PADRES A MENOS E PASTORES A MAIS


Celibato – Ontem uma Bênção – Hoje um Problema

António Justo

A Igreja Católica conta com 1.131.000.000 católicos no mundo e dispõe de 407.262 padres e de 815.237 membros de ordens religiosas (estatísticas de 2008).

As comunidades cada vez contam com menos padres. A frequência dominical diminui também. Enquanto na Polónia 40% da população vai regularmente à missa, na Alemanha, dos 25,461 milhões de católicos só frequentam regularmente a missa dominical 17%, isto é 3,492 milhões (estatísticas de 2008).

Pelo contrário, a Igreja Evangélica, onde não há obrigatoriedade de celibato para os seus pastores, vê-se obrigada a dividir um tempo inteiro  de pároco por dois pastores, com meio tempo para cada um, pelo facto de ter pastores e pastoras em superabundância. A Igreja Católica, por seu lado, encontra-se numa situação desesperada de luta com a falta de padres.

As Igrejas ortodoxas russa e gregas, nas quais os padres se podem casar, não têm problemas de formação e angariação de padres. Tradicionalmente as famílias de padres fornecem também novos padres. Os bispos são recrutados, geralmente, das ordens religiosas.

Em Portugal conta com 81,10 % de católicos. Segundo a Agência Ecclesia, em 2006 havia 2.894 padres distribuídos por 21 dioceses em 4.366 paróquias. Por cada dois padres que morrem é ordenado um. A Igreja, para responder ao problema organiza “Unidades Pastorais” com equipas de sacerdotes responsáveis por várias paróquias; além disso recorre à formação de diáconos casados.

Até ao século XX, a obrigação do celibato para os párocos revelou-se como medida inteligente, na Igreja Católica. Duma maneira geral, a Europa era constituída por uma sociedade de classes, fechadas em si mesmas. O povo não tinha acesso às classes superiores nem à cultura das elites, não podendo, por isso, assumir lugares de responsabilidade pública. As grandes famílias distribuíam o poder (postos) entre elas. O sacerdócio celibatário impedia a concentração do poder eclesiástico em famílias tendo sido, ao mesmo tempo, um elemento democrático no meio do clero, da nobreza e da burguesia.

A extensão da obrigação celibatária das ordens (clero regular) às paróquias (clero secular) possibilitou uma solidariedade entre elites e povo. O padre, que, geralmente, provinha das classes populares tinha hipótese de subir e fazer parte do alto clero. A sua presença contesta a prática secular das grandes famílias nobres/burguesas e possibilita a subida da classe desfavorecida aos postos superiores da sociedade eclesiástica, impedindo que se formasse uma oligarquia sem base popular. O povo, através do sacerdócio, trazia sangue novo e renovador à oligarquia da Igreja, solidarizando-a com o povo. Aqueles que não aguentavam com o jugo do celibato e abandonavam o seminário ou o cargo, provindos embora do povo, passavam para a sociedade secular onde ocupavam cargos relevantes e deste modo assumiam também uma presença popular nela.

Quando se fala de padres e de celibato é necessário distinguir entre os celibatários por vocação, (membros de ordens e congregações religiosas) e os celibatários por encargo aos quais a legislação eclesiástica impõe o celibato como condição de acesso ao exercício da missão sacerdotal paroquial. O celibato para os párocos foi tornado obrigatório pela Igreja Católica na idade média. A Igreja Ortodoxa não aderiu a esta medida disciplinar. Apenas exige o celibato aos bispos. A ligação do exercício do sacerdócio ao celibato não tem fundamento bíblico. Pelo contrário, a Bíblia opõe-se ao ascetismo exagerado e à proibição do casamento aos padres (cf. 1Tim3,1-13 e 4, 1-5).

Entretanto o celibato tornou-se no principal factor impedidor da abundância de padres. O benefício que o celibato traz para a estratégia administrativa é adquirido contra a integração cultural e estrutural do cristianismo nas estruturas seculares. Uma mentalidade fechada e ingénua tem levado as elites da administração eclesiástica a adiar o problema em detrimento da Ecclesia semper reformanda e da integração religiosa nas estruturas culturais. A estruturação da sociedade hodierna exige não só novas medidas em relação ao clero mas também uma nova estratégia de presença cristã nas sociedades. A sua nova reestruturação não pode ser feita apenas para dar resposta à falta de padres. O papel dos leigos numa comunidade viva consciente e activa não pode esquecer a importância do testemunho de vida e missão na sociedade em que estão inserido.

