicidade e a infelicidade; para ele tudo é indiferente. No outro polo desta filosofia encontrava-se o epicurismo.

Ética do útil (Utilitarismo)

Epicúrio (um 341 a.C.) centrava a ética no proveito individual dirigido para a felicidade e o prazer. Pretende fomentar necessidades que maximizem o prazer e o mundanismo radical. Enquanto para Epicúrio o objectivo era a felicidade individual, para os anglo-saxões era a felicidade do grupo.

Nos países anglo-saxões (Bentham, 1748-1832) o critério de avaliação da acção é o princípio da utilidade para todos os participantes. Bom é o que é útil para todos; a diversidade das necessidades individuais não conta grande coisa.

Segundo O. Höffe a ética utilitária inclui 4 princípios: o princípio das consequências (não interessa a atitude mas os resultados para decidir da acção); o princípio da utilidade (a avaliação das consequências orienta-se pelo bem abstracto, trata-se de consequências úteis); o princípio do prazer (o fim último é a felicidade, bom é o que dá prazer e traz alegria); princípio social (não conta a felicidade individual mas a de todos).

O utilitarismo favorece o direito das maiorias. Hoje, o fim não pode justificar os meios, estes têm de ser aferidos pelos direitos fundamentais do Homem.

Ética da responsabilidade

O agir responsável pensa nas consequências que a acção actual tem para as próximas gerações. O ser humano tem de julgar ética e moralmente as consequências da sua maneira de agir. Não se pode fazer tudo o que se pode, embora a técnica o possa permitir, a vontade tem limites se quer assumir responsabilidade e garantir sustentabilidade. A ética da responsabilidade presume uma educação para a liberdade; uma educação que não instrumentalize o medo como meio de tornar o Homem maleável e funcional no sentido das instituições actuais.
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©António da Cunha Duarte Justo
Jornalista e Ex-professor de filosofia aplicada
www.antonio-justo.eu

O DIVÓRCIO DA POLÍTICA E DA ÉTICA

A Política tem vivido do Ser e não do Dever Ser
Para se intervir na História tem de se entrar no Interior dos Conflitos político-sociais

Por António Justo
Um divórcio não acontece de repente, vai-se dando até que acontece. Política e ética tendem a divorciar-se a partir do Renascimento. Até aí orientavam-se pelo dever ser e a partir daí, especialmente com “O Príncipe” de Maquiavel (1469 – 1527) passou a centrar-se na materialidade do ser sem a componente idealista anterior (platonismo). Maquiavel, o iniciador da modernidade política, considera as coisas como são e não como deveriam ser, por isso não está interessado na ética. Só reconhece a realidade material na política, querendo-a auto-suficiente: “os fins justificam os meios”.

Para Maquiavel ”a garantia mais segura da posse é a ruína”. A vida humana é luta com os meios da legalidade ou da violência. O medo e o temor são os instrumentos disciplinadores que o governante tem para levar a causa política a bom termo. Kant, do lado oposto, apela para a razão prática e para o imperativo categórico (regra áurea como fundamento lógico e objectivo da moral: “Actua de modo a que o axioma da tua vontade possa valer ao mesmo tempo como princípio de uma lei universal”. Os princípios maquiavélicos e meramente materialistas de orientação realista e pragmática atingiram o seu auge político nos grandes assassinos de povos como Hitler, Estaline, Mao Zedong.
Na teoria medieval e clássica grega, e em especial para Aristóteles, as coisas tendem todas para o bem, para a felicidade. Tudo se encontra a caminho. Para ele havia três tipos de homem e de vida: o vulgar (vive para o prazer), o político (para a honra, fama realizada na polis) e o filósofo (para a felicidade), cada qual com a sua medida de felicidade. O homem político orienta-se pela razão e por ela chega à postulação da ética (do como se deve ser). A razão fundamenta a atitude moral, conclui também Kant). Sócrates defendia a teoria de que a cidade grega deveria ser governada pelos filósofos, os melhores.

Cristãos têm andado a dormir na Forma dando o Comando aos Outros

A advertência evangélica de “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” não justifica a ilibação moral de atitudes políticas nem a isenção política por parte dos cristãos. Pilatos também lavou as mãos e a consequência foi a morte do inocente (Jesus=povo).

Não é suficiente o empenho de cristãos a nível individual na assistência social e nas missões; não chega que o cristão seja um especialista do povo, é preciso o seu empenhamento na ação política dos partidos como parte do comprometimento estatal e global.

Apesar das contradições da coisa política, tem sido um grande erro a renúncia dos cristãos no sentido de moldar o mundo politicamente a par de outros destacados. Torna-se relevante congregar forças em torno de pessoas de boa vontade para modelar o mundo e dar-lhe nova direcção: um mundo de rosto humano para todos. A direcção não é dada por quem trabalha no convés do navio mas pelos seus timoneiros. Urge dar forma política ao conteúdo cristão não tanto como religião mas como filosofia e ética cristã. Não se trata de unir política e religião porque isso é catastrófico, como podemos constatar hoje em conflitos mundiais actuais.

Certamente não há partido que corresponda às aspirações éticas cristãs mas em todos os partidos há lugar para pessoas que se empenhem; a orientação de um partido depende dos seus membros e o legado da humanidade não se encontra em nenhuma instituição mas repartido por cada pessoa. O cristão, se imbuído da mensagem evangélica tem lugar em todos os partidos. É verdade que a política é algo provisório e relativo mas a vida social é construída na sequência e resulta da soma dos provisório e do relativo. O cristão está chamado, com todas as pessoas de boa vontade, a criar uma sociedade mais justa. Seria ingénuo e mendacidade queixar-se apenas de quem faz o trabalho. Quem trabalha suja as mãos mas tem a vantagem de poder ver o fruto do seu trabalho e de poder limpar as mãos.

O empenho político com o consequente assumir de funções públicas, é uma forma socialmente desejável e eticamente desafiadora da responsabilidade cristã para o mundo.

A política não é “negócio sujo”; é uma actividade imprescindível e boa, em si. Tem má fama por abrigar políticos sem a ética do dever moral, que agem por interesse, internacionalmente em manadas, de maneira colectiva e anónima, puxados por grupos de interesses com poder. O povo não tem poder para se impor aos poderes organizados dentro do Estado, por isso precisa do empenho dos que se encontrem mais próximos deles. A qualidade da política depende da qualidade humana dos políticos. Se não está contente com a política empenhe-se nela. Esta é a única maneira de melhorar o serviço à polis.

A degradação política vem também de uma formação de políticos baseada ainda nos princípios de Maquiavel, que quer o político viciado, e no utilitarismo feroz anglo-saxónico. Candidatos ao poder passam, quase todos pela escola de Maquiavel e centram os estudos em filósofos defensores do materialismo (Thomas Hobbes, Marx, etc.) e do relativismo moral ou nas ideias dos sofistas, cínicos e cépticos. Desconhecem a nova era da filosofia quântica que considera espírito e matéria compatíveis.

Cada época produz o seu poder e a sua correspondente visão: no absolutismo a filosofia era absolutista, na democracia contemporânea é relativista e numa democracia orgânica complementar talvez se torne num integracionismo social e económico.

