BOLSONARO GANHOU PARA ALEGRIA DE UNS E TRISTEZA DE OUTROS

A Luta é grande porque o Brasil promete muito

Por António Justo

Depois de 14 anos no governo, o Partido dos Trabalhadores tem de passar o poder para Jair Bolsonaro (PSL) que no dia 28.10. obteve 55,13% dos votos válidos (57,7 milhões de votos) e Fernando Haddad (PT) 44,87% dos votos, (47,03 milhões de votos).

Como se constata, as forças de interesses, num sistema democrático, alternam-se ciclicamente como é natural em democracia. Bolsonaro utilizou dois tipos de rectórica: o discurso abrasado e guerreiro contra a esquerda e a imprensa, no Facebbok e agora, como vencedor, usa um discurso mais conciliador nas emissoras da TV. Na política concreta a alegria passa depressa, o que perdura de seguida é a realidade triste do povo.

Na consequência da eleição de Bolsonaro, a Esquerda vai sofrer, também, pelos erros que fez durante 16 anos de governo, e a Igreja católica por não o ter apoiado. Bolsonaro tinha-se referido depreciativamente à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) chamando-a “banda podre da Igreja Católica”. Esta que se tem colocado ao lado dos índios, dos pobres e da reforma agrária vê-se agora difamada por quem está interessado em fomentar o capitalismo liberal.  Esta Igreja ao lado dos pobres vê-se polemizada também por seitas interessadas no poder, que apoiaram declaradamente Bolsonaro, como é o caso da “Igreja Universal”.

É lamentável que muita da esquerda moderada se deixe levar pela agenda da extrema esquerda, no seu programa anticristão, e não reconheça o esforço da Igreja católica brasileira, na dedicação aos pobres e com a teologia da libertação.  Quem ataca Deus nega o povo; a esperança não relega a vida para o futuro, a verdadeira Esperança vive agora, produzindo já futuro.

Quem nega o direito de existência ou legitimação séria a um grupo, pelo simples facto de ser religioso ou católico, não se deve admirar vendo depois surgir seitas cristãs, interessadas, também elas, no domínio político e deste modo a tornarem-se a sua concorrência. Os extremismos a que se chegou no nosso palco cultural ocidental preparam o solo para seitas religiosas acordarem e sentirem o cheiro do poder; então a agitação ganhará terreno e os atuais partidos passarão a sofrer com a concorrência que provocaram.  A inteligência destes secularistas deveria chegar a reconhecer isso como natural; para isso basta-lhes a experiência do atuar de grupos islâmicos que usam a sua religião política para justificar a sua intervenção. O pior que poderia acontecer seria o fortalecimento de grupos cristãos politizadores da religião, também eles sedentos em participarem do bolo do poder político no Estado. Os seguidores da agenda ligada à “ideologia do género”, no seu radicalismo e na luta contra o cristianismo ao esbanjarem parte dos melhores bens da cultura ocidental, empobrecem o povo, tal como o filho pródigo. Radicalismo fomenta radicalismo! Não se trata aqui de diabolizar um grupo para se afirmar o outro, mas de trabalharem uns e outros no sentido de um equilíbrio. O extremismo ou a consciência dos ultras expressa-se também na maneira fácil como se designa um grupo de extremista. A exclusão que criticam praticam-na eles também. O meio termo suporta os extremos e por isso é mais forte.

Por outro lado, é compreensível a impaciência da esquerda radical da América latina e da Europa que não quer aceitar uma realidade que contraria a sua agenda de luta cultural. Reagem, como meninos mimados por uma imprensa do sistema que favorece o seu discurso. Por isso os mais espertos empenham-se na difamação dos media virtuais (como o Facebook), onde, em parte, domina o discurso popular emotivo e espontâneo (isto enquanto os interesses organizados não estabelecerem, também nestes meios, o seu controlo). A esquerda radical sente a areia a fugir-lhe debaixo dos pés, por toda a parte, e como são activistas, não suportam passar muito tempo a lamber as feridas, porque a luta pelo poder, além de dar satisfação, é também o seu pão.

É triste ouvirem-se vozes, de muitos boçais da verdade e de donos da opinião dos outros, a quererem denegrir o povo brasileiro, por, desta vez, ter votado na “esperança” de melhorar um país que tem grande peso na América Latina.

