Estratégia do colonialismo económico – Suborno cultural

Repensar a Democracia bruta sem Base nem Heróis

 

António Justo

 

O colonialismo económico é um polvo que adapta a sua cor ao sistema político e cultural. Actualmente tornou-se mais forte que a cultura: antes procurava miná-la e agora passou a determiná-la. Tornou-se abusador da Democracia na sua guerra contra as culturas.

 

Para tal, a ética política deixa de ser fundamentada nos valores culturais para ser determinada apenas pela economia liberal de mercado. Consegue-o impondo o pragmatismo/utilitarismo como filosofia política e de vida. O povo encantado dança a sua música, ao ritmo da flauta mágica do mercado.

 

Tornamo-nos todos espectadores de uma guerra, até hoje inaudita, a guerra das elites económicas contra as culturas. Na velha sociedade a burguesia determinava o andamento cultural; na actual são os novos-ricos que determinam o que se há-de acreditar e fazer. A maquinaria económica globalista destrói, por um lado, a dinâmica das estruturas sociais e culturais nacionais e, por outro, desestabiliza os Estados intervindo neles através do fomento da concorrência terrorista seja a nível de grupos subversivos seja a nível de produtos económicos. As sociedades dão continuidade à cultura da guerra, já não a nível de guerras declaradas entre nações, mas numa grande guerra económica liberal de guerrilhas ao serviço de alguns.

 

 A nossa democracia nasceu sob o prelúdio ideológico da guerra fria; pretendia abandonar um colonialismo suave e entrou no colonialismo rijo europeu, de cunho cada vez mais americano e universal. De colonizadores passamos a ser colonizados, primeiro por ideologias e depois pela Europa central que acabou com a nossa independência nacional (imperialismo da Troika: oligarquia europeia e mundial!).

 

A cultura é sistematicamente minada por uma política de legionários estrangeiros, bem pagos, que de patriótico só têm o sorriso. Modificam os nossos padrões de vida no sentido do liberalismo económico das grandes economias sem alternativas de sobrevivência honrada para os pequenos. Antes da opção da economia pelo globalismo, ela vivia principalmente da exploração da classe operária dentro do próprio país e da sua disciplinação através do recurso à imigração; com o globalismo e o seu instrumento Euro, a economia opta pela estratégia da exploração económica e social dos Estados. A estratégia de desestabilização político-económica e cultural dos países tem-se mostrado muito profícua para um capitalismo pragmático apiado, a nível estratégico, por um socialismo indutivo generalizado, também ele destrutor do sistema de valores culturais transmitidos e da coerência social dentro dos estados. Actualmente, grande parte do que se apresenta como desenvolvimento consequente da cultura ocidental, revelar-se-á como seu cangalheiro. A Aliança despercebida, em via, de capitalismo e marxismo como modeladores do pensar político correcto, revela-se altamente eficiente no seu sentido, tendente a idealizar o sistema chinês (nova forma de poder político integradora de capitalismo e socialismo). Com a cajadada na ética cultural enfraquecem os Estados de cultura e ao mesmo tempo fomentam a guerrilha entre as classes operárias e burguesas dos diversos países. Transfere a exploração da classe operária para a exploração dos Estados. A nível social interno, roubam a dignidade às crianças e aos velhos e transformam os cidadãos em pedintes de trabalho. O pragmatismo do mercado financeiro aproveita-se do nosso sistema partidário, todo ele demasiado reaccionário e fixado ainda nas filosofias do século XVIII e XIX. Quer esquerda quer direita são portadoras dum gene capitalista e socialista desumano que os atrela à economia.

 

As elites levedam a massa de modo a ser cozida no seu forno

 

O proletariado e as pequenas burguesias mantêm-se atraídos a espectáculos de feira, deixando-se distrair em discussões e campanhas que têm como objectivo desestabilizar o seu inconsciente cultural e deste modo desenraíza-los e disponibilizá-los para a aceitação das leis dum mercado anónimo e bárbaro. A elite do dinheiro e do oportuno consegue proletarizar a mentalidade de forma que esta reconheça, como não adequado, tudo o que aponte para a formação de personalidades e vontades com a capacidade de reconhecer não só a linha do horizontal como também a linha do vertical com componentes da dimensão real (intelecção e pragmatismo).

 

Assim, no autocarro da democracia insurgem-se grupos contra heróis e santos porque a sua presença e aura seria uma afronta à igualdade da massa democrática que se quer insegura, proletária, de cabeça baixa, sem horizonte nem Sol. O destaque reserva-se para o acidental dum vedetismo culto que se finge sem culto no firmamento da economia. A democracia quer-se “esclarecida e moderna” e, para tal, burla-se a massa mudando o nome às coisas e criando uma ética negativa negadora da comunidade e da verticalidade. A admiração e a gratidão, própria de amimais superiores já não parecem adequadas a uma massa que se quer não levedada, numa democracia bruta a viver só ao nível das necessidades vitais primárias. Esquece-se que até no reino irracional há valores superiores, valores de sintonia e solidariedade que brilham como o Sol no horizonte da caminhada.

 

Aquando da morte de Lawrence Anthony, que dedicou sua vida a salvar elefantes, deu-se um fenómeno insólito. Elefantes selvagens, pressentindo o falecimento do seu amigo, a muitos quilómetros de distância, deixaram a reserva, pondo-se a caminho da casa dele durante dias. Dois dias depois da morte de Lawrence (7.03.2012), 31 elefantes, em duas manadas, chegaram à sua residência sul-africana depois de terem andado 20 Km. Ficaram, dois dias sem comer nem beber, a fazer o luto pela morte do amigo; depois de prestada a homenagem voltaram para a selva. O reconhecimento e a gratidão não diminuíram a honra dos elefantes, pelo contrário, prestigiou-os, elevando-os à categoria de humanos.

