Economia Social de Mercado como Resposta às novas Exigências económicas e sociais

Da Conexão do Princípio individual protestante com o Princípio social católico bem como do Capitalismo com o Socialismo

António Justo
A Europa precisa de um sistema económico próprio. O que a Alemanha conseguiu e outros países não conseguiram, no pós-guerra, deve-se à sua capacidade de integração do princípio individual protestante e do princípio social católico. De uma luta cultural secular entre católicos e protestantes, da experiência das duas grandes guerras mundiais e da experiência dos dois sistemas políticos antagónicos, que vigoraram nas Alemanhas, surgiu uma cultura integral alemã do compromisso e consequentemente um novo projecto económico que se expressou na Economia Social de Mercado (ESM) e num exemplo para a Europa e para o mundo. O milagre alemão, fruto desta teoria económica demonstrou os benefícios da nova via da economia social ao integrar nela a visão económica socialista e capitalista de forma moderada.

Com a queda da União Soviética e a fundação da UE e com o consequente acentuar-se do globalismo capitalista liberal, a economia social de mercado tem sido destruída por um sistema económico anglo-saxónico que dá prevalência ao princípio individualista e à razão do mais forte sobre o princípio social e comunitário.

Alfred Müller-Armack, pai da Economia Social de Mercado, definiu-a como a “combinação do princípio da liberdade no mercado com o princípio da igualdade social”. Assim a economia social de mercado traz nela a fórmula de pacificação social ao tentar um equilíbrio razoável nos “ideais de justiça, liberdade e crescimento económico”.

O Chanceler Ludwig Erhard, executor da economia social de mercado, vê nela o meio de alcançar o “Bem-estar para todos”. Assenta na base de uma economia competitiva de empresas livres que, através do seu sucesso económico conectado com a comunidade, possibilitarão o progresso social.

A ESM possibilitou o milagre económico alemão. Era uma espécie de terceira via entre a economia de mercado puramente liberal (EUA) e a economia de mercado dirigista sob o controlo do Estado (União Soviética, mais concretamente, Alemanha socialista – DDR). Esta nova teoria económica quer encetar um caminho novo entre o capitalismo puro e o socialismo puro. Em 1949, o partido CDU sai à rua com o novo slogan da política económica “economia social de mercado” que aponta para uma regulamentação económica moderada, em oposição ao dirigismo “economia estatal planificada anti-social”.

Em 1959, o SPD que até então seguia uma ideologia socialista semelhante à dos partidos irmãos latinos, tornou-se mais pragmático devido à amarga experiência com o socialismo real da Alemanha socialista que o levou a elaborar o seu “Programa de Godesberg”, onde assume, também ele a (ESM) na sua política (saber de experiência feito) e abdica do seu slogan pelo “socialismo democrático” até então seguido.

A (ESM) tornou-se desde 1950, de facto, na ordem económica da República Federal da Alemanha.

Surge a designação de “capitalismo renano “ em contraposição ao “capitalismo anglo-saxónico”, procurando integrar nele a ESM. A Alemanha, sociedade metade católica e metade protestante, integra, assim, a política protestante centrada no indivíduo e a política católica mais centrada no comunitarismo. Deste modo a RFA conseguiu conectar a economia livre com o estado social. O estado intervém na economia com medidas reguladoras, de política social, política económica e de políticas do mercado de trabalho reguladoras, no sentido de corrigir excessos e defender o equilíbrio do bem-comum.

Na concorrência mundial, tem sido contestada uma certa política social paternalista da Alemanha e de outros estados. Facto é que a Alemanha se tornou, com a UE, num símbolo de desenvolvimento e num íman de trabalhadores e de pessoas aventuradas de todo o mundo.

Entretanto a economia, ao não levar consigo o Homem, degradou-se. A sua política, pragmatista e meramente mercantilista, tem-se desviado dos princípios cristãos. O sistema económico anglo-saxónico passa a ocupar todas as áreas da sociedade. A filosofia liberal do pragmatismo e do utilitarismo (modelo inglês e americano) afirma-se contra a Economia Social de Mercado de caracter mais europeu, baseado no modelo sociopolítico de princípios cristãos (igualdade de oportunidades e responsabilidade social que se expressa na solidariedade, subsidiariedade e justiça social) que a Alemanha adoptara (cf. Encíclicas sociais).

A doutrina social da igreja pretende que, ao lado de uma visão individualista liberal da pessoa humana, se afirme também a imagem de pessoa ligada socialmente. Muita da tradição sindical tem as raízes nela.

Nos tempos actuais, torna-se preocupante observar como o capitalismo (filho do protestantismo) tem vindo a dominar a sociedade europeia numa aliança tácita com o socialismo. Mais revelante ainda, o facto de o socialismo, por natureza filosófica mais perto do catolicismo, combater este sistematicamente. Vai sendo tempo de constituintes diferentes da filosofia cristã (protestantismo, catolicismo, capitalismo e socialismo) reflectirem mais sobre as suas raízes comuns e a mensagem cristã de servir o Homem e a sociedade. Precisam-se todas as forças irmanadas porque a tarefa é global, exigindo uma estratégia comum consciente da complementaridade das partes. A inclusão a nível de teorias e práticas levarão a uma orto-praxia crítica e construtora de paz.

A economia de cunho protestante inglês e americano não teve tanto a influência da doutrina social católica, ao contrário do que aconteceu na Alemanha e na Áustria, daí a diferente maneira de estar política e social dos EUA e da Europa.