Depois de tanto delírio no Brasil e na Europa, durante a campanha eleitoral, em que, entre outros, muitos cães de guarda das ideologias se esfalfaram, vai sendo tempo de se entrar na normalidade do dia-a-dia e de cada um regressar à sua loja, seja ela mais ou menos esquerdista ou mais ou menos direitista! A luta de uns contra os outros, não ajuda ninguém.

Bolsonaro é polarizador, mas ele ganhou contra o poder comunista enfraquecendo assim a agenda cultural socialista que vê contrapor-se-lhe o poder dos conservadores e isso é o que movimenta tanto fervor nas discussões. Em termos de luta, de que a esquerda revolucionária é perita, teria a direita muito a aprender, não fosse ela tão acomodada ao status quo!…

Nos meios de comunicação virtual lêem-se, frequentemente expressões indignas e depreciadoras sobre os eleitores brasileiros. E por sua vez, nos meios de comunicação social séria fala-se dos democratas PT e do extremista da direita Bolsonaro. Onde está a isenção? Se se fala do extremismo de direita porque não se fala do extremismo do PT? Ou não será que a base de orientação da opinião pública torce pela esquerda e esconde o seu extremismo lavando-se na critica ao outro?

Respeite-se o voto do povo brasileiro e dê-se a oportunidade a Bolsonaro de mostrar o que vale, após passados cem dias do seu governo. Então a conversa será mais objectiva porque referida a factos concretos e não a possíveis especulações nem à conjura de medos. O medo está normalmente ao serviço dos poderosos e dos que pretendem o poder, por isso estes fomentam o medo deste ou daquele, disto ou daquilo.  Ao poder interessa-lhe é a caça ao voto.

O Brasil inteiro é feito de uns e de outros! Que cada um regue a sua planta é natural, o que seria mal é se, cada qual, tentasse cortar as raízes da planta do adversário. Talvez um dia, quando percebermos que a realidade completa é feita de complementaridades e que a visão dela é apenas um dos pontos de vista, então passaremos a regar também a planta do vizinho para, como povo e como nação, podermos crescer e progredir qualitativamente. Esta atitude poderia substituir o princípio da luta exclusiva como meio de alcançar liberdade.

Nestas eleições os dois candidatos à presidência eram candidatos representantes de forças extremistas. Portanto, não seria inteligente afirmar-se “satanás” ou “Belzebu” porque o cum quibus da situação é que quem afirma aferrenhadamente um, fica automaticamente na pele do outro.

O desejo do povo é pão, paz, honestidade e união nacional! Importante é uma nova política dentro dos trâmites democráticos em benefício do bem-comum de todo o cidadão. De resto, os erros de uns tornam-se em oportunidade para os outros e, na hora da necessidade, – e ela expressa-se em todas as eleições – o povo não pode pensar porque a fome é que manda.

Um bom princípio é respeitar os outros, mesmo que sua opinião contrarie a minha. Em termos cristãos, cada um é livre de escolher o partido da sua inclinação política porque o imperativo categórico do cristão é a pessoa e a sua consciência individual soberana e livre, no empenho pelo bem de todos. Quanto mais cristãos sem medo se encontrarem nos diferentes partidos, talvez estes ganhem mais humanidade, mais humildade e a cultura mais diálogo, para isso os cristãos terão de tornar-se mais cristãos. Naturalmente o ser cristão ou o pertencer a este ou àquele partido não iliba ninguém do erro, porque antes de sermos crentes ou partidários somos principalmente seres humanos e, de momento, a sociedade parece desenvolver-se mais para o radicalismo do homo homini lupus. Quando chegarmos a tal extremo, então a “troika” oligárquica da ideologia e do capital consolar-se-á, porque, nesse caso, a lei substituirá a moral e o governo de uns poucos confortar-se-á com os rebanhos nos seus latifúndios.