Clericalismo e anti-clericalismo são sintomas de Sociedades desintegrada

Nas sociedades nórdicas, a influência dos pastores casados e suas famílias está muito presente a nível cultural e político-social nas nações. O seu contributo cultural para a sociedade secular faz lembrar o contributo cultural de alto nível dos judeus, no seio dos povos onde se encontram inseridos. É importante constatar-se que, nos povos nórdicos, não há o anti-clericalismo que se encontra em países latinos. Isto tem a ver naturalmente com a integração social e o relevo cultural dados pelas famílias dos padres evangélicos às nações. É frequente ouvir-se políticos tomar posição em público fundamentada em princípios cristãos e isto tanto em partidos de esquerda como de direita.

Nas nações latinas, tradicionalmente de maioria católica, os padres também contribuíram muito para a cultura secular dos países; faltou-lhes porém a disputa com a vida concreta do dia a dia, o enraizamento familiar e a consequente influência. O povo nas sociedades latinas são mais indiferentes e mais dependentes da opinião momentânea do que os povos das nações nórdicas. Os filhos dos pastores evangélicos foram muitas vezes pioneiros a nível de cultura e movimentação política crítica, integrando-se nas mais diversas expressões da arte, da ciência e da religião. Deste modo a Igreja torna-se indirectamente a guardiã do progresso e ao mesmo tempo a defensora de valores tradicionais e humanos.

Clericalismo e anti-clericalismo são fenómenos doentios de sociedades mais desintegradas.

Cidadãos e crentes têm que suportar as estruturas e suportar-se a si!

DO PODER DIVINO PARA O PODER POLVO

A secularização da sociedade deu um grande contributo para o desenvolvimento social. Igrejas e museus têm vivido lado a lado. Mundo religioso e secular, povo e burguesia, embora em tensão, viviam sob o mesmo teto cultural.

Com o acentuar-se da União Europeia e do Globalismo, os antigos deuses europeus estão de volta e vingam-se contra o monoteísmo cristão. Esta religião que se afirmou na luta contra a adoração do Imperador e na defesa dos escravos e explorados parece tornar-se em estorvo para os deuses do novo Olimpo em construção. As novas elites querem recolher-se ao Olimpo para não se misturarem com o povo. A ética e moral, ligada à religião, ao dar voz aos interesses dos mais fracos, com os seus parâmetros éticos e morais, dá muita consistência à base da pirâmide social, o que não agrada aos que querem ter um proletariado de fácil manobra. Por isso o poder anónimo e desenraizado que se instala por todo o lado está interessado em destruir a identidade das pessoas e aquelas estruturas que as defendem a pessoa, pelo facto da divindade fazer parte da pessoa.

Com o processo de democratização do ensino a camada pobre já tem acesso aos lugares dominantes/dominadores da sociedade. Sobe através de sindicatos, partidos, administrações e superstruturas que imperceptivelmente dirigem a vontade e o sentir social. O poder de ontem encontra-se hoje camuflado e opera eficazmente sob o nimbo democrático. Como o polvo tem muitos braços que permitem um processo de filtração na selecção “democrática”dos seus melhores servidores. O poder polvo tem a capacidade de determinar o pensar e sentir do povo de dia para dia através duma opinião publicada nebulosa que o torna invisível e inimigo do Homem. Por isso os amigos do Homem e da democracia, independentemente do seu colorido, têm de mudar a sua estratégia, na sua maneira de estar presentes na sociedade. A Igreja, vocacionada a defender o povo, a dar voz aos que não têm voz deveria estar atenta ao momento histórico que atravessamos, que por razões de reorganização em super-potências e de globalização pretendem reduzir a pessoa a mero indivíduo e este a mercadoria. As novas elites querem um indivíduo cata-vento.

Hoje, a lei do celibato, especialmente na Europa e nos Estados Unidos, prejudica imensamente a acção da Igreja. A realidade social, através da democratização, mudou-se e o sentido e vias de solidariedade também. A presença cristã no mundo institucional e público precisa duma nova dinâmica. Na sociedade tradicional a aura social estava hierarquicamente estruturada de cima para baixo pelo que a presença eclesial reflectia esta mentalidade com a correspondente presença em lugares relevantes da pirâmide; hoje, que vivemos em tempos de democracia nominal, de poder polvo, a sua presença tem que partir da base da pirâmide, para se tornar presente nos diferentes biótopos sociais e institucionais.

