BOM NATAL PARA TODOS

NATAL PARA TODOS
António Justo
Natal, é a luz da vida
No frio da estação a brotar
É o aro das cores de Abril
No alvo da vista a acenar

É festa, stress, bolos, círios,
Parabéns, beijos e lágrimas
Encanto união convívio
Num só abraço ritual

Até das gretas da fraga
O amor viçoso desperta
Jesus na natura a se erguer
Num sol de carinho a dizer:
Não me vês a mim no outro?
Faço anos todos os dias!

É um vaivém de sonhos adiados
A viver de migalhas da rua
Em grutas tóxicas, sem abrigo
Noutros mesmo descarrilados

É o mundo da desarmonia
Dos natais não festejados
Na rua do dia a dia
Perdido de se encontrar

São sonhos engalanados em ruas iluminadas
Um incêndio de consumo em chama de ilusão
A saudade a abanar nas roupas da multidão
Uma confusão de compras, “Boas Festas”, “Desculpas” “Santinho”
A prendarem “encontrões”, “não tem de quê”, “Feliz natal”

É vida a saldo de vidas aladas
A pretexto do adorno da vida
Sob o guarda-chuva dum pobre menino,
E à custa dum deus bem-comportado

É hora dos magos do teatro da praça
Senhores sedutores de viseiras no rosto
Mandam o menino à fava, lá pró deserto
Ocupam tudo, é deles esta arena

Também no mofo do meu guarda-fato
Pendurada está a fé dum pé-descalço
Dum proletário, a vida dura a lembrar
E eu, a passar alheio no trilho do habitual
Sem ser Jesus, para o Jesus a esperar

A matilha desce à arena
Na dança de Mal e Bem
São os donos cá da terra
Seu natal a louvar também

Ao tilintar dos cristais,
Sob o holofote da atenção
No absurdo do Presépio
Dança o requinte do Banco

No seu mercado de estrelas
Brilha também o pinheiro
Só de consumo enfeitado
É natal prós do dinheiro

Lá no turbilhão da praça
Da poeira de seus gestos
Deixam a enganar a vista
Só fita, embrulho e laço

Na rua só, um gemido de Belém
Na folha arrastada pelo chão
Jesus de novo a sós co’ ele
No breu não luz mais ninguém

Adeusinho! Até pró ano
Meu Jesus de encomenda
Natal só brilho de laço
A unir a nossa prenda!

O estábulo continua sujo
Animais à má sorte vendidos
E José sempre desempregado
Natal, pensado mas não vivido!

Nas vitrinas da realidade
Não há prendas, não!
Para os que nada têm
Só natal em segunda mão

A aquecer a minha mão
Crepitam os sonhos dos outros
Que lenha do seu direito são
Na minha lareira a arder

No rosto de meus filhos
Minha infância rebrilha
Hoje como então é festa
À meia-noite é já dia

Vamos desvendar o natal
Para incendiar a praça
Não queremos viver mal
Sob o gelo da desgraça

Nas favelas da vida negra
A fé treme já de frio
Vamos acender as velas
Com fósforos de justiça

Viva a consoada
Vamos ao presépio,
À maternidade
Celebrar com todos
A fraternidade

Natal a dar de si,
É arte do viver sem nada
Natal a dar do outro,
É luz a dar-se a cada!
Natal mais que estar é ser
No semear sem colher

© António da Cunha Duarte Justo
“Rascunhos do Tempo”
Natal 2009

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Publicado por

António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

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