A liberdade económica para ser justa tem de andar de braço dado com a liberdade política. A política encontra-se, de momento, sob o ditado económico desenfreado, devido ao apadrinhamento do liberalismo capitalista incontrolado que se afirmará ainda mais com os tratados TISA e TTIP. Segundo os economistas Dieter Cassel e Siegfried Rauhut a economia social de mercado foi “muito desacreditada e degenerou numa fórmula vazia”.

Grécia: Sintoma dos exageros económicos e ideológicos da UE

O povo grego disse não a um programa, um não ao empobrecimento social. A Grécia disse não a uma política europeia que desfoca e turva os pontos de encontro entre criminalidade organizada e sistemas económico-financeiros, também eles, organizados criminosamente. O povo grita porque quer pão e moral; o povo quer que se cure a democracia para se poder preservar a paz. A europa está doente, porque, contra a ESM, protege os Bancos e os super-ricos e manda o povo pagar os custos sociais.

Para uma reflexão séria e a reorganização económica urgente, resta à Europa tirar das prateleiras a doutrina social da igreja que orientou a política financeira da economia renana e integrar a experiência prática dos sistemas políticos capitalista e socialista.

Será de conseguir o que a Alemanha pós-guerra conseguiu: integrar o religioso e o secular, integrar a consciência moral individual e a consciência moral social na vida nacional, integrar o capitalismo e o socialismo. Seria de tentar desviar energias que se perdem nas lutas ideológicas e partidárias, para uma luta cultural europeia séria que produziu diferentes maneiras de ver e de ser. Não revelaria inteligência sadia continuar a contentar-se em viver nas trincheiras capitalistas e socialistas, repetindo posições jacobinas da revolução francesa em repúblicas que se pretendem modernas.

António da Cunha Duarte Justo
Jornalista
www.antonio-justo.eu

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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

2 comentários em “Economia Social de Mercado como Resposta às novas Exigências económicas e sociais”

  1. Olá, António.
    Mais um excelente artigo da tua lavra. Deixa-me, entretanto, partilhar alguns dos meus pontos de vista sobre o assunto. Obviamente, sobre a Alemanha tens outra informação e vivência diferente das minhas, desde logo pelo domínio da língua. Não te esqueças, porém, do novo paradigma mundial que surgiu no dealbar do século XXI com a globalização e a concorrência de países que estavam fora da órbita ocidental. Contrariamente ao expectável, a globalização não criou um modelo integrado de economia que envolvesse a participação e partilha de recursos e experiências. Entrou “por cima” utilizando um modelo made in USA, já há muito testado e provado. Não parece hoje possível a Europa social que criou o progresso pós-guerra voltar a vingar nos mesmos termos. Os mercados mudaram e, na minha opiníão, não será em breve,( se é que algum dia será), que a social democracia europeia encontrará o caminho perdido.
    Os sinais não são bons. O acordo comercial UE-USA é mais um acorde no requiem anunciado. Suspeito bem que antes que surja um finale grandioso haverá ainda muitas fífias no concerto das nações.

    Um abraço,
    Manuel Sousa

  2. Caro Manuel Sousa,
    obrigado pelo pertinente comentário. Como estou muito dentro da sociedade e da cultura alemã custa-me ver como uma vida social e económica alemã cada vez se degrada mais por querer acertar o passo com os EUA e ao mesmo tempo atraiçoar o idealismo Alemão mais “europeu” do que o iluminismo francês e o utilitarismo e pragmatismo inglês.
    Nos últimos 20 anos a vida económica e social tem piorado na Alemanha na direcção do que já existia na França.
    É verdade, contra os factos não há argumento que resista, mas a banalidade factual em que vivemos é de questionar; necessita-se mais e mais quem reme contra a onda e recorde valores que se têm sistematicamente destruído em nome dum progresso meramente ideológico, como se o progresso pudesse substituir a “fé e a esperança”.
    O modelo de economia (Economia Social de Mercado)não agradava ao paradigma dos USA e do grande capital internacional e como bem dizes foi subjugado pela ideologia e pelo mercado “made in USA”; este foi também o preço a pagar pela reunificação das duas alemanhas e a Alemanha para se não tornar num colosso económico “ameaçador” da Europa tinha de ser atada à Europa.
    Concordo contigo; sou porém do parecer que não será de impedir uma derrocada do sistema financeiro vigente; com a falência do sistema, talvez se aposte mais numa filosofia menos fiel ao mercado e mais fiel ao ser humano. Então seria uma oportunidade para se pensar a sério na ESM . O pensamento judeo-cristão expressivo da filosofia grega e da administração romana aliada à síntese de outras mundivisões e filosofias conseguiu a realidade ocidental que com grandes reparações se poderia tornar num caminho para o Homem e para a sociedade, segundo o protótipo J. Cristo que optimiza o humano e a natureza na comunidade divina de que toda a humanidade faz parte (mistério da Trindade, que reúne o contraditório).
    Os acordos TTIP e TISA tornarão alguns produtos mais baratos na Europa mas a conta paga-a o pequeno e a qualidade dos produtos; tudo se processa à custa da transferência dos pequenos e médios agricultores para os latifundiários, à custa das empresas locais em favor das multinacionais. A Europa atraiçoa a sua missão histórica ao deixar-se levar só pelo pragmatismo, a que nos sentimos obrigados devido às novas realidades (China, etc.). Apesar da realidade que nos sorve, temos exercitar as asas do pensamento que coloca o Homem como ser divino no centro do acontecimento. O turbocapitalismo reduz tudo a mercadoria. O caminho em que nos encontramos desagua na guerra.
    Grande abraço
    António Justo

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