A função de solidariedade e de intercâmbio social do padre deixou de ter prestígio, nas sociedades secularizadas. Por outro lado as exigências do presente, em relação à pastoral, não se limitam à consciência e ao testemunho de castidade do padre, embora nos encontremos numa sociedade sexista já em estado neurótico. Numa altura em que as famílias partidárias procuram assumir, na sociedade democrática, o papel das famílias relevantes burguesas e nobres, da sociedade antiga, lutando, por isso, contra a família tradicional, torna-se importante enobrecer o estatuto da família tradicional e fortalecer o surgir de famílias coesas cristãs e instigá-las a manifestarem a sua presença nos diferentes ramos da política e da sociedade.

A presença cristã necessita duma nova estratégia. Não chega ser-se inteligente; num mundo de espertos exige-se também esperteza. A crise sacerdotal dá a oportunidade à Igreja de se antecipar aos acontecimentos para não ser levada na enxurrada. A paróquia não pode continuar no comodismo fácil de ter um padre livre de tudo para se encontrar à disposição de toda a gente a toda a hora. Isto é egoísmo muito embora os padres que exercem a função com alegria sejam uma bênção para as pessoas com quem contactam.

Não chega já a inteligência racional, é necessária também a inteligência emotiva. Torna-se óbvio, a nível de Igreja, o fomento de famílias testemunho, comunidades de vida, que vivam a caridade, a liberdade e o amor ao próximo em contrastante com as ideologias seculares que seguem uma estratégia de instalar os seus multiplicadores não só nas estruturas do Estado e implicitamente nas estruturas sociais da igreja. A realidade da família e correspondente investimento nela é a estratégia e oportunidade nobre e duradoura que a Igreja tem para se tornar presente a nível social na estrutura do estado moderno. Este aposta na destruição da família e no fomento das grandes famílias (estruturas) partidárias. A influência e participação na vida pública dão-se hoje, principalmente, através da vida partidária, que se apoderou das estruturas do Estado e é, muitas vezes, orientada pela ideologia e pelo dogma dum pragmatismo factual à margem do povo. Uma função da Igreja actual seria mitigar e humanizar aquelas estruturas participando activamente nelas. Não se trata de ter políticos que defendam os interesses dos cristãos mas de ter cristãos na política que a humanizem e defendam a pessoa, os interesses do povo que comunga do ser pessoa. Para isso não pode continuar a considerar-se o matrimónio como concorrente da ordem sacerdotal ou mesmo inferior a ela. Se antigamente era importante o exemplo institucional hoje é importante o testemunho de vida integrada. A hierarquia precisa de se integrar na vida familiar, social e política de maneira directa e não apenas representativa. Também a instituição está chamada a responder ao apelo. Não existe uma norma normans mas uma norma normata. Na há nada definitivo. A cristologia aponta para o primado da praxis.

Sexualidade e Espiritualidade são Energias complementares

Vida sem erotismo é ausência, é frieza. De facto, a sexualidade e a espiritualidade atravessam o coração humano. A sexualidade é uma dádiva de Deus que não deve ser tabuizada nem instrumentalizada. Ela é sinal de alegria na vida.

Apesar duma sociedade sexualmente pervertida em que o comércio se apoderou da sexualidade, a Igreja não pode manipular a sexualidade dos seus padres muito embora o argumento do testemunho pese muito.

A propaganda reduz a mulher a mercadoria. A mulher é transformada em alegoria de mercadoria ao lado dum Mercedes. Este é o melhor sinal de como o mercado já colonizou o corpo da mulher com as fantasias sexuais a ele unidas. A mercadoria tornou-se mulher e a mulher mercadoria. Ela tornou-se reclame. A indústria comercializou o desejo sexual pondo-o ao seu serviço.

Toda a pessoa se encontra sob tensão entre necessidade e valores, seja qual for a forma de vida escolhida, a caminho do possível.