António da Cunha Duarte Justo, Pegadas do tempo

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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

82 comentários em “BOLSONARO GANHOU PARA ALEGRIA DE UNS E TRISTEZA DE OUTROS”

  1. Tomas Gomes, O problema realmente é o cinismo que o real socialismo e muitos dos seus advogados usam, fundamentalmente, no trato do “cidadão”. Queriam vergar a teologia da libertação em marxismo. A impressão que tenho, é que não tomam a sério a pessoa; querem ganhar a sua luta mas sem o Homem, usam-se da indefinição para deste modo levarem pessoas boas e distraídas às águas do seu moinho. De facto há socialismo e socialismo; o socialismo de cunho materialista ao reduzir o Homem a mero produto da matéria não precisa de lhe reconhecer o aspecto pessoal transmitido pelo cristianismo, platonismo, etc. Em muito do seu engagement admiro-os mas não na sua filosofia e intenção final.

  2. José António Gomes . Quanto a não ir a todos os debates , a Dilma e o Lula também nã6 foram a todos os debates … O Bolsonaro não se está mostrando tão ignorante como o apontaram. Hoje mesmo descartou um seu amigo de mais de 30 anos, que desejava ser ministro, pela rede social foi lhe dado embora indiretamente um não por que a sua ficha a não é limpa. Assim o Bolsonaro cumpre uma das suas principais promeças de não ter no seu ministério alguém causado no judiciário . Eu vou esperar , vigiar antes de prever o CAUS..
    Tomas Gomes

  3. Tentando dar uma opinião retalhada : penso que o Brasil pela dimensão geográfica , populacional , de riquezas naturais e do seu passado sócio político económico , é o país do planeta mais difícil de dirigir politicamente . Notem como funcionou a fábrica de demagogos antes das ultimas eleições ? Pondo uma mão no coração , a comunicação social , a justiça e o patronato queixaram-se tal da dimensão da corrupção que, em 2016 , juntaram forças – sem se preocuparem com as vozes dissonantes- para apoiar a medida draconiana que se pode tomar numa democracia : destituir a presidente , Dilma Rousseff , eleita em 2011 . Contudo , esta indignação a propósito da corrupção e da criminalidade foi apenas um pretexto para desencadear o processo de destituição . Desembaraçando-se de Dilma , os actores desta má “Série Bond” colocaram nos comandos verdadeiros criminosos , pessoas cujas torpezas e comportamentos mafiosos relegam as acrobacias orçamentais da ex-presidente à categoria de pecadilho .No festival de façanhas criminosas que caracteriza o Brasil do “pós-Dilma”, as manipulações contabilísticas que justificaram a sua destituição parecem tão ingénuas que se pergunta como conseguiram os seus inimigos políticos e as estrelas do jornalismo da televisão Globo manter um ar sério quando espalharam aos quatro ventos a sua indignação . Eis, como a clã conseguiu colocar no poder num dos maiores países do Mundo um sistema (político) que de certo vai ser um descalabro total.
    Francisco Barbosa Velho
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  4. Discurso moderado, humano, compreensivo.
    Bem haja António Justo.
    Nesta esperança em Bolsonaro aparece alguma coisa que é de recear.
    A agressividade dos países que prefere como aliados.
    que nestes tempos se têm conduzido como criminosos de guerra.
    Refiro-me ao bloco israelo-anglo-americano
    Pedro Torres de Castro –
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  5. Pedro Torres de Castro, obrigado; a questão para mim não é de esperança, porque o poder afirma-se geralmente à custa de alguns: o PT teve a sua hora fez coisas boas e más; os seus erros o condenaram; agora seria a hora de Bosonário e os erros que ele cometer o levarão à victória de outros. Quanto ao achegar-se aos USA, trata-se de economicamente, com alianças conseguir levar o Brasil para a posição que mereceria, atendendo às riquezas do Brasil e do seu povo. Quanto a mim sou contra o neo-liberalismo que se torna avassalador. Prefiro um sistema de mercado social surgido na Alemanha e tinha em conta as encíclicas sociais católicas e que levou o Estado a ter um certo controlo sobre a economia de maneira a ela ser responsabilizada em termos sociais e de assistência. Para mim, a Alemanha fez um grande erro ao adoptar o neoliberalismo e as filosofias do utilitarismo anglo-saxónicas.