 

Porque há-de o brilho duma outra pessoa ensombrar o meu brilho? Uma sociedade temperada com o adubo da concorrência facilmente se deixa ofuscar pelo fumo da inveja. Palavras como, virtude, sacrifício, caridade, missão, respeito, Deus, são enxovalhadas por questionarem o pensar propagado pelo pragmatismo hedonista corrente. Naturalmente que também as palavras estão sujeitas a evolução e há palavras distintas como a palavra mártir que são desacreditadas pela prática dos “mártires” muçulmanos suicidas que se matam matando. Esta é, porém, a negação da ideia de sacrifício que implica entrega amorosa pelos outros. A existência de pessoas respeitadoras da atitude de cada um, mas dedicadas ao voluntariado, ao serviço dos mais necessitados em hospitais, bairros pobres, missões, etc. parece incomodar pessoas que optam por estilos de vida mais orientados para o gozo imediato. A ideologia vigente não tolera, fora dela, luzeiros, porque prefere viver da banalidade do quotidiano irreflectido esquecendo que a natureza também tem lugar para os outros.

 

As boas obras têm uma aura respeitadora enquanto as más têm uma força arrastadora para o mal. A reflexão crítica que, por vezes, se levanta contra heróis, quer desconhecer as diferentes fases de desenvolvimento de cada individualidade. É óbvio que senhores de sucesso dúbio não gostem que se louve o sucesso alcançado servindo.

 

Uma ideologia irreflectida opõe-se ao heroísmo porque vê nele um ataque ao status quo, à igualdade democrática e ao princípio da comparticipação, como se a igualdade jurídica acabasse com as diferenças dentro da espécie ou do género. Também a democracia tem produzido muitas vítimas: as vítimas anónimas da concorrência desleal, de bens, de armas e da discriminação. Onde há vítimas precisam-se salvadores! Não precisamos de nenhuma casta que seja divinizada. Todos nós trazemos connosco o gene divino mas isso não significa que haja uma inclusão de igualdade pela rasoura como se não fossemos todos dignamente diferentes e como se a diferença não fosse um valor consagrado pela natureza. É óbvio que cada pessoa tem o direito moral a uma atitude interior de poder actuar ou não segundo requisitos morais. O dissenso deve originar-se em relação ao mal e não ao bem. A lógica dos críticos acerbes do heroísmo teria como consequência a desistência de todo o desporto e até de qualquer investigação científica que desse origem a um prémio Nobel. No desenvolvimento da identidade individual e da identidade de sociedades haverá sempre a rivalidade de incongruências a humanizar. No que toca ao heroísmo também há muita exploração dos sentimentos humanos em todas as eras. O facto de cada pessoa ser igual perante a lei não a iliba da diferença pela positiva ou pela negativa. A paz precisa de heróis porque se encontra embotada sob o manto duma democracia com políticos imunes sem rosto, demasiado iguais, e dum povo de rosto cada vez mais igual porque lavado na lixivia cultural da massa. Não se trata de defender aqui um modelo de sociedade antiga de caracter mais voluntarioso nem de condenar uma sociedade moderna permissiva; trata-se de reflectirmos para melhor podermos ser nós a decidir, sem os superegos antigos ou modernos, na construção dum mundo, cada vez, melhor.

 

A inveja e o individualismo parecem, por vezes, justificar a sacarificação da cultura à massificação de ideias leves e a uma proletarização de atitude e de espírito. A nossa democracia representativa tem muitas coisas boas, mas padece da falta de heróis do bem-comum: falta-lhe rebeldes da democracia (também de sindicatos e patronatos) que interfiram no processo, de modo a poder dignificá-lo. Para progredirmos, será indispensável repensar a nossa cultura em termos de restauração dos valores culturais pilares do nosso imaginário, cientes que a consciência individual e social precisa de contínua actualização (renovação). Ela tem sido devastada sistematicamente pelo barbarismo irresponsável de dançarinos dum pragmatismo engravatado ao serviço dos empertigados do poder. Para já precisamos de santos profanos e sagrados, de grupos fortes defensores da cultura, precisamos de pessoas da acção, que melhorando se melhorem. Os heróis da democracia não se encontram na mó de cima mas na mó de baixo. No sentido duma cultura cristã, herói não é o que ganha mas o que perde. Enquanto não entendermos esta lógica, a História continuará, cada vez mais na mesma, com a maior parte da sociedade a trabalhar para uma minoria abusadora e cínica.

 

Não chega uma ética pragmatista natural e económica: precisamos da matéria e do espírito como precisamos da comida e do ar para podermos viver; a primeira finalidade duma ética política será a cultura do bem-comum; uma ética respeitadora da alma da cultura numa tensão responsável, entre o velho e o novo, entre biótopo e cosmopolitismo, possibilitadora de uma motivação fundada e teleológica. Os interesses individuais precisam dum sistema que os integre.

 

Torna-se urgente uma política da justiça acompanhada duma política da verdade. Encontramo-nos a grande velocidade no retrocesso cultural. Deixar de acreditar na cultura, na solidariedade, na fé e no amor é voltar aos tempos bárbaros.

 

António da Cunha Duarte Justo

 

www.antonio-justo.eu

 

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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

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