Maturidade afectiva pressupõe a capacidade de renúncia a necessidades e a capacidade de diferenciação entre o papel que se desempenha e a pessoa que se é. Só assim se pode observar os próprios abismos. Até ao concílio de Espanha (Elvira) era comum os padres poderem compartilhar a corporeidade com a esposa. A acentuação do ofício sobre a pessoa exige super-homens sem necessidades, condicionando a santidade do ofício à especialidade do homem padre. Em nome da independência sexual tornam-se dependentes da administração. O facto dos párocos terem feito o voto de castidade não os deve impedir de ter coragem para esclarecer o povo, muito embora a coragem seja dificultada por uma obediência mal entendida.

A igreja não pode calar-se em relação à sexualidade do padre nem pode aceitar que o sacerdote seja torturado pela sexualidade.

A sexualidade consta de relação, fecundidade, identidade e prazer. A Igreja solucionou muito bem a relação e a fecundidade, através de rituais e sacramentos. O problema do prazer e da identidade reserva-os para a controvérsia, sem lhe dar solução.

O celibato é uma forma de vida, uma opção livre nas ordens e congregações religiosas. É um testemunho especial do evangelho de disponibilidade para o espiritual. Porém o processo da incarnação e da ressurreição e o mistério da trindade não permitem apenas a visão bipolar de extremos contraditórios. A espiritualidade cristã não se esgota no diálogo ela vive do triálogo e por isso da complementaridade dos “elementos”. Esta integra a dialéctica na mística.

A obrigação celibatária do clero secular traz, hoje, muito mais desvantagens que vantagens para o povo de Deus.

Uma sociedade sexualizada faz dos celibatários exóticos levando-os ao isolamento. O exercício sacerdotal torna-se hoje mais difícil que ontem. A vida celibatária traz consigo mais disponibilidade mas acarreta também perigos, além de arrogância e de egocentrismo, na falta do elemento correctivo comunitário ou do parceiro, pressupostos necessários para haver desenvolvimento. A abstinência genital sexual não implica abstinência emocional sexual, isto tanto para casados como para solteiros. A renúncia à prática genital pode aumentar a emocional possibilitando uma maior relação com a comunidade, com os membros e com Deus; o mesmo se diga duma prática genital sexual familiar. Há muitos caminhos para chegar a Deus e nem sempre os que se manifestam mais directos são os mais rápidos!

Celibato é uma questão para adultos. Pessoas que não aceitam e não conhecem a sua sexualidade devem renunciar ao celibato. A contenção sexual é uma prática também presente no matrimónio.

Também há perturbações (fobias) da personalidade que se podem esconder no celibato. O amadurecimento da personalidade é um processo e como tal não deve ser parado em nenhum sector.

Nos tempos em que havia grande afluência de vocações sacerdotais aos seminários, os orientadores prestavam grande atenção à maturidade intelectual, psíquica e afectiva; hoje, a carência pode tornar os critérios de selecção mais laxa, o que pode ter más consequências. O padre deve continuar a ser uma instância moral, também o pode ser como casado! A instituição não pode limitar-se no mundo a ser um universo paralelo. Os padres não são criaturas sem necessidades. A natureza quer-se dominada mas não negada. A negação da necessidade implica a negação da realidade. Uma afirmação da instituição à custa da negação da necessidade pode tornar-se exploração e pode conduzir à hipocrisia e à sobranceria.

O padre caminha ao lado das pessoas. Nas missões e no meio dos pobres realizam acções heróicas. A sua entrega é total, vivem com os pobres de dia e de noite, assumem as suas preocupações. Ele é cura de almas e presencia o divino. Todo o cristão está chamado a esta missão.

O voto da castidade pode tornar-se, com o tempo, numa grande carga, numa prisão da sexualidade e é já hoje uma renúncia a fomento de cristianismo nas instituições democráticas.

A Igreja católica, num acto de angústia, viu-se na necessidade de proclamar, a 19 de Junho de 2009, um ano sacerdotal.

Com isto espera das comunidades cristãs e dos padres maior empenho. Os bispos, continuam a reagir como a avestruz que em situações de perigo metem a cabeça debaixo da areia. Em vez de analisarem o porquê da crise sacerdotal e a prescrição celibatária preferem continuar a apostar no celibato do pároco, a reduzi-lo a um perfil de desafio entre aceitação e rejeição, apesar da penúria que se alastra por todas as paróquias.

