TEMPO DE FITNESS PARA CORPO E ALMA


A Quaresma corresponde a Nível Social ao Inverno da Natureza

António Justo

A natureza recolhe-se no Inverno para florir na Primavera. O Homem recolhe-se na reflexão para poder possibilitar a gestação e florir no Espírito.

Quarta-feira de Cinzas inicia o período da penitência pública de 40 dias de jejum, a Quaresma. Ela começa com o fim do Carnaval e estende-se até à noite pascal. O começo do tempo de interiorização e de penitência (Quaresma) é antecipado pelo tempo do Carnaval, em que vale a exteriorização, vale a carne. Trata-se agora de fazer um balanço e de adquirir o equilíbrio entre as necessidades de corpo, alma e espírito: A harmonia duma “ alma sã em corpo são”. Esta é uma necessidade existencial. Se observamos a natureza verificamos que ao seu período de activismo (Carnaval) se segue um período de recolha e calma (a Quaresma), o período de Outono e Inverno. Esta é a época da preparação que possibilita a floração do espírito.

Muitas pessoas aproveitam este período para repousarem e fazerem um balanço da vida. Na Alemanha, como em muitos países de tradição cristã, muitas pessoas, crentes e não crentes, vão passar uns dias de repouso em conventos beneditinos e noutros. Podem participar na vida da comunidade, no canto dos 150 salmos que os monges cantam, de semana a semana, e participar em cursos de meditação e outras iniciativas. Há comunidades que disponibilizam estadia já a partir de 10 euros por dia.

Este pode ser um tempo de purificação, de queda de toda uma folhagem que impediria a transformação e a abertura para o novo. Entre essa folhagem, a cair, podem-se encontrar dogmas, ideologias e certezas que parasitariamente se agarram à casca da nossa existência e nos roubam a capacidade de sensibilidade ao Sol da vida que raia.

O período da Quaresma corresponde aos 40 dias que Jesus passou no deserto (tempo de preparação) e recordam o peregrinar dos israelitas do Egipto para a Palestina. É o tempo em que cada pessoa tem oportunidade de sair da roda de hamster do dia a dia. Páscoa é o tempo de passagem e a vida também!

Neste período não se trata de se mortificar ou de emagrecer; trata-se de proporcionar uma viagem ao interior de si mesmo, duma avaliação da própria vida e de entrar num processo de libertação. Trata-se de descobrir o que é que me impede de ser eu mesmo e de seguir o que a minha consciência me diz. O carrossel do dia a dia entrava, por vezes, a percepção de si mesmo e do próximo, arrancando-nos do processo que é a vida.

Em atitude de reflexão e de calma observa-se o próprio stress e descobrem-se as próprias mazelas. Ao olhá-las de frente e aceitá-las, como parte de si mesmo, abre-se uma chance à mudança. Então o Sol brilhar não só na nova folhagem a despertar mas passa a correr também por dentro de nós, na própria seiva. Então tornámo-nos nós mesmos. Livres e libertadores somos Páscoa, Sol também para os outros, a passar e a aquecer.

DIETA – JEJUM

No Inverno a natureza, depois de deixar cair a carga da folhagem que já serviu, entra num período de dieta, de preparação. Com a “Quaresma” a sociedade consciente da realidade entra em período de jejum.

Jejum (dieta) é um meio de facilitar a meditação e de se tornar consciente da própria corporalidade e espiritualidade; é o tempo propício ao encontro do essencial, é a oportunidade para a descoberta da natureza de Cristo em si mesmo e descobrir o eu numa relação de descoberta do tu e da vivência do nós que se realiza na comunidade peregrinante. Teologicamente poder-se-ia expressar esta consciência processo na realidade trinitária de que fazemos parte. Tal como a natureza, cada pessoa, cada povo, cada cultura, cada religião encontra uma forma própria, um ritual que o integra num processo de caminhada, de Páscoa universal.

Segundo estatísticas o jejum das pessoas, nesta época, expressa-se por ordem decrescente na renúncia a álcool, doces, fumo, carne, TV, computador, etc. Especialmente durante o tempo de Quaresma, os crentes são convidados a partilhar os seus bens com os mais pobres.

Na Idade Média, Quarta-feira de cinzas era o dia do início da penitência pública da igreja. Os penitentes, ricos e pobres, vestiam o traje (saco) da penitência e eram polvilhados com cinza.

A partir do século X o hábito da penitência pública começou a tornar-se mais raro restando o rito simbólico de quarta-feira de cinzas em que o padre faz uma cruz na testa dos concelebrantes com cinza. A cinza é proveniente de ramos de palmeira e de oliveira do ano anterior (Domingo de Ramos). A cruz que o padre assinala na testa dos crentes é acompanhada com as palavras “lembra-te ó Homem que és pó e em pó te hás-de tornar”.

A Igreja cristã solicita dos crentes jejum, penitência e meditação, especialmente durante estes 40 dias, e a renúncia à carne, pelo menos às sextas-feiras. Um estômago demasiado pesado impede a meditação e a percepção do corpo e da alma no seu todo e não  predispõe à mudança, à metanóia, não se abre ao outro.

António da Cunha Duarte Justo