  6. Tudo o que escreveu eu subscrevo vivamente.
    Que Bolsonaro que se proclama católico, não se esqueça das encíclica s do Magistério Social daa Igreja

    Pedro Torres de Castro –
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  7. Realmente precisaria de um Team de pessoas queo aconselhassem no espírito da doutrina scial da igreja que vai muito mais além do que pretendem muitos sindicatos motivados apenas por ideologias. O perigo para Bolsonaro será a incompetência dos seus assistentes. De facto há grupos só interessados no poder pelo poder.
    Pedro Torres de Castro
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  8. É preciso ser hipócrita para náo querer ver quo o Brasil de hoje náo é um produto do PT , mas sim um resultado de centenas de anos onde amigos da Humanidade trabalharam em prol do país e do seu povo !!
    Mário Lds Botas
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  9. Mesmo que o PT tivesse feito assim tanto mal…16 anos sáo quase insignificantes perante uma avalanche de centenas… mas disso náo falam muitos.
    Mário Lds Botas
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  10. Naturalmente que o desenvolvimento da sociedade e do Homem são contínuos processos. Mas equivocado seria reduzir a complexidade do processo humano e social apenas a uma causa. Os que falam para um público sem tempo para investigar a História procuram influenciar o povo reduzindo tudo a uma monocausalidade da situação e que declaram de colonialismo e de capitalismo.
    Mário Lds Botas
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  11. As causalidades teem as suas raíses , náo só psiquicas como intelectuaus e espirituais . Para bom entendedor meia palavra basta.
    Mário Lds Botas
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  12. Mário Lds Botas, a raiz do bem e do mal está no Homem independentemente da sua ideologia ou época em que vive; mas a sede de poder e o orgulho organizado a nível de estruturas e de corporativismos servem-se da posição e do seu saber, mais para dominar o povo e menos para o libertar. Esta é a História do Homem em todos os sistemas. A sociedade, tal como o Homem encontra-se doente, mas como todos nos encontramos empalamados não notamos a doença ou pensamos que os doentes são os outross!

  13. .. e daí que uma modificacáo , introspeccáo , religacáo será sempre um acto individual e conditio sine qua non para uma mudanca…
    Mário Lds Botas
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  14. …daí que bolsonarismos náo anteveem grandes esperancas.
    Catolicismo em parte . Considero que o budismo e os ensinos védicos váo mais longe…
    Mário Lds Botas
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  15. Pois… os alemáes e outro tambem lancaram um grito pela situacáo deficitária . onde isso foi para sabe-se.
    Mário Lds Botas
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  16. Parte do budismo foi inculturado no catolicismo já no princípio do cristianismo tal como na filosofia grega. O budismo fomenta mais uma posição individualista e materialista.Esta é a experíencia que que a História nos lega e por isso não podemos ficar presos a um grito ocasional ou a um dado meramente circunstancial.

  17. Náo António Cunha Duarte Justo… o budismo é mais humilde , mais sobrio e parte do pouco que somos sem lanca,mentos de hipóteses apriori.
    Mário Lds Botas
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  18. Mário Lds Botas, é um tipo de ética-religião próprio para a Ásia e onde muita gente do ocidente se sente em casa porque dá resposta ao individualismo e à despersonalização de uma sociedade europeia decadente que procura uma ética ou ideologia à la carte! O prório Dalai Lama disse que o que serve para uns não serve para outros. Naturalmente a luta contra a cultura ocidental está interessada em fomentar uma religião com a imagem de um deus impessoal. Quer com isto reduzir o indivíduo a uma gota que se perde no oceano. Isso vai de encontro ao materialismo propagado por grandes grupos económicos e da ideologia.

  19. Caro António Cunha Duarte Justo é perigoso tropecar sempre no desejo de um Deus pessoal que é um desejo infantil perante a infinidade da Criacáo. Nós somos uma gota no oceano e mesmo assim muito pessoais e isso náo tem nada a ver com materialismo, mas com uma nocáo clara das dimensóes em que existimos
    Mário Lds Botas
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  20. Pedro Torres de Castro –
    Consola-me ( e não prescindo) a ideia de Um Deus infinito com a capacidade infinita de se fazer presente e se tornar pessoal para cada um de nós.
    Nós que somos astronomicamente numerosos mas que, mesmo assim,
    somos finitos.
    A caminho de sermos -esta é a promessa – mais do que as areias da praia, mais do que as estrelas do Céu.
    Pedro Torres de Castro
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  21. Pedro Torres de Castro , voce próprio responde à sua afirmacáo. Náo prescinde de um consolo que uma ideia lhe dá.
    Mário Lds Botas
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  22. Uns tropeçam na afirmação de Deus outros tropeçam na negação de Deus. Uns e outros quando se combatem não notam que tropeçam na própria ideia que formam de um Deus ou não Deus. A luta contra Deus é o subterfúgio da luta contra o Homem como a luta contra o materialismo é a luta contra o Homem. Na natureza e no pensamento tudo é complementar e querer negar uma complementaridade contra a outra é o isntrumento que serve o domínio e a guerra.