Do empenho social para o empenho político

O procedimento ético não se limita ao homem religioso. Na acção se mostra a validade dos princípios éticos. O cristão deve deixar o rasto da sua atitude ética na política. A política ocidental ao desvincular-se da religião e da ética deixa o timão da história aos que mantêm na alma do povo o desejo de missão. Política é serviço e como tal uma liturgia, embora a história mostre que a promiscuidade de política e instituições religiosas é perversora.

O político, em vez de combater o inimigo que se encontra no seu interior, repudia, por vezes, o adversário alimentando a inveja, a rivalidade e a ganância. Na política estão em primeiro plano os interesses económicos e estratégicos e não valores de justiça ou éticos. Seria de tentar inverter-lhes a ordem; para isso o motivo do agir terá de ser desinteressado e altruísta.

A luta é um dado natural, mas numa ética desenvolvida não se luta contra alguém, mas luta-se pela justiça e pela liberdade individual, social e comunitária. A violência só cria mais tensão.

A obra de Max Weber “A ética protestante e o ‘espírito’ do capitalismo” elucida as relações entre religião e capitalismo e induz a melhor compreender as diferenças das sociedades nórdicas e latinas, bem como as preferências católicas pela formação humanista e as protestantes pela técnica. A maneira de estar presente na sociedade seja ela capitalista, socialista, islâmica, católica ou protestante determina directa ou indirectamente diferentes economias e políticas.

Urgem soluções intermédias entre capitalismo e socialismo entre religião e política, no sentido de servir a felicidade de todos e atingir o máximo possível de igualdade económica e social. De facto todos somos parentes, apenas o sol nos mudou a cor.

Deus é povo e a ética é justiça, por isso, ficam à porta de empresas, ministérios, escolas e partidos. Uma coisa poderia o cristão aprender de Karl Marx: para intervirmos na história teremos de entrar no interior dos conflitos político-sociais. Segundo ele o regime político é o reflexo da organização das forças produtivas que é preciso influenciar. Consequentemente, os comunistas são exemplares no empenho político pela própria causa e na estratégia que usam de se instalarem nas estruturas administrativas estatais através dos sindicatos.

Embora a missão do sacerdote implique um empenho de ordem religiosa, sem compromissos políticos mas no compromisso pela paz e justiça, pela promoção integral do homem e dos direitos humanos, isso não o devem impedir de fomentar vivamente o interesse dos cristãos pelo empenho político militante nos diversos partidos.
O mar sem a força do vento e da lua não teria as ondas que lhe dão vida!

O Astrónomo e matemático alemão Johannes Kepler (1571-1630) reconhecia já então: “É preciso reunir religião e ciência, matemática e música, medicina e cosmologia, corpo, mente e espírito em uma inspirada e luminosa síntese.”

©António da Cunha Duarte Justo
Jornalista e ex-professor de filosofia aplicada.
www.antonio-justo.eu

A GUERRILHA ISLÂMICA DETERMINA A CISÃO DOS POVOS NO SÉCULO XXI

Ensaio sobre a situação da Síria e do Iraque como expressão da luta intercultural

Por António Justo
No mundo contemporâneo, a violência de motivação religiosa parte praticamente do Islão. Isto fomenta a incompreensão do islão e muitos muçulmanos moderados de boa-fé sentem-se colocados no pelourinho. As forças radicais e escuras estão interessadas em fomentar motivos de incompreensão porque só assim se encontram no seu Mileu e justificar o seu agir irracional.

Tornar o Islão compatível com outras culturas e religiões

Torna-se urgente uma reforma do islão a partir do seu interior que possibilite a passagem da sociedade patriarcal e medieval para a sociedade moderna onde o centro da realidade passa a acontecer na pessoa e a expressão política se realiza numa forma de democracia (comunidade) que possibilite a liberdade do indivíduo, de modo a que este faça o que quer, desde que não incomode ninguém.

A confusão, que se observa a nível de teoria e no âmbito da acção da sociedade islâmica, deve-se também à falta de separação nítida no Corão e nos Ditos do profeta entre religião e violência, entre regra e extremismo, o que impossibilita distinguir entre quem obedece à norma religiosa e quem não. Não se tratará de rejeitar o islão, como fazem alguns intelectuais muçulmanos, mas de o reformar com uma interpretação adaptada aos nossos tempos (reconhecendo muito embora a dificuldade dado não haver sincronização do tempo em relação às culturas). Tratar-se-ia de encontrar uma definição e uma prática islâmica aberta e compatível com outras religiões e culturas, com outros valores, outras constituições de estados e com a modernidade na aplicação dos direitos humanos. Só uma atitude tolerante e integrativa, respeitadora das religiões e do estado de direito, pode servir os muçulmanos democráticos e livres bem como as outras culturas. O islão tem de reconhecer a realidade natural da variedade e as leis da evolução, doutro modo, ao fechar-se numa visão patriarcal, apressa a sua derrocada embora englobe muita riqueza artística no mosaico das culturas.

O Terror jihadista islâmico é a Luta contra a própria Queda

Como se observa do mundo árabe ou do mundo subjugado ao islão, onde não há ditadura ou regime autoritário, abundam os movimentos extremistas que impedem a estabilidade interna. Por toda a parte, onde se encontre um vazio regulamentar político, logo a frustração é compensada religiosamente, através da violência e de mercenários cegos ao serviço duma cultura do medo.

Toda a ideologia política ou religiosa, que considere o seu ponto de vista como a única via correcta de vida, desconhece a relação entre percepção (conceito) e realidade, vendo-se condenada a viver da guerrilha e a fracassar, dado o desejo de liberdade inato ao Homem não poder ser ininterruptamente oprimido, por um regime ou uma cultura, e, além do mais, num mundo chamado a transformar-se numa aldeia de vizinhos. Também Maomé dizia: “o que não serve o homem vai abaixo como uma onda no oceano”. Os tempos mudaram e com eles muda o Homem e as circunstâncias, tudo é processo; quem não quer ficar sob as rodas da História, tem que verificar o que então “servia” o homem e o que hoje já não serve o Homem. Recorrer sistematicamente à violência para resolver problemas é desumano e destrutivo.

O busílis muçulmano está no facto de só admitir, na sua sociedade, a curto ou a longo prazo, o falar do Deus registado no Corão, ficado assim demasiado timbrado pelo patriarcalismo do Antigo Testamento e das tribos árabes sem perspectiva para uma sociedade aberta dado não ter integrado no islão as novas culturas e geografias onde se espalhou (isto vem do facto de considerar a revelação divina como enlivração empedernida – Deus tornado livro – não integrando nela a revelação divina que se dá através da História e da natureza, como fazem os cristãos). Consequentemente, têm de viver no gueto ou transformar o mundo no seu gueto; enquanto se encontram em minoria vivem no gueto apresentando-se ad extra como conciliadores; mas, uma vez alcançada maior presença no meio, as forças extremistas impõem-se aos “outros”, aos diferentes, (este processo também se observa na mudança de atitude de Maomé quando passou de Meca para Medina e se pode observar na mudança de opinião de Deus nas Suras – tolerantes do Corão escritas em Meca e nas escritas em Medina – Suras intolerantes) de maneira a torna-los numa monocultura por imposição. O exemplo de Maomé e a doutrina hegemónica que suporta o islão também não deixa viver em paz as confissões islâmicas sunitas (cerca de 80% dos muçulmanos no mundo) nem as xiitas (cerca de 20%) e do mesmo modo os correspondentes subgrupos alevitas (o mais liberal), o wahhabismo, o sufismo, os salafitas, etc, que disputam o poder entre si em nome de Alá.

