Porque nos guerreamos mesmo no amor?


Sempre que vou à praça encontro pessoas e amigos/as com problemas que me tocam de perto porque elas e eles fazem parte da minha vivência. Encontro amigos e amigas que sofrem porque a relação com os seus parceiros não corre como, no seu sentir, seria de desejar. É um problema por que toda a gente que vive passa, quando entra numa relação mais íntima com alguém. Naturalmente que na relação de parceiros um naco pode ser mais difícil que o outro, correndo cada um o perigo de se fixar mais na parte escura do outro e assim esconder, inconscientemente,  a própria escuridão. Cada um envove-se então numa tarefa inglória, a tarefa de mudar o outro; o combate torna-se constante e com fim trágico se não se mudarem os dois. Cada parceiro traz consigo muitos problemas psíquicos inatos ou adquiridos, encontrando-se, muitas vezes, vergado sob a própria cruz, sem espaço para ver novos horizontes. Além disso, numa relação matrimonial ou numa relação íntima, há sempre três fases:

A primeira fase é a do apaixonamento

A segunda fase é a da luta, da luta por dominar o outro.

A terceira fase é a fase da aceitação e do amor.

Em todas as relações há sempre momentos de mistura das três fases, fases estas, que acontecem paralelamente. O problema é que os pares continuam por muito tempo em luta e esta tem de ser superada pela aceitação do outro como ele é.

A segunda fase tem de ser superada pela terceira fase que é a aceitação do outro como ele é. Cada um traz problemas consigo mas só cada um terá de regular a própria situação, independentemente do outro. Uma pessoa não pode interferir com o desejo de mudar o outro, pode manifestar desejos mas sem serem desejos gancho. Quem o fizer já perdeu a razão e não respeitou o outro. O que geralmente acontece é que as pessoas lutam sempre durante o tempo de vida que estão juntos, e, assim, a vida passa-lhes ao lado. Deixam de ser sujeitos da vida para passarem a ser seus objectos.

Criam-se expectativas irrealistas sobre o parceiro. Objectivamente podem estar certas as observações que se fazem sobre o parceiro mas isso não justifica o poder que se quer ter sobre ele. Não temos o direito de impedir a vida do outro nem o outro tem direito de impedir a nossa. Há objectivos comuns que se vão adquirindo no compromisso e respeito mútuo. O respeito de um pelo outro pode ser um ponto de orientação; se o há quer dizer que a relação ainda não morreu.

O meu sofrimento não acabará enquanto não conseguir deixar o parceiro ser como ele é e enquanto ele não me aceitar como sou. Isto é muito difícil. Mas uma pessoa pensa que tem mais razão que o parceiro. Então bombardeamo-lo com ideias, conselhos e moralismos. Verdade é que ele ou eu aprendemos sobretudo através dos erros. Geralmente aprende-se através dos erros, não através das correcções. Quanto mais tempo dura a luta mais rígidas se tornam as atitudes e os papéis, dum lado e do outro. Problemático torna-se que cada qual, no meio de tanta luta, se esqueça de viver e perca o comboio da vida. Importante é desenvolver-nos e descobrir-nos, descobrir-nos como mundo e como parte dele. Então, em vez da raiva surge a compaixão. Também não podemos esquecer: Quando alguém nos fecha uma janela Deus abre-nos uma porta. A nova situação pode tornar-se oportunidade para um renascer.  

Importante é que sejas cada vez mais tu (sujeito não objecto) deixando de ter o outro como muleta. Então a vida sorrirá e na vegetação do teu jardim brilharão todas as cores do arco-íris. Em qualquer relação o importante é que tu te tornes tu e não definas a tua personalidade pela dos outros nem a dos outros pela tua. Ao tomares consciência de ti descobres os outros também. Faz tu o que pensas que é bem para ti independentemente do que os outros pensam e a vida te trará muito perfume e brilho também. Importante é que se trate os outros sempre bem também. Doutro modo corres o perigo de querer atingir o impossível e de te esgotares nisso. A demasiada identificação com o outro ou consigo mesmo pode tornar mais difícil a própria aceitação e a aceitação dos outros. A demasiada fixação em si mesmo ou no outro deve ser contrabalançada com uma actividade ou ocupação que dê sentido à vida doutro modo torna-se o parceiro ou a própria pessoa o único conteúdo da vida e isto é mortal! Geralmente, na nossa vida, fazemos do nosso ser um palco em que deixamos alternar cenas em que somos dirigidos pelo eu infantil ou pelo eu paterno em vez de nos descobrirmos como eu, como ipseidade, como eu adulto. Jogamos às escondidas connosco mesmos entre o nosso eu infantil e o nosso eu paterno distraindo-nos do nosso eu adulto e responsável. Assim abdicamos de ser adultos e responsáveis, sendo amarrados à trela dos outros. Há que descobrir em nós o mesmo Sol que a todos puxa e quer de nós luz.

António da Cunha Duarte Justo

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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

9 comentários em “Porque nos guerreamos mesmo no amor?”