A instituição ainda não se deu conta que explora a pessoa do padre e por vezes abusa de pessoas sobrecarregadas com cargos honoríficos, que os chegam a envolver em activismos exaustivos. Naturalmente que embora o trabalho feito, não reverta em favor da instituição mas em favor da comunidade, esse facto não deve desresponsabilizar a administração no cuidado que deve ter pelos seus membros. Naturalmente que uma igreja pobre ao serviço dos pobres não tem fundos de meneio suficientes para poder fomentar uma rede de colaboradores leigos mais eficiente. Embora a fórmula trinitária seja plena em relação à dialéctica, a organização não pode fugir à realidade dialéctica da disputa de dois pólos: um pólo constante do exercício e da procura da verdade e outro variável de expressão e adaptação cultural.

REESTRUTURAÇÃO DAS COMUNIDADES CRISTÃS

A Paróquia é um Terreno em Obras

Na Alemanha, tal como em muitos outros países, as paróquias católicas e protestantes encontram-se em profunda reestruturação devido a falta de recursos económicos, a elaboração de novos perfis pastorais e à falta de párocos (no caso dos católicos).

A crise de comunidades paroquiais devida à falta de padres torna-se cada vez mais aguda. Em vez de se adaptar a estrutura pastoral eclesiástica às necessidades da comunidade, adapta-se a comunidade à falta de padres. Acelera-se um fenómeno de desenraizamento e de abandono dos cristãos das práticas litúrgicas e uma certa identificação territorial. A relação pároco comunidade dificulta-se. A comunidade de base insurge-se contra a reunião de paróquias sob um só pároco, mas em vão. O padre passa a ser um pastor de multiplicadores. Este processo oferece pouca resistência porque muitos dos párocos já só visitavam os “fregueses” quando solicitados. A necessidade em vez de se dar em favor dos membros da comunidade recorrendo-se à ordenação de pessoas casadas, de diáconos e diaconisas recorre-se à estratégia estrutural do mesmo pároco fazer serviço em várias freguesias ou em juntá-las. Naturalmente que também o reajustamento de paróquias traz as suas vantagens. Geralmente da necessidade nasce a virtude.

Com a fusão de paróquias o trabalho será mais estruturado e a rede de serviços torna-se mais lata. Por outro lado com estas medidas petrificam-se posições conservadoras que não aceitam párocos casados nem diaconisas. A lobi administrativa reduz a lamentação dos fiéis, que vêem a sua comunidade ameaçada, a um luto que passa. Mais que investir na mudança das estruturas seria de investir na vida espiritual das comunidades e na criação de Unidades Pastorais de serviços específicos. A preocupação das estruturas da igreja parece ser outra: pensa em sistemas de representação da Igreja a nível local, como se a comunidade cristã não fosse ecclesia mas fosse apenas parte duma sociedade. Enganam os fiéis com a ideia de democratização e de responsabilização dos leigos no lugar como se a comunidade não continuasse centrada no padre. Ou será que os actuais párocos são um impedimento de desenvolvimento de actividades laicas que na sua ausência se tornarão possíveis? Naturalmente que se há paróquias em que o padre só se limita à administração dos sacramentos, neste caso a subjugação dessa paróquia a uma outra parecerá legítima. Temos o Mammon e a instituição por vezes em concorrência com a pastoral e com a eclesiologia. A igreja tem uma responsabilidade ad intra et ad extra. Esta pressupõe o respeito por comunidades vivas e unidas, emocional, social e espiritualmente; essa responsabilidade deve estender-se ao pároco muitas vezes abandonado ao isolamento. Nunca é demais louvar o trabalho abnegado de assistência social e pastoral que os padres prestam ao povo e ao Estado apesar do ressentimento presente em ideologias que se apoderam do Estado e pretendem carta branca para a imposição dos seus interesses contra aqueles.

Critérios indispensáveis a uma Comunidade

Uma paróquia pode continuar a ter várias comunidades, como já acontece com os diferentes horários de missas, com diferentes músicas, diferentes públicos e até, por vezes com diferentes padres. As condições para que haja comunidade são: o seu testemunho de fé (martyria), a vivência da caridade (diakonia) e o louvor a Deus (Eucharistia) que se expressam na comunhão de todos (Communio) e se realiza e experimenta no Reino de Deus (Missio). Ecclesia (comunidade) pode naturalmente acontecer independentemente dum lugar determinado.