A “Casa da Submissão” a Alá e a “Casa da Guerra”

A falta de honestidade ética, identifica o islão como religião da paz mas não esclarece que entende por paz a sua paz muçulmana (a paz da Umma) e mesmo assim guerreiam-se uns aos outros. O Evangelho já avisava: “Quem vive pela espada, pela espada morrerá” (Mt 26:52). Naturalmente a esmagadora parte dos muçulmanos é inocente e não conhece sequer a filosofia ambivalente do Corão ou dos que o aplicam ou utilizam.

Ao contrário do Ocidente que acentua o ideário da pluralidade de nações como factores de identificação e de identidade (sociedade aberta), a civilização árabe tende, duma maneira geral, a identificar nação (a nação árabe ou muçulmana) com a religião, o que cria problemas com as culturas que incorpora (como sociedade fechada). Na falta de uma consciência nacional tão diferenciada acentua a consciência da Umma (a comunidade dos crentes muçulmanos) que os distingue doutras pessoas: ‘a casa do islão’ = “Dar ul-Islam” em contraposição com a ‘casa da guerra’ = “Dar ul-Harb”). Divididos entre o desejo de autodeterminação (individualidade) e comunidade abdicam da individualidade que colocam incondicionalmente ao serviço de um grupo (ex. os mártires assassinos, semelhantes aos Kamikazes – “vento divino” japoneses), que tenta democratizar a violência. A Umma tem a vantagem de dar consciência a uma massa que, doutro modo, andaria à deriva e apresenta-se como contrapeso à (comunidade) sociedade ocidental que, talvez peque pelo outro extremo e se esvai no indivíduo. Líderes muçulmanos parecem apostar num deus guerreiro e na religião como tecto cultural, enquanto líderes ocidentais parecem apostar nas armas, na economia e na democracia como tecto cultural.

A fortaleza e a fraqueza do mundo islâmico parecem vir-lhe do aspecto confuso que não permite localizar concretamente os conflitos.

Também nos países de imigração de muçulmanos, estes sobressaem pela reivindicação dos próprios direitos em contraposição aos da sociedade acolhedora. Procuram organizar uma justiça paralela ou alcançar nos sistemas judiciais dos países de imigração, contrapartidas de cunho religioso conseguindo penas mais leves para delitos provindos de casamentos forçados ou de violência do homem para com a mulher (aqui o direito penal entra em conflito com a Constituição que defende a integridade corporal e a liberdade individual e a lei islâmica passa sobrepor-se à lei do Estado; tal comportamento dificulta a integração, encoraja o gueto e até a conversão para homens que queiram ter mais direitos em relação à mulher). Exigem tribunais próprios para arbitragem de litígios entre eles estabilizando assim a vida social paralela de gueto e uma justiça paralela. O problema não está nas exigências nem na diferenciação mas no facto de se criarem espaços vazios do direito em que se desfavorece o direito individual para se favorecer o direito cultural religioso.

Muitos organizam manifestações públicas contra Israel e contra a proibição do lenço mas não protestam publicamente contra os correligionários que usam a sua religião para fins terroristas (sentem-se depressa numa situação de vítimas e de coitadinhos, porque ‘de-finem’ a sua identidade pela religião e em contraposição aos que vive fora dos seus muros). Isto é compreensível a nível individual e psicologicamente mas a nível social torna-se conflituoso.

Na Alemanha, Wupertal, grupos Salafistas não se comportam em conformidade com a lei e já se manifestam como “Scharia Police” para controlarem lugares públicos frequentados por muçulmanos.

Os salafistas, um movimento extremista financiado especialmente pela Arábia Saudita, e espalhado por todo o mundo, tem uma mundivisão simples com um sistema de pensar só a preto e branco. Têm aceitação entre os povos carentes porque também prestam auxílio com projectos caritativos em nichos que os Estados não cobrem. Na Europa, segundo uma investigação, dirigem-se a grupos marginais e com pouca formação cultural, onde recrutam os seus seguidores que “com prazer são enviados para ataques suicidas, porque não são bons para mais nada”.

Torna-se anacrónico que, em países desenvolvidos, a polícia estatal, tenha medo de entrar em certos bairros. O vigilantismo familiar e grupal tem tradição na “vergonha da honra familiar” que se sente ultrajada por costumes diferentes dos seus. Na Alemanha ainda não houve ataques terroristas concretizados porque o país tem um sistema de organização muito efectivo que trabalha silenciosamente e de modo preventivo.

Por isso o Governo alemão determinou a 12.09.2014 que, a partir de agora, ficam proibidos os símbolos da milícia terrorista IS, como seja, a Bandeira, qualquer participação na IS, propaganda na Internet ou nas manifestações, recrutamento de combatentes, trazer símbolos ou recolher ofertas. Na Alemanha os salafistas são o grupo extremista talvez mais organizado, dedicando-se ao recrutamento e autoafirmação saindo do seu meio jihadistas que lutam especialmente no Médio Oriente.

Na Europa a economia e a política têm agido irresponsavelmente no que toca à defesa do povo e do cidadão pelo facto de não se preocupar com a comunidade; reduz o ser humano a uma força de trabalho em conivência com o sistema árabe que o reduz a força religiosa. Grande parte do povo, nas grandes cidades já tem medo de se movimentar em certos bairros. Com a cumplicidade política e dos governantes, que olham de longe o problema, sem se preocuparem com estratégias de reciprocidade, criam-se os pressupostos para a organização de bandos como acontece em favelas. A situação precária de tais grupos torna-se mais complicada ainda porque além dos muros da pobreza tem o muro da religião, o que dificulta uma solidariedade isenta.

O Caos da Situação e o Paradoxo da “Guerra santa” das Armas e do Sexo

No Iraque, tal como na Síria, há um enredo de interesses disputados por sunitas, xiitas, curdos, americanos, russos, turcos, Kuwait, Catar, irão e Arábia Saudita, que se podem resumir como guerra intercultural e económica. “O terror islâmico é executado na linha de distinção entre sunitas e xiitas”, constata Gilles Kepel; esta linha, à maneira das cidades muralhadas medievais, assenta na mundivisão de demarcação mural, entre o nós e os outros e na estratégia de autoafirmação pela contraposição em relação aos de fora.

O movimento terrorista IS (Estado Islâmico ou Califado), presente na Síria, é contra os xiitas iranianos que apoiam o presidente alevita Bashar al-Assad, (alevitas são 10% da população síria). A guerra civil já provocou 160.000 vítimas, encontrando-se 9 milhões de sírios em fuga.