  1. Obrigada por escreveres este artigo,és fantástico,admiro-te muito.
    Parece que foi feito para mim,assim como me ajuda,tenho a certeza que ajudará outras pessoas (homens e mulheres).
    Gosto de todos os artigos que escreves e me ensinam sempre.
    Parabéns,continua.
    Beijinhos,
    Lídia

  2. É sem dúvida uma lição de vida! Mas somos pessoas e erramos permanentemente.. somos maquinas que precisam de ser afinadas constantemente..

  3. Não é fácil gerir expectativas.. Saber exactamente o papel que devemos ter numa relação, sem nos perdermos a nós mesmos, e sabermos até que ponto é que devemos investir em detrimento de outras coisas na nossa vida e até que ponto é que vale a pena lutar..

  4. A luta é natural mas não deve chegar ao ponto de destruir a relação nem deve ser conduzida muitos anos com muita intensidade; ao longo do tempo deve ser reduzida, porque divergências sempre haverá; deve ser sublimada no jogo de papeis (à imagem do que acontece no futebol em que as agressões que antes acabavam em guerras hoje jogam-se no campo de futebol sem prejudicar ninguém; importante é que ela não destrua o biotopo individual e relacional.A luta pode tornar-se autodestrutiva e pode destruir também o outro.A diferença exige tolerância mas não a negação de si mesmo. Todos temos que nos encontrar num processo contínuo de mudança sem nos perdermos em situações como se uma situação reduzisse o nosso viver a ela.

  5. Tens toda a razão, mas quando anulamos as nossas vontades em prol de
    outra pessoa, quando deixamos de ser nós próprios, quando
    efectivamente sentimos um jogo de luta ou poder, em que somos o elo
    mais fraco, tudo descamba…
    Resta a esperança de uma futura relação mais equilibrada em que seja
    possível superar ou contornar obstáculos..

  6. Querida Flor
    Então arriscamos demasiado. Deixamos de ser nós ao dissolver-nos no outro ou no grupo esquecendo que somos deuses solitários. Como deuses solitários somos intocáveis como seres de grupo somos seres necessitados e do desejo. Esta segunda característica em nós chega a levar-nos ao extremo de perder a própria personalidade na esperança de granjear uma labaredas de calor humano que nos aqueçam. Aqui a própria divindade sente-se ferida. Temos que nos esforçar por adquirir uma panorâmica do destino, uma visão global para não se viver à trela dos outros. Razões que não conduzam à felicidade tornam-se distracções caras. Uma delas é também o pessimismo.
    O abandono da luta não pode significar submissão. Pelo contrário, pode significar parceria com personalidade própria. Se o outro não deixa de combater é preciso pôr-lhe limites. (Cada pessoa tem em si uma parte divina (o bem) e uma parte diabólica (o mal) mais ou menos preponderante, havendo muitos casos em que a relação se pode tornar muito prejudicial, também porque um parceiro pode fazer levantar no outro apenas a sua parte escura e não a sua luz).
    A vida é uma mistura de luta e adaptação (afirmação-adaptação-afirmação). No momento da adaptação integra-se o condicional para se sair do condicionalismo mais forte ainda. A luta só pode ser deixada no aspecto de querer ter poder sobre o outro. Permanecerá sempre um resto de dicotomia entre submeter-se e querer dominar. A submissão é perigosa e pode levar a destruir a personalidade. Submeter-se é diferente de ceder. O que cede pode revelar-se superior, desde que não se subjugue. A cedência, por exemplo, em relações amorosas longas pode significar a superioridade do cedente que reconhece por compaixão a necessidade do outro mas sewm que ele o torne objecto. Neste aspecto está a cedência por livre vontade (não condicionada), por amor ao outro e não por medo de o perder. É decisivo constatar se cedo por fraqueza ou por necessidade.
    Numa relação não pode haver ninguém com direito de veto, doutro modo impedir-se-ia a capacidade de se chegar em conjunto a uma solução (união) racional (coerente). Somos todos seres incompletos, inacabados. O outro pode ajudar a completar-nos ou até a destruir-nos.
    Eu diria que nas nossas relações temos de distinguir entre o amor optimista e o amor pessimista. O amor optimista envolve-se crescendo os dois; o amor pessimista é um amor necessitado que nos faz pedintes, necessitados de mão estendida, levando o auto-suficiente, o que tem problemas de relação a sentir-se o mais forte confirmando-o no papel de explorador. Quem mais ama mais sofre; mas se este amor é adulto então o sofrimento terá a componente de compaixão. O mais superficial, não sente tanto os problemas, vive apenas do que lhe oferece dia-a-dia. Precisamos de descobrir e viver em nós a superficialidade e a profundidade. Todos nós somos mendigos de amor porque deuses solitários. No mais profundo da natureza (e em nós) sopra a brisa sombria do sofrimento; o que nos vale é que de nós faz também parte o céu onde o sol raia com intensidade dando-nos luz para caminhar e brilhar sem necessidade de a escuridão dos outros nos inundar nem o seu brilho nos ofuscar. Ama e faze o que queres.Mas está atenta a ti e aos outros , tudo se pode revelartanto como perigo como oportunidade. De resto também eu procuro abençoar o mundo com as suas trevas e com a sua luz, sabendo que um e outro sou eu, que um e o outro é o outro com quem caminho.

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