A revista alemã para pastoral e praxis na comunidade nº. 3 de 2010 www.anzeiger-für-die-seelsorge.de  refere o resultado duma investigação científica em que se enumeram os critérios necessários para que uma Comunidade (ou paróquia) seja viva. Os oito critérios têm que ser cumpridos simultaneamente e são: direcção que autoriza, realização (execução em colaboração) de orientação carismática, espiritualidade entusiasta, relações amorosas, estruturas convenientes, liturgias inspiradoras, pequenos grupos íntegros e evangelização relevante.

Daqui se conclui a necessidade duma planificação abrangente. Além disso purismos são inconvenientes; o “trigo” deve “crescer com o joio”; só mais tarde se poderá ver. Uns fiéis trazem e sustentam os outros. Os espaços paroquiais ou da comunidade poderão ser usados por diferentes grupos de música e de arte, canto, cursos de formação, viagens, peregrinações, exposições, e grupos de meditação e outros em situações mesmo contraditórias, projectos ligados a necessidades específicas sejam elas família, idosos, etc..

Com padres casados ou com padres celibatários o importante é que a comunidade se abra à vida e não se fixe em hábitos rotineiros mas que se reduzem a não deixar morrer alguma iniciativa. Descobrir os próprios carismas e os dos outros numa estrutura com buracos estruturais que permitam oportunidades para a actuação do Espírito Santo.

Com a reforma antecipada há muitas pessoas cristãs e não cristãs interessadas em colaborar honorificamente ou apresentar projectos.

A Igreja tem-se contentado em ver a Banda a passar

Uma atitude da sociedade secular generalizada contra os padres e a sobrecarga de trabalho leva muitos párocos a uma situação de isolamento e de solidão.

A direcção da Igreja adia o problema da falta de padres conectando várias paróquias em Unidades Pastorais sob a direcção dum só padre ou dum grupo de padres. O sacerdote vê, muitas vezes, a sua actividade reduzida a mero administrador de sacramentos e a orientador de grupos, tornando-se num hóspede de passagem, sem tempo para conviver com os membros da comunidade. O novo perfil de pároco parece corresponder mais a um Administrador duma sociedade de leis (grega) do que a uma comunidade de vida (bíblica) com uma vida inerente de “auto-suficiência”.

A estratégia de substituir padres por assistentes pastorais revela-se, por vezes, como contra-produtiva por estes não surgirem da comunidade de vida mas serem colocados por uma instituição distante apenas preocupada com problemas logísticos de administração. O recurso a padres do terceiro mundo para as paróquias, tal como faz a indústria recorrendo à imigração de trabalhadores do estrangeiro, revela-se precária. Não podem contar com uma comunidade acolhedora como no caso das ordens e congregações, o que pode conduzir a um choque cultural, ao isolamento e a depressões, como se observa em certos casos na Alemanha.

O activismo a que os párocos estão sujeitos leva-os, muitas vezes, a perder a alegria de serviço e de vida. 50% dos padres portugueses não participam em retiros nem em cursos de formação contínua: um testemunho de pobreza espiritual e de incúria.

Padres transplantados de outras culturas acrescentam à solidão do celibato o choque cultural que conduz muitas vezes ao stress emocional e à depressão. O padre vive só com os seus problemas e fica só com os problemas a ele confiados. O cargo transforma-se numa carga e o dia a dia pastoral vai-se tornando num deserto onde a fonte da fé se vai esvaindo.

O Homem não é de pau. A sua união a Cristo deve ser complementada com a sua ligação a Jesus, o Homem. No padre, como no cristão deve tornar-se transparente o espírito e a matéria, Jesus Cristo completo.

Deus age em nós e através de nós; o nosso agir tem qualidade divina (Gal.2,20). Apresentar Cristo como garante de que não há tempos de ponto morto na vida sacerdotal seria uma impertinência em relação à materialidade como se de Cristo não fizesse parte Jesus, a parte humana sujeita. A sublimação dum serviço não deve dar-se à custa dos outros, como se o leigo em comunidade não pudesse participar do mais profundo da divindade. O chamamento sacerdotal e específico não deve desresponsabilizar o sacerdócio comum do povo de Deus; eles dão-se na complementaridade. “Eu sou aquele que está aqui para vós” (Ex 3,14). “Onde estiverem dois ou três no meu nome lá estou eu”(Mt 18,20). “O que fizerdes ao mais pequeno a mim o fazeis”(Mt 25,40).Jo 17,21) (Act 2,44; 4,32).