A milícia IS intervém agora no Iraque com 17.000 combatentes e conta com o apoio activo das tribos sunitas. O movimento IS e os salafistas, em geral comportam-se como os seus antepassados da Idade Média. Pretendem instalar um reino de terror religioso (Estado Islâmico) numa zona de muito petróleo que lhes conferiria grande poder económico e estratégico em relação aos xiitas do Irão e a Israel. Querem voltar aos princípios do Islão não suportando a seu lado crentes doutra fé nem tão-pouco correligionários muçulmanos moderados. Movidos pela energia criminosa dos talibans do Afeganistão pretendem fazer do Iraque e da Síria um novo Afeganistão. No Iraque, antiga mesopotâmia, babilónia, repete-se o drama dos tempos bíblicos.

Quando o movimento IS actuava só na Síria o fogo cruzado dos meios de comunicação ocidental apelava ingenuamente à necessidade de apoio destes bárbaros assassinos que serviam os interesses da dupla moral ocidental. Agora, no Iraque junta-se a causa das refinarias e dos poços de petróleo!…

A solidariedade muçulmana internacional consegue mobilizar milícias desestabilizadoras de governos e regiões. Provêem especialmente da Arábia Saudita, da Tunísia e mantêm na Síria 4.000 prisioneiros entre os quais 20 americanos e europeus. Só da Alemanha já se encontram 400 combatentes islâmicos no tereno.

A utilização da religião e da mulher para fins patriarcalistas

Ultimamente, pregadores jihadistas (defensores da guerra santa) conseguiram mobilizar mulheres tunesinas em serviço da jihad sexual na Síria; isto é, estas jovens/mulheres a partir dos 13 anos disponibilizam o seu corpo aos guerrilheiros na Síria motivando os guerreiros de Alá e ganhando o paraíso com a sua contribuição. A Tunísia tornou público o Jihad sexual na Síria revelando que as voluntárias chegam a ter “relações sexuais com 20, 30… até 100 jihadistas”, como confirma o ministro do Interior da Tunísia, Lofti Ben Jedu, ao reconhecer o retorno de mulheres grávidas. Nas Palavras do Profeta, são prometidas, como prémio a cada mártir do islão, 72 virgens acompanhadas de 70 amas o que corresponde a 5.040 mulheres por mártir. Também por isso não faltam os jhiadistas prontos a sacrificar-se pela religião. Entretanto também há mulheres jhiadistas; qual será o prémio receberão delas?)

A “guerra santa do sexo” (jihad al nikah) é considerada legítima por líderes salafistas que pretendem voltar às origens; as interessadas contornam a prostituição na medida em que, ad hoc, se declaram casadas por um dia com quem partilham os serviços sexuais. Golda Meir queixava-se referindo-se ao terrorismo e aos pais que o fomentam: “Só haverá paz nesta região, quando os pais amarem mais os filhos do que odeiam os seus inimigos”.

Também os nazis para expansão da raça ariana criaram a instituição “fonte da vida” como programa destinado a promover a higiene da raça onde mulheres gestavam anonimamente um filho para Hitler; contribuíam, deste modo, para criar uma “raça líder racialmente pura”. Esta estratégia pretendia também criar mais combatentes e aproveitar também a mulher para o serviço à guerra e à ideologia.

A utilização da religião e da mulher para fins patriarcalistas e imperialistas é comum no fascismo e defendida até por políticos moderados como Recep Tayyip Erdogan, actual presidente da Turquia. Quando ainda primeiro-ministro apelou aos 3 milhões de turcos residentes na Alemanha, num discurso em Colónia (24.05.2014): “Vós não deveis assumir nenhum compromisso em questões do vosso idioma, da vossa religião e da vossa cultura”, recomendando também que reivindicassem postos na política e na administração. A 22 de setembro de 2004 o periódico “Die Welt” cita Erdogan que, quer que o seu país entre na EU e numa campanha eleitoral, a 6.10.1997 confessou: “A democracia é apenas o comboio, ao qual subimos até alcançarmos o objectivo. As mesquitas são os nossos quartéis, os minaretes as nossas baionetas, as cúpulas os capacetes e os crentes os nossos soldados”. Se parceiros modernizadores falam assim que se pode esperar dos tribunos do povo?

Religião ainda continua a ser para muitos uma palavra mágica que desobriga a razão e paralisa até o cérebro de juristas e de pessoas de boa vontade.

A Fronteira da Discórdia

Dá que pensar o facto de não ser a UNO nem a Liga Árabe a encarar o problema com responsabilidade; todos esperam pela intervenção dos USA e pelo apoio armado do ocidente. Não é lógico serem os USA a intervir no Iraque, quando a missão da paz deveria ser uma tarefa de todas as nações representadas na ONU. O problema é que os estados islâmicos são incapazes, por si sós de conter o terrorismo e o mundo ocidental livre também não resolve o problema lançando algumas bombas no Iraque ou na Síria.

Na guerra civil da Síria e nos campos de luta dos “guerreiros de Alá”, o argumento moral não tem aplicação, dado os grupos adversários usarem de força extrema e brutal, proveniente tanto dos fundamentalistas como do governo. A Síria era um país muito culto e multicultural e, como tal, um argueiro no olho dos fanáticos sunitas e xiitas.

Uma cultura que legitime a violência e a exploração sistemática só poderá manter a ordem social mediante governos autoritários ou ditadores. Uma estratégia de paz, a longo prazo, deveria passar pelo apoio aos muçulmanos moderados. Torna-se urgente criar uma geração nova que lide de maneira madura com a religião.

A fronteira da discórdia encontra-se entre os possuidores da verdade e os da liberdade, entre a energia religiosa e a energia económica, entre uma sociedade islâmica que se encontra na Idade Média e o modernismo ocidental. O mundo muçulmano encontra-se em luta contra duas frontes: o mundo moderno e a luta inter-religiosa entre sunitas e xiitas, como acontecia no século XVI entre protestantes e católicos, entre o norte e o sul. Têm como aliados o petróleo e a apatia cultural e religiosa do Ocidente que vive da ilusão de que o jihadismo se deixa abafar com o dinheiro. O preço que o Ocidente pagará pelo seu oportunismo do momento e pela consequente emigração, em consequência da guerra, será a instabilidade social, a longo prazo, na Europa.

O problema de muitos estados islâmicos, como no caso da Arábia Saudita, está no facto da sua estabilidade política (também contra as rivalidade correligionárias, entre sociedade árabe e persa) depender da aliança com o grande aliado USA e, por outro lado, não o suportar no âmbito cultural; concretamente por ser uma civilização dividida que não suporta um denominador comum.

A táctica da guerrilha tem sido uma constante islâmica no seu processo de expansão e de colonização interna (conflito internos) numa permanente estratégia de desestabilização. A sua fronte contra o Ocidente e as lutas entre xiitas-sunitas, árabes-Irão, Turquia-Curdos (Curdistão) enfraquece-os, mas, por outro lado, são encorajados pela tradição e tática do profeta Maomé que queria construir um Estado islâmico sobre as ruinas de outro (Meca) numa guerra eterna contra os infiéis (incrédulos).