  23. António Cunha Duarte Justo, precisamente para náo se tropecar náo se afirmam dimensóes apriori. Mantem-se uma sobriedade coerente e tenta-se com as ferramentas limitadas que possuimos trilhar um caminho que leve as descobertas que precisamos. Se um Deus existe Ele se manifestará quando o desejar. Enquanto isso náo acontecer teremos de seguir o nosso próprio caminho.
    Mário Lds Botas
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  24. É de facto ideia.
    Mas pergunto, as ideias são meras segregações do cérebro tão pessoais como a bilis que a vesícula emana?
    Acho que não erro muito ao supor que as ideias são construídas a partir de materiais que nos vieram de fora.
    Sendo espirituais é de esperar que muito as devamos ao Espírito.
    Ao Espírito por excelência.
    E, fico por aqui.
    Pedro Torres de Castro
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  25. Supor náo é comprovar e a a natureza sabe reger e dar a sobrevivencia aqueles que procuram acertadamente a solucáo e o caminho certo. Poderá náo ser justo mas é uma dimensáo que nos permite avancar no conhecimento e a prova real se nos confundimos em disparates culturais ou se percebemos inteligentemente aquilo que a Criacáo sugere.
    Mário Lds Botas
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  26. Caro Mário, para terminar desejo ainda dizer uma impressão sobre o discurso político: vivemos todos num mundo de cegos quando queremos definir definitivamente o que é a realidade, a história e seu fim. O problema é que cegos pretendem guiar outros cegos e pretnder-se que uma segueira seja melhor que a outra. O pior da cegueira é cosiderar que o que a própria cegueira pressente é que é verdadeiro, a ponto de considerar o próprio infantilismo como melhor que o dos outros (Esta é uma necessidade natural de autodefinição que para se sentir ele recorre à ilusão do querer separar). Por isso continua muito acertada a máxima grega atribuída a Sócrates e inscrita no Templo de Apolo em Delfos: “Homem conhece-te a ti mesmo”, mas como pode a cegueira humana reconhecer a cegueira em si, se os seus olhos só estão virados para fora, e a sua certeza vem-lhe de dentro, da natureza de cego.
    Independentemente de cairmos numa fixação de denominarmos um na tradição materialista e outro na tradição espiritualista, é um facto que a crença num Deus pessoal constitui um dos maiores factores que criou a nossa civilização ocidental, a civilização que deu à luz os direitos humanos e que levou o Homem ocidental a uma certa autonmia individual embora reconhecendo na comunidade e na natureza a própria casa (Em termos cristãos na divindade se reúne toda a realidade numa relação recíproca e mútua de identidade e comunidade (eu e nós), de que o Jesus (matéria) e o Cristo (divindade) se reúnem numa unidade. Também o Budismo tem os seus valores próprios que se expressam na sua vida e na sua história. Todo o texto pressupõe o seu contexto e é sempre analógico. É natural que também na nossa civilização houve muita injustiça da parte dos crentes em deus e por parte dos crentes ateus tal como dos crentes materialistas. Nem a crença em Deus nem a crença ateísta conseguiram criar uma sociedade estável pacífica. Uns baseiam a existência da matéria em Deus e outros baseiam-na na própria matéria pensando que a maneira como encaram a matéria como fonte e fim de todas as coisas e como a única medida da realidade; cada um define-se na ilusão de definir o outro. A grande ilusão que divide as pessoas é querer definir a sua ilusão da realidade contra a ilusão da realidade dos outros. Cada um perde-se na definição (a nossa conversa é precisamente uma explicação de como a guerra e não a paz parece ter, por natureza, a sustentabilidade; mas somos seres humanos, fontes de luz e de trevas)