“O sacrifício que agrada a Deus”(Ef. 5,2) não é mortificação mas sim fidelidade à carne e ao espírito no respeito de Cristo e de Jesus que formam uma unidade de matéria e espírito. Estar em Cristo não significa só estar junto dele mas estar nele na terceira dimensão (pessoa) do amor. A força de Cristo jorra em Jesus de várias maneiras. Mais que “enviados de Cristo” estamos a fluir com ele na realização trinitária. Com o Paráclito somos todos enviados a transformar-nos a nós e ao mundo no Jesus Cristo (união de matéria e espírito, 2Cor.1,21).

O serviço sacerdotal terá de ser alargado para que a acção eclesial se concretize na multiplicidade das situações da vida. Também o diaconato da mulher se tornará uma realidade. A razão precisa de percorrer, por vezes, longos caminhos até que, por fim, vence!

O dom do sacerdócio e os diferentes dons são para a comunidade. O desleixo esconde-se facilmente sob o manto da vontade de Deus, como se ela não passasse pela vontade do Homem. Deus age no leigo, no secular e no padre em diferentes funções. O cristianismo não é uma estrada num só sentido. Nele há as mais diversas mansões!

António da Cunha Duarte Justo

Copyright © 2010 António da Cunha Duarte Justo

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Publicado por

António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

5 comentários em “PADRES A MENOS E PASTORES A MAIS”

  1. Cumprimento-o pelos primorosos textos, enfim alguém enxerga a realidade tal como é! Não creio que o celibato tenha sido nunca uma bênção, pois a história da Igreja é permeada de exemplos de pessoas com atitudes não muito equilibradas, e isto certamente é decorrente da situação de solidão e isolamento a que os padres foram relegados, contrariando a própria natureza humana e, principalmente, arriscando a saúde emocional.
    Para quem for defensor do celibato, que estes votos sejam, então, feitos após os 40 anos, quando o homem já tem condições e maturidade para decidir por um sacrifício dessa amplitude.
    Os fiéis sempre sentiram falta de padres casados, que saibam realmente o que é o matrimônio (não aquele idealizado nas homilias) e o que é ser pai. O que não tem sentido é impor a um jovem cheio de vida uma renúncia total a ela… Cristo veio para “dar vida em abundância”, e isto, para mim, inclui mente, corpo e alma.
    Adoro ler seus textos! Um grande e fraterno abraço.

  2. Meu Caro António Justo,

    Li com muito interesse o que escreveu. Antigo membro da Acção Católica – JOC, membro dos Cursillos de Cristandad, estudioso das Religiões e sua comparação prática, naturalmente este seu ensaio ajudou-me em alguns aspectos de vida prática de um Religioso, como presumo que o Amigo ainda é.
    Tanto no tema “Celibato”, como noutros, a Igreja Católica foi sempre extremamente conservadora.
    Sempre a Hierarquia Católica viveu à sombra do Poder e, em muitos países, especialmente nos Latinos, foi muitas vezes o Pai e a Mãe do Poder.
    Não é por acaso que quase todos os países latinos, onde a Igreja Católica reina, são os mais atrazados do planeta, sem qualquer excepção.
    Tal facto é elucidativo da tentativa, muitas vezes conseguida, da manutenção do Povo de Deus no maior obscurantismo possível. Um Povo pouco ou nada desenvolvido em termos culturais é terreno fertil para os Políticos cometerem as maiores atrocidades, impunemente.
    Como exemplos temos todos os Países da América Latina, do sul da Europa e Irlanda.
    Meu Caro, não falo por falar. Tive a sorte de poder viajar por quase todo o mundo e constatei, in loco, aquilo que acima afirmo.
    Ou a Hierarquia Católica acorda rapidamente e realiza mudanças estruturais ou em pouco tempo tornar-se-á uma relíquia histórica.
    Um abraço amigo
    Alfredo

  3. Prezado amigo Alfredo Formiga,
    comentário oportuno. De facto a instituição Igreja tem muitos passos a dar no sentido do Mestre de Nazaré e do povo.
    Facto sociológico é porém que, nos povos onde o catolicismo e o protestantismo estiveram presentes, o povo se encontra em situação vantajosa em relação ao povo doutras sociedades. Isto visto da perspectiva ocidental, naturalmente. Para o desenvolvimento do povo contribuiu, a seu tempo, a pregação dominical e a confissão.
    Um abraço amigo
    António Justo

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