Na colonização interna da Europa a luta dava-se entre adversários pequenos e grandes mais ou menos iguais que, mais tarde, teve como resultado a formação de países estáveis; hoje a colonização interna nos países muçulmanos torna-se impossível e deste modo também se impede a formação de sociedades equilibradas porque os mais fortes não conseguem apaziguar a rebeldia de descontentes, por não terem força interna suficiente e se encontrarem condicionados à acção das potências externas que ora apoiam uns ora apoiam outros. Assim na formação do Ocidente houve guerras que apesar de tudo conduziram à paz e na civilização árabe mantem-se a contínua guerrilha. (Também a existência de Israel é uma permanente afronta à hegemonia muçulmana e a colaboração de governos muçulmanos moderados com o Ocidente legitima a subversão que vive da ambivalência entre o objectivo hegemónico final e as circunstâncias políticas).

A guerrilha é financiada pela CIA, Arábia Saudita, Qatar, Kuwait, etc. Os cavaleiros suicidas de Maomé sentem-se obrigados à antropologia e sociologia árabe que se expressa no islão que define o ser humano unicamente pela pertença ao grupo religioso e não dá lugar à separação entre poder temporal e espiritual. Ao reconhecer apenas o grupo, exclui antropologicamente qualquer desenvolvimento emancipatório preocupado com o bem do indivíduo e exclui o desenvolvimento sociológico pelo facto de apenas aceitar uma sociologia de caracter islâmico que se impõe às outras.

Ataturk tentou modernizar o islão da Turquia mediante a construção de uma sociedade civil/secular defendida pelo poder militar; apesar da secularização da Turquia, na realidade, no século XX, os cristãos passaram de 25% para 0,2% da população turca, continuando ainda a ser discriminados. Se isto acontece hoje na moderna Turquia de Erdogan, que se pode esperar do islamismo doutras regiões muçulmanas que olham de olhos vesgos para a sociedade turca por a considerarem demasiado ocidental e como tal já não ortodoxa? Só o acordar para um movimento ecuménico das religiões em que se passe do combate dos direitos culturais para os direitos naturais no convívio de uma ecologia universal poderá evitar um confronto bárbaro das culturas.

O Islão vive dum paradoxo que lhe dá perenidade

A discussão em torno do islão continua a ser falsa e hipócrita da parte islâmica e da parte ocidental, não lhe dando assim a oportunidade de saírem da Idade Média. Como a consciência individual é absorvida pela de grupo, na sociedade islâmica não se processa a reforma e contra reforma, nem o iluminismo como aconteceu na sociedade cristã; dão-se insurreições religiosas sob a capa do conservadorismo mas apenas motivadas por hegemonia e rivalidades de poderes. A sociedade muçulmana prefere viver no e do paradoxo (afirmação-negação) sem integrar no seu pensamento o crivo da dúvida; a dúvida foi o motor de desenvolvimento da civilização judaico-cristã (afirmação-negação-dúvida), o que contrasta com outras culturas. O mundo árabe, ao reduzir o discurso à dinâmica verdade-falso, simplifica a vida, tornando-se atractiva para pessoas de pensamento indiferenciado, deixando-a nas mãos do mais forte, como acontece na relação homem-mulher. Como na História a razão fica do lado do mais forte, sentem-se sempre com razão ao empregar a força como meio de atingir objectivos. Este sistema favorece assim o género masculino e as elites que se afirmam através do poder, o que leva uns e outros a sentirem-se reconhecidos perante um islão legitimador da força e como tal com perspectivas de perenidade porque se revigora externamente através de caudilhos emergentes, de mentalidade adolescente. O Ocidente, também ele eivado de poder, mas um pouco inseguro devido à idade e à filosofia cristã, evita uma discussão séria com as sociedades islâmicas porque mais que no desenvolvimento do islão e da paz no mundo, está oportunisticamente interessado no seu petróleo e riquezas. Menospreza porém a presença muçulmana nas grandes empresas através de acções e da imigração de cultura árabe para as suas cidades. Como o interesse do ocidente é meramente económico deixa os imigrados em estado carente, o que os fortalece nas suas tendências de se fecharem em guetos. A falta da plataforma dos direitos humanos leva-o a desinteressar-se por uma relação social de reciprocidade e complementaridade: um exemplo da aceitação da afirmação paradoxal islâmica pelo ocidente revela-se no facto de aceitar o financiamento de mesquitas pela Arábia Saudita nos seus países quando nela não existe liberdade religiosa; o mesmo acontece em relação à Turquia que impede o exercício religioso não islâmico querendo até transformar o templo cristão Agia Sofia numa mesquita. A realidade parece acontecer por trás dos véus da teoria e da prática.

“O Islão, funciona como uma máquina do tempo reacionário”

A fundação de um califado, através da guerra santa, encontra justificação no Corão e dirige-se contra as aspirações seculares de fundação de Estados civis sem regulamentação religiosa à maneira dos estados ocidentais.
Toda a insurreição social, onde se encontra uma certa percentagem de prosélitos maometanos, é organizada em nome do islão (Corão, ditos do profeta e sharia). A emancipação organiza-se normalmente em termos políticos/religiosos e não em termos de indivíduos nem de direitos humanos. A Irmandade islâmica (organização para o „regresso ao islão”), Al Qaida (“a base”, organização terrorista mais conhecida), IS (ou ISIS é uma suborganizarão de Al Qaida no Iraque e na Síria), salafistas actuais (fundamentalismo interpretativo do Corão como o wahhabismo da Arábia Saudita também em marcha na Europa), Hamas (extremistas contra o poder secular, apoiados pelo Irão que é xiita, pretende a aniquilação de Israel), Hezbollah (“partido de Deus” movimento armado xiita no Líbano – é um estado no estado), e várias variantes com expressão própria em acção na África, na Rússia, na China e na Ásia em geral.

África refém de extremismos

A instabilidade política e social da África torna-se fácil presa para grupos islamitas como o Boko Haram na Nigéria. Contra a educação secular recorre ao genocídio destruindo um ecumenismo de coexistência pacífica que a partir da revolução islâmica iraniana começou a ser sistematicamente destruído através do terrorismo intercultural e sem fronteiras. A Nigéria, país rico em minerais, com 180 milhões de habitantes, com 250 grupos étnicos (com tendência a afirmação de direitos tribais ou religiosos), com quinhentas línguas e sem história comum é o exemplo acabado de uma África mosaico que, a partir da conferência de Berlim, foi obrigada a seguir padrões e fronteiras marcadas à régua e chamada a seguir os modelo hegemonias de história ocidental e muçulmana. Consequentemente por toda a parte se encontram ruinas sobre as quais, surgem racismos do desespero e de complexos.

O grupo jihadista sunita “Boko Haram” (=”livros são pecado”, “a educação ocidental proibida“, „educação moderna é um pecado”), empenha – se (=jihad) no sentido da tradição de Maomé e da Guerra santa com atentados à bomba e com a escravatura. O seu chefe Abubakar Shekau apela: “matai, matai; esta é uma guerra santa contra os cristãos”; entretanto já matou mais de 5.000 pessoas. Tendo em conta a sua visão de sociedade torna-se natural o rapto das 287 meninas diplomadas do ensino médio, para as vender. O movimento “Boko Haram” tem ligação com o Al Qaida e com a milícia Al-Schabaab da Somália.

O conteúdo dos conflitos actuais assenta no desfasamento histórico beneficiador do ocidente e na religião islâmica que, pela sua simplicidade, se torna atractiva para as massas e produz líderes que tiram do caos imensa vitalidade. Por outro lado a massa pobre não tem nada a perder e a luta torna-se numa oportunidade de que esperam tirar algum proveito.