    Para não tornarmos o nosso discurso ofensivo seria interessante reconhecer o porquê das ilusões que somos chamados a reunir em torno de cada um de nós para nos percepcionarmos como algo reais. A filosofia do conhecimento está consciente de que para reconhecer passa sempre pela percepção e, para tal, pretende conhecer a maneira e processo como se chega lá. Ao meditar no processo reconhece que o conhecimento não é monolítico nem se pode reduzir a uma só caminho, a uma só lógica. Por isso inclui a dúvida como método para o desenvolvimento, para se desenvolver o pensamento. Querer identificar perceptor, experiência e objecto de experiência sem reconhecer a dependência de uns com os outros é o melhor meio para a luta mas que não passa de uma necessidade intrínseca de se querer definir. O problema não vem só de uma percepção êrronea querer impor-se à outra por natureza também errónea; o problema é o erróneo considerar-se realidade ou verdade, pondo-se assim fora do processo. Ao querer definir-me como simples objecto que crê em Deus tornou-se vitima da própria crença ou definição; também eu não posso naturalmente identifica-lo como um simples materialista, agnóstico ou budista, porque isso seria a lógica da ilusão que quer materializar, definir, dar um nome, para poder dominar, considerar o outro anátema, ou fora da ordem que se quer como a Ordem. Já falei do mito da caverna de Platão para enquadrar a ilusão do eu e do mundo exterior. Para mim, como me encontro em casa da cultura ocidental, muito embora reconhecendo a casa de outras culturas para outros, e da legitimidade dos diferentes partidos, opto pela dúvida como processo de não nos deixarmos levar pelo que aparece seja material ou espiritual. Sempre gostei da dúvida de São Tomé que pretende ligar a visão espiritualista à visão materialista, sem a necessidade de recorrer à ilusão de fixação numa definição e assim reconhecer a realidade como processo para não recorrer a definições definitivas ou a chamar nomes feios a outros, como pretenderia a ilusão existencial. Por isso sempre falo da complementaridade dos pensamentos e das coisas e da a-perspectividade da realidade; deste modo não preciso de designar ninguém como cego ou como sábio; cada um é ele e as suas circunstâncias e e uns precisam mais que outros de afirmar as suas circunstancias para se definirem e terem a ilusão de serem melhores que os outros..

  27. Caro António Cunha Duarte Justo , as suas consideracóes sáo as de um homem muito culto e inteligente e o que expóe tem toda a pertinencia. No entanto o que eu lhe transmito o tempo todo é primariamente muito simples. É de toda a coerencia e de toda a necessidade ser humilde e consequentemente saber conhecer os nossos limites que a própria existencia define. Estes limites permitem-nos a utilizacáo de algumas “ferramentas” para uma evolucáo limitada pelo espaco e pelo tempo. Tudo o resto sáo pressupostos que requerem comprovacáo da Criacáo ou do Criador se assim o quizer formular Se respeitarmos estes limites náo cairemos assim muito em cegueiras , ilusóes e crencas. Náo vejo até agora conhecimentos, visóes ou posicóes que náo confirmem que acreditar nos maiores disparates é sem duvida um previlégio do ser humano porque realmente isso na Natureza / Criacáo náo existe
    Mário Lds Botas
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  28. O que a crença é para a religião é a teoria para a ciência. Fé e convicção, ciência e ideologia fazem parte do desenho da vida cotidiana, são instrumentos de abordagem à realidade.
    Não reconhecer que, tanto a crença como a teoria (a crença científica), não se podem identificar com a realidade (objectivar) que pretendem descrever, leva a confundir o pensamento, a hipótese com a coisa. Se a ciência procura descrever a coisa (a chamada realidade) a teologia metafísica procura o seu sentido. Só uma complementaridade dos saberes pode aproximar-nos de nós e um pouco da realidade. Não podemos reduzir tudo ao estudo da física e da química. Doutro modo parecemos como os cegos que na arena procuravam descrever um elefante: no fim começaram todos à porrada porque se para um que tinha pressentido a perna do elefante, este era definido como uma coluna, para o que tinha abordado a tromba, o elefante era um chafariz!

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