Os grupos jihadistas são defensores da teocracia contra a democracia e contra tudo o que não seja islâmico. O ocidente tira conclusões enganosas, distraído por uma lógica democrática interesseira que desconhece a filosofia e a coerência profunda islâmica (terrorismo santo ancorado na fantasia do povo e na tradição) distraída pelos conflitos interinos dos diversos grupos e pela desculpa do islamismo político pretendendo ignorar que o Islão é sempre político e que os cavaleiros de Maomé se encontram já desde a sua fundação numa tradição de victória sobre impérios, Sassânidas, Império Bizantino, União soviética no Afeganistão, 11 de Setembro que levou Busch a favorecer os xiitas do Iraque para castigar a Arábia saudita de confissão sunita (fornecedora dos terroristas) e a intervir no Iraque para assegurar o seu petróleo ao ocidente. Nesta lógica os inimigos de hoje são os amigos de amanhã e vice-versa. Os USA terão de deixar de fomentar uma política de desestabilização das forças muçulmanas entre elas. Uma aliança contra o Califado só pode ter solução com o comprometimento do Irão que sairia, naturalmente, mais forte do conflito e com exigências para continuar o seu programa atómico, que a Turquia sunita e a Arábia Saudita não quererão. É natural que o Irão tenha medo do IS e que a solução para o Iraque só seja possível com o apoio do Irão e com a avizinhação do ocidente e do Irão. Talvez então se possibilitasse o caminho do Irão para a Pérsia no sentido desta se tornar uma potência regional reconhecida!… Para isso o ocidente terá de acabar com o embargo contra o Irão (Nos últimos dois anos o Irão viu reduzidas as suas exportações de óleo de 118 para 56 bilhões, devido ao embargo). Então seria de esperar que acontecesse com o Irão o que aconteceu com a China. O demasiado compromisso do Ocidente com o sunismo turco e da arábia Saudita tem impedido o desenvolvimento das forças naturais que regularão o Médio Oriente. Agora que o Irão também se vê ameaçado seria uma oportunidade.

A Turquia é país de passagem do terrorismo sunita… A emissora al Dschasira é apoiada pela Turquia e Katar. Interessante verificar-se que agora também a Arábia Saudita se sente obrigada a apoiar agora o governo egípcio com 13 bilhões de dólares, na esperança do poder militar meter a irmandade islâmica na ordem porque ameaça desestabilizar os poderes estabelecidos e toda a região. Os xiitas continuam a queixar-se da arábia saudita apoiar o IS que confessa o salafismo da arábia saudita. A avalanche da violência é de tal ordem que até os países apoiantes do terrorismo começam a recear tornar-se vítimas dos seus aliados. Isto pode ajudar à formação mais alargada de países contra o terrorismo.

Atendendo à filosofia seguida por muçulmanos e ocidentais a intervenção que se revela como necessária no Iraque, se não envolver as potências da região terá o mesmo resultado da do Iraque de Sadam Hussein e do Afeganistão; contribuirá talvez para a divisão do Iraque e será mais um passo na formação do Curdistão (aspiração também ela justa). Já Theodore N. Vail dizia: “Dificuldades reais podem ser resolvidas; apenas as imaginárias são insuperáveis.”

Que Deus é este que não deixa viver em paz quem não siga o Corão?

Quando se pensa em religião pensa-se que não foram feitas para legitimar a guerra e como o Islão é uma religião deveria naturalmente tentar impedi-la. A vida dos fundadores tem imensa influência na vida dos crentes e da sociedade. O profeta Maomé caracteriza-se como guerreiro e fundador do estado árabe; teve o valor de dar união às tribos bárbaras e domar muitos dos costumes rudes da região. Com as implacáveis suras do Corão contra os “incrédulos” legitima a violência. Sura 9:5: “Matai os adoradores de ídolos, os Trinitários (os cristãos) onde quer que os encontrardes, apoderai-vos deles e espiai-os em cada emboscada “. Os muçulmanos extremistas servem-se da mesma fonte que os moderados para as suas acções na intenção de atingir o seu objectivo (Suras 8:38; 9:73; 5:33).

Os terroristas islâmicos atingem dois objectivos: a formação do Estado Islâmico radical (califado), e o fomento de comunidades muçulmanas no mundo através dos muçulmanos refugiados. É sintomático o facto de os refugiados da guerra do Iraque, da Síria e do Líbano se dirigirem para a Europa quando os Emirados ricos e a Arábia Saudita teriam maior obrigação de os receber. Naturalmente que a Europa, especialmente os países que enriquecem à custa das armas, que vendem naqueles países, têm também obrigação de os receber. O problema só surge com a formação de guetos em oposição à integração.

Islão é um “modo de vida” e significa “submissão (a Alá) “. Isto constitui o motivo dos terroristas para a fundação do Califado islâmico (IS). IS, movido por um deus guerreiro, luta por um império islâmico que vá do Irão ao Egipto. Muitos dos combatentes do IS são recrutados na Europa também entre convertidos, o que tornará a Europa cada vez mais frágil.

Frank A. Meyer in “religião totalitária” de Cicero N°.08 escreve: “A civilização moderna, denota, uma sociedade livre da cultura judaico-cristã. O Islão, funciona como uma máquina do tempo reacionária.” Já o imperador bizantino, Manuel II preocupado com a situação de então dizia: “Mostre-me o que Maomé trouxe de novo, e aí encontrará apenas coisas más e desumanas, tais como esta, em que prescreveu, espalhar a fé que pregava através da espada”. O islão, para poder receber o atributo de religião da paz tem de contradizer o que a História parece confirmar (religião da guerra). Os países islâmicos parecem tornar-se em alfobres de fanatismo, incapazes de passar da Idade Média, desde a humilhação da mulher até ao massacre de irmãos da fé e de outros crentes. Uma fé pacífica não poderia, nos tempos modernos, produzir tais botões, não podendo desculpar-se pelo facto de exercer o controlo total sobre a vida pessoal e civil. Os cristãos também tiveram guerras bárbaras entre si e contra outros mas com a pequena diferença que as não podiam fundamentar em nome da filosofia do Evangelho nem no exemplo de Jesus.

Toda a ideologia, religião ou instituição que se considere dona/senhora da verdade torna-se numa grande prisão da humanidade. Deus criou o homem para a liberdade e consequentemente para a autonomia, doutro modo tê-lo-ia criado perfeito. Um exemplo da submissão pode ver-se em estados autoritários, nos atentados suicidas, na burca ou chador. Quem se julgue na posse da verdade nega a liberdade e a realidade da natureza que se desenvolve pela diferenciação integral num processo de tentativa e experimentação. Uma religião que não permita o desenvolvimento secular torna-se num fascismo fomentador de déspotas religiosos sem respeito pelo outro. Os que se consideram senhores da verdade e “no reino da verdade” sentem-se na certeza negando a vida bem como a dúvida e a experiência que seriam os verdadeiros promotores do progresso; ignoram que a pessoa humana é viva e não reduzível a um conceito empedernido ou a uma definição.

Uma religião não pode colocar a violência a saldo; não pode reduzir a paz a um direito a ser determinado por alguns; não pode reconhecer nela o poder e a violência como meio de solucionar controvérsias. Os terroristas fundamentam o seu agir no Corão e os muçulmanos moderados aceitam-nos com o argumento de haver diferentes perspectivas e possíveis interpretações (paradoxo). Mesmo associações islâmicas moderadas quando se manifestam publicamente contra os assassínios do IS fazem-no misturando o protesto com algo contra o país onde se encontram, o que deixa espaço para a duplicidade. A ideologia islâmica encontra os seus multiplicadores em muitas mesquitas às sextas-feiras. Os intelectuais ocidentais que se ocupam da política também pecam por duplicidade e por empregar duas medidas: críticos contra o cristianismo e complacentes ou cúmplices quanto ao islão. Naturalmente, a esmagadora maioria dos muçulmanos é pacífica por natureza sem necessidade de fundamentos para a bondade nem para a maldade.

Geralmente situam-se entre o sentimento de humilhação e dominação mundial, uma característica comum aos fascismos que cultivam o ódio e o ressentimento. Precisam de vítimas e mártires na procura de inimigos internos (forças seculares ou outras religiões) e externos (o mundo da guerra). Deste modo só eles podem saber, quem são os assassinos certos e quem os falsos, dado o critério de valor e de juízo depender do lado do muro em que se aqueles se encontram. Os salafistas, que são contra a democracia e defendem a instalação de um estado de Alá (teocracia) e os acoites corporais e a sharia fazem livremente propaganda pelo seu plano, distribuindo o Corão gratuitamente nas ruas das cidades europeias. A tolerância dos fartos é cúmplice sendo também ela responsável pela intolerância que fomentam ao não dialogar a sério com os estrangeiros.

“O Corão é o livro mais forte que impede as pessoas de pensar… quem pensar de forma crítica sobre o Islão, põe a sua vida em perigo” demonstra o muçulmano Hamed Abbdel-Samad, em seus livros. O Corão só é tomado a sério para o que interessa, apesar de cada muçulmano trazer em cada ombro um anjo que anota tudo o que ele faz e um Deus que castiga sem ser questionado e não deixa viver em paz quem não segue o Corão. Que Deus é este que não deixa viver em paz quem não siga o Corão? Não foi o mesmo Deus que achou agrado em toda a criação? O problema não está em Deus mas sim numa doutrina que precisa de renovação e adaptação ao desenvolvimento da consciência individual esclarecida, reconhecendo que a natura consta dos mais variados biótopos e do mesmo modo a humanidade com os seus culturotopos. A vida do cidadão não pode ser condicionada ao horizonte da tenda nem da tribo, nem tão-pouco do império. O mundo árabe não pode viver a marcar passo, tendo também ele contribuído para o desenvolvimento da ciência; seria irracional continuar a viver num antigo testamento retrógrado aprisionador da pessoa humana, não reconhecendo os seus ideais nem uma consciência individual própria às pessoas. Dos 27 estados pertencentes à Conferência islâmica, nenhum está livre do islamismo. Onde se encontram os pacifistas muçulmanos a distanciar-se e a protestar nas ruas contra as barbaridades terroristas de seus correligionários que os põem em má luz? Será que a violência e o poder muçulmanos são sagrados e têm de se refugiar num jogo hipócrita das escondidas, com as contradições do Corão? Torna-se urgente o surgimento de um movimento protestante no seio do xiismo e do sunismo para se contrariar o estrebucho do dragão e se entrar nos novos tempos do ecumenismo das religiões.

Resumindo

Quer queiramos quer não, islão, guerra e terror parecem pertencer ao mesmo contexto (Há que ultrapassar este contexto!). Pelo que se observa a nível internacional nenhum país, onde se encontrem grupos de muçulmanos politicamente organizados, se encontra seguro quanto à paz social e até, quando se organizam em maiorias, quanto à integridade das suas fronteiras, dado, como diz o politólogo Hamed Abdel-Samad, “onde ele actue politicamente é fascista”… “Eles desumanizam os seus adversários, negam-lhe o direito de existir e tomam em conta a sua destruição total”… “no mundo desta gente não se luta pela vida, vive-se para lutar”… Na altura em que o caricaturista dinamarquês desenhou Maomé com uma bomba no turbante, o mundo islâmico levantou-se por toda a parte contra ele e contra o ocidente, chegando a haver mesmo mortes; agora que o IS assassina em nome do Islão, o mundo islâmico, pelo mundo fora, “não se sente denegrido nem ofendido”. “O que o autêntico islão é, vemo-lo precisamente no Iraque e na Síria” (in HNA 19.09.2014). “Todas as associações salafistas têm que ser proibidas, para lhes dificultar o acesso de jovens muçulmanos… pois vão para criminosos quando vão para eles”.

É uma utopia pretender disciplinar o Islão a partir de fora, dado possuir uma doutrina absolutista que, por um lado, exclui a diferenciação e, por outro, fortalece as forças caóticas da base. Ao não ser estruturado (sem organigrama institucional conciso), aposta nas forças caóticas e revolucionárias da circunstância que lhe dão a sustentabilidade histórica necessária para lá do país concreto; diria que, na sua forma original, se poderia talvez etiquetar de uma forma de fascismo socialista adequada à base tribal das suas origens árabes e, neste sentido, expressa-se de modo ad hoc, vivendo do paradoxo, a nível intelectual e filosófico ajudado por uma jurisprudência casuística. O ocidente, com uma outra doutrina e socialização, não entende o mundo muçulmano nem o mundo muçulmano entende o ocidente. O mesmo se dá, generalizando, entre a espiritualidade ocidental e a da Índia. O papel da dúvida metódica no pensamento ocidental como alavanca do progresso contrapõe-se ao papel do paradoxo da cultura árabe como pretexto do pensamento para ser mantido o status quo, o retrocesso na contradição. Interessante que no momento em que Maomé deixou Meca para se estabelecer em Medina, Deus mudou de ideia. As Suras suaves do Corão reveladas em Meca passam a ser contraditas pelas revelações de Medina: aqui se encontra a génese do paradoxo árabe. Este facto poderia ser aproveitado pelos eruditos islâmicos para possibilitarem uma teologia interpretativa adequada aos tempos, doutro modo manterão a espiritualidade sujeita à jurisprudência. Em vez de acentuarem as suras agressivas de Medina podiam desenvolver a espiritualidade no sentido das Suras mais pacíficas de Meca.

As aspirações hegemônicas árabes, iranianas, turcas são difíceis de concretizar numa doutrina comum, de si hegemónica, mas que deixa a organização e a estratégia de aplicação dos seus objectivos a movimentos e caudilhos locais, mantendo-se ancorada no sistema patriarcal.

Na primavera árabe do norte de África (2011), os grupos fanáticos juntam-se aos rebeldes sedentos de mudança (a geração Facebook) e acabam por vencê-los. Também em 1978, Aiatola Khomeini se uniu aos comunistas revoltosos contra o Shah Reza Pahlavi da então Pérsia (Irão) conseguindo, com o apoio deles, instalar a teocracia islâmica. A partir da revolução do Irão, o terrorismo internacional ganhou terreno, a passos largos.

A guerra do Iraque contra Irão era uma guerra entre sunitas (primeiramente apoiados pela USA) e xiitas – os USA intervieram contra Sadam Hussein e ao saírem instala-se um regime pior que o anterior; no Afeganistão sunita (equipado pela CIA e financiado pelas monarquias árabes sunitas) dá-se a guerra contra comunistas (União Soviética) que se retiraram em 1989. O radicalismo sunita é financiado por uns e o radicalismo xiita por outros. Os USA, a Rússia e outras potências servem-se das lutas internas entre os diferentes interesses muçulmanos para se assegurarem do petróleo e fomentarem a indústria bélica e depois do conflito ganharem com a reconstrução.

A opinião pública e publicada, subestima a realidade islâmica que pressupõe governos autoritários ou déspotas que possibilitem estabilidade que possibilite o desenvolvimento económico e cultural para poderem um dia viabilizar a formação de uma sociedade civil avançada. Os mesmos que jubilavam com a primavera arábica fomentavam ingenuamente a fragmentação da Síria com o apoio armado da ISIS contra o ditador Assad. O preço está a delinear-se na divisão do Iraque em territórios xiita, sunita e curdo com a perseguição e expulsão dos cristãos.

Vítima real e intelectual torna-se quem não possui capacidade de diferenciação e de integração. O passo para a fraternidade de povos e religiões pressuporia a renúncia à verdade empedernida, em benefício do compromisso construtor de colaboração e de paz. Tudo fala, tudo berra e ninguém se preocupa em descobrir quem produz a guerra, quem fabrica as armas e as redes que ganham com elas. Os cavaleiros de Maomé, fieis ao Corão sentem-se os senhores e guardiães de Deus e da Verdade e os defensores da democracia, sentem-se os senhores das riquezas do mundo. A verdade de uma religião ou de uma civilização não se reduz à teoria ou ao discurso, ela só se pode ver nas obras.

A vida humana e social é uma teia de conflitos, pelo que, o essencial não é ver quem tem razão, mas resolver conflitos. Querer possuir a verdade absoluta significa subestimar a vida e não se desenvolver. A Verdade é a-perspectiva e como tal é um processo numa relação trinitária pessoal e dinâmica na unidade do eu-tu-nós. A terra é grande, Deus é maior, nele há lugar para todos. “Bem-aventurado os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus.” (Mt 5:9)

Religiões são parábolas da realidade que expressam a antropologia e a sociologia de uma civilização. Religião verdadeira é a que faz do Homem irmão independentemente de raça, credo ou cor!
©António da Cunha Duarte Justo
Jornalista
www.antonio-justo.eu

 

O ENSINO PRIVADO NA ALEMANHA

A Procura do ensino privado ou particular aumenta

Por António Justo
Segundo dados do Instituto Federal de Estatística na Alemanha, o Estado gastou em média, por aluno da escola pública 5800€ em 2010. A despesa escolar por aluno diferencia-se segundo o tipo de escola. Assim os custos por aluno nas escolas primárias totalizaram 5200 euros, nos liceus e escolas abrangentes 6600 Euros, nas escolas profissionais do sistema dual 2500 euros por aluno (neste sistema o aluno passa metade do tempo na escola e a outra metade no local profissional de aprendizagem, isto é, na empresa).

Na Alemanha há 5.600 escolas privadas. As escolas particulares, reconhecidas pelo Estado, recebem subvenções financeiras num montante de 84% (dos custos do ensino estatal); destes 78 % são suportados pelos estados federados, 4% pelos municípios e 2% pelo governo federal (referência de 2009).

As escolas privadas ficam mais baratas que as estatais; assim em 2011 o Estado poupou, através das escolas particulares, cerca de 1,2 bilhões de euros (cf. http://de.wikipedia.org/wiki/Privatschule) .

O ensino particular ou privado destaca-se, segundo estudos PISA, em maior qualidade e eficiência. Naturalmente que também há uma certa diferença entre muitos alunos frequentadores das escolas privadas e das públicas, o que relativizará um pouco os termos de comparação a nível de eficiência de notas.

Ensino privado na minha cidade

A cidade Kassel, onde de momento me encontro, tem 200.000 habitantes e destes 32.600 são alunos de escolas estatais e privadas. 2.600 frequentam o ensino privado. Nos últimos anos o ensino privado tende a aumentar. As escolas de maior referência são a Católica e a Waldorf. A escola católica teve de recusar aceitar mais alunos por falta de espaço. Este ano, a Escola Waldorf aumentou a sua capacidade de 780 para 800 alunos. As taxas escolares levantadas pelas escolas privadas orientam-se pelo porta-moedas das famílias. A contribuição base é 90€ mensais (Na Alemanha o ensino é da competência dos estados federais pelo que há diferenças entre eles). No Estado da Baixa Saxónia, a taxa escolar não pode ultrapassar os 300€ mensais. Naturalmente que há diferentes tipos de escolas privadas ou particulares com diferentes serviços.

A maior parte dos pais paga mensalmente em Kassel, na Escola Waldorf, 200 euros por filho. Uma família, com um vencimento ilíquido mensal de 4500€, paga, nesta escola, por 4 filhos, 764€ mensalmente (Cf. HNA, 5.9.2014). As 10 escolas privadas existentes em Kassel são financiadas pelo Estado e pela taxa escolar que cada escola privada levanta. Das 10 escolas 4 são Escolas de fomento especial; estas são financiadas integralmente pelo Estado não podendo elas levantar taxas próprias. Os pais vêem contemplado nas Finanças, no acerto dos impostos do final de ano, os gastos tidos com a educação.

A Procura do ensino privado ou particular aumenta

O aumento de procura das escolas privadas deve-se à crescente insatisfação dos pais em relação às escolas estatais, ao aumento de exigências das famílias em relação à escola, ao ensino bilingue nalgumas delas, ao fomento individual do aluno, etc.; a escola particular tem de se preocupar com a satisfação dos clientes (alunos e pais) de que estão também dependentes, as escolas colocam os professores, o que permite escolha mais acurada, menos horas de falhas, maior estabilidade e menos ingerência educativa do Estado no foro privado da pessoa (educação sexual), etc.

Oferta e procura regulam o mercado para satisfação de uns e de outros. Uma vez que o sector público financia justamente o ensino privado, este não se torna tanto apanágio dos ricos. Por isso não se torna acuta uma discussão polarizante entre o sector estatal e o privado. Ou uma discussão de trincheiras ideológicas como se observa nalguns países entre os defensores das razões do estado e os protagonistas das razões do cidadão particular. A missão dos Governos e dos partidos é servir bem as crianças e não as ideologias. Trata-se de uma política de complementaridade respeitadora da diversidade, de todos para todos. A Alemanha fez a experiência do fascismo alimentado no ensino da escola pública e por isso reconhece também os problemas que este pode gerar.

No Estado do Hesse 7% dos alunos frequentam escolas privadas. Segundo as estatísticas dos países da OCDE, 14% dos alunos dos países membros frequentavam em média, uma escola privada. Na Alemanha 8%, na Holanda 67% , na Irlanda 58% , na Espanha 35% e na Dinamarca 24% dos